As alterações metabólicas resultaram em ganho de peso acima do esperado para a idade (foto: Freepik)

Saúde
Trauma na infância da mãe pode levar a alteração metabólica precoce em filhos do sexo masculino
31 de março de 2025

Conclusão é de estudo que acompanhou 352 pares de recém-nascidos e suas progenitoras nas cidades de Guarulhos e São Paulo. Modificações observadas já nos primeiros dois meses de vida têm o potencial de aumentar o risco futuro de obesidade e diabetes

Saúde
Trauma na infância da mãe pode levar a alteração metabólica precoce em filhos do sexo masculino

Conclusão é de estudo que acompanhou 352 pares de recém-nascidos e suas progenitoras nas cidades de Guarulhos e São Paulo. Modificações observadas já nos primeiros dois meses de vida têm o potencial de aumentar o risco futuro de obesidade e diabetes

31 de março de 2025

As alterações metabólicas resultaram em ganho de peso acima do esperado para a idade (foto: Freepik)

 

Maria Fernanda Ziegler | Agência FAPESP – Situações adversas vividas pela mãe durante a infância – como negligência ou violência física, psíquica ou sexual – podem desencadear ganho de peso excessivo nos filhos de sexo masculino já nos dois primeiros meses de vida. Foi o que mostrou um estudo que acompanhou 352 pares de recém-nascidos e suas mães nas cidades de Guarulhos e São Paulo. Os resultados foram publicados na revista Scientific Reports.

As análises indicaram a ocorrência de alterações metabólicas muito precoces nos bebês que, além de resultarem no ganho de peso acima do esperado para a idade, têm o potencial de aumentar o risco futuro de desenvolvimento de obesidade e diabetes.

Este é o primeiro artigo fruto de um Projeto Temático apoiado pela FAPESP e os National Institutes of Health (NIH), dos Estados Unidos. A partir de um banco de dados com 580 gestantes em situação de vulnerabilidade, o grupo estuda o trauma intergeracional, ou seja, efeitos negativos que podem ser transmitidos para gerações futuras, mesmo que os descendentes não tenham vivenciado tais experiências.

Conduzida por pesquisadores da Columbia e da Duke University, ambas nos Estados Unidos, e da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp), a investigação tem como foco questões relativas à interação entre mãe e bebê, desenvolvimento e saúde mental e física (leia mais em: agencia.fapesp.br/32357).

“Observamos que, embora os bebês tenham nascido com o peso dentro dos parâmetros esperados, já nos primeiros dias de vida eles apresentavam um ganho de peso alterado, muito acima do que é preconizado como ideal pela Organização Mundial da Saúde [OMS]”, conta Andrea Parolin Jackowski, professora da Unifesp e coordenadora do projeto no Brasil.

De acordo com a OMS, o ideal é um ganho de até 30 gramas por dia na primeira etapa da vida. No entanto, os bebês do sexo masculino avaliados no estudo tiveram um ganho de peso de, em média, 35 gramas por dia – sendo que alguns ganharam até 78 gramas por dia.

“Os bebês que participaram do estudo nasceram a termo, com saúde e dentro do peso considerado ideal. Todas as gestações que acompanhamos foram de baixo risco, no entanto, nossos dados mostraram que, cada adversidade vivida pela mãe durante a infância, aumentava em 1,8 grama por dia o ganho de peso dos bebês. E isso estava restrito ao sexo masculino”, relata a pesquisadora.

Segundo Jackowski, existe um número grande de fatores que podem influenciar o peso dos bebês no início da vida e o trauma materno na infância parece ser um deles. Por isso, a análise teve o cuidado de controlar os chamados componentes de confusão – variáveis associadas ao nível de estresse das mães e que poderiam influenciar os resultados. Alguns exemplos são experiências de trauma ao longo da vida (cujos efeitos são cumulativos) e trauma atual, além do grau de escolaridade e socioeconômico.

“É importante destacar também que 70% dos bebês que participaram do estudo estavam em aleitamento materno exclusivo. Os outros 30% estavam em aleitamento misto [uma combinação de leite materno e fórmula]. Isso significa que não ingeriam bolacha recheada ou algum outro alimento que pudesse de fato alterar o peso. Portanto, os resultados sugerem a ocorrência de uma alteração metabólica precoce nesses bebês”, conta.

Por que só nos meninos?

De acordo com a pesquisadora, o trauma materno durante a infância só teve impacto no peso dos bebês de sexo masculino por causa de variações fisiológicas na placenta associadas ao sexo do feto.

A placenta é um órgão temporário formado por tecidos maternos e fetais e que apresenta diferenças estruturais e na regulação e expressão de esteroides e proteínas dependendo do sexo do bebê. “Os fetos masculinos desenvolvem estratégias para manter um crescimento constante diante de um ambiente intrauterino adverso, acarretando um maior risco de prematuridade e óbito fetal”, explica a pesquisadora.

Além disso, acrescenta, é sabido que nos casos de adversidade na infância o risco para depressão e ansiedade durante a gestação é maior, podendo acarretar o aumento dos níveis de citocinas pró-inflamatórias e cortisol no ambiente intrauterino. “Parece que a placenta dos fetos femininos se adapta para protegê-los, diminuindo a taxa de crescimento, sem que ocorra restrição do crescimento intrauterino [ou seja, o tamanho do bebê fica dentro do esperado ao final da gestação], e permitindo uma maior taxa de sobrevivência”, explica.

Outra questão importante é que a placenta de fetos masculinos tende a ser mais suscetível a flutuações de substâncias e metabólitos presentes na corrente sanguínea materna em comparação às placentas femininas. “Com isso, nesses casos de trauma, ela pode se tornar mais permeável, fazendo com que o feto do sexo masculino seja mais exposto a fatores inflamatórios resultantes de altos níveis de estresse, como o cortisol e as interleucinas, por exemplo.”

O trabalho agora publicado é o primeiro a revelar o trauma intergeracional como um desencadeador de alterações físicas de forma tão precoce. “Já é sabido que eventos adversos na infância da mãe podem desencadear problemas psíquicos e de desenvolvimento, mas o nosso estudo é pioneiro ao mostrar que eles podem impactar questões físicas, como o ganho de peso, já nos dois primeiros meses de vida”, afirma Jackowski.

Agora, a equipe de pesquisadores, que inclui Vinicius O. Santana, e a bolsista da FAPESP de pós-doutorado Aline C. Ramos, vai acompanhar a trajetória do peso dos filhos de mães que sofreram adversidades na infância até eles completarem 24 meses. “Vamos acompanhar por mais tempo, pois queremos investigar o impacto da introdução alimentar, que geralmente ocorre aos 6 meses de vida”, diz.

Como explicam os pesquisadores, os resultados da pesquisa indicam que as alterações metabólicas podem ser modificadas. “Não se trata de determinismo. Precisamos acompanhar como o metabolismo e os fatores inflamatórios desses bebês vão se comportar por mais tempo para poder entender como modular esse processo. É importante saber que tudo isso é modificável e vamos agora investigar como intervir”, adianta.

O artigo Sex-specific association between maternal childhood adversities and offspring’s weight gain in a Brazilian cohort pode ser lido em: www.nature.com/articles/s41598-025-87078-5#Abs1.
 

  Republicar
 

Republicar

A Agência FAPESP licencia notícias via Creative Commons (CC-BY-NC-ND) para que possam ser republicadas gratuitamente e de forma simples por outros veículos digitais ou impressos. A Agência FAPESP deve ser creditada como a fonte do conteúdo que está sendo republicado e o nome do repórter (quando houver) deve ser atribuído. O uso do botão HMTL abaixo permite o atendimento a essas normas, detalhadas na Política de Republicação Digital FAPESP.