A questão ambiental e a especulação imobiliária estão na base do ressurgimento e da construção das identidades das populações caiçaras

Tradição resgatada
25 de agosto de 2004

No primeiro volume da Enciclopédia caiçara, que acaba de ser lançado, o antrópologo Antonio Carlos Diegues reúne artigos de diversos autores sobre história cultural, práticas de conservação da biodiversidade e relações com o turismo e as áreas protegidas

Tradição resgatada

No primeiro volume da Enciclopédia caiçara, que acaba de ser lançado, o antrópologo Antonio Carlos Diegues reúne artigos de diversos autores sobre história cultural, práticas de conservação da biodiversidade e relações com o turismo e as áreas protegidas

25 de agosto de 2004

A questão ambiental e a especulação imobiliária estão na base do ressurgimento e da construção das identidades das populações caiçaras

 

Por Eduardo Geraque

Agência FAPESP - A situação começou a mudar nos últimos 30 anos. Por tradição, a antropologia brasileira sempre deu mais atenção para as comunidades indígenas que, desde a chegada dos europeus, sofreram para sobreviver e manter suas tradições preservadas. Mas, quando o assunto são cultura e comunidades tradicionais, novos grupos passaram a ser melhor estudados. Os caiçaras do litoral fluminense, paulista e paranaense fazem parte dessa nova fase científica.

"Com exceção de alguns antropólogos como Gioconda Mussolini e Emilio Willems, que estudaram os caiçaras nos anos 50, Darci Ribeiro, que fez trabalhos sobre os caboclos, e Shepard Forman, que abordou os jangadeiros, na década de 70, a grande maioria dos pesquisadores, há mais de 30 anos, dedicava-se exclusivamente aos indígenas", conta o antropólogo Antonio Carlos Diegues, coordenador do Núcleo de Apoio a Pesquisa sobre Populações Humanas e Áreas Úmidas Brasileiras (Nupaub) da Universidade de São Paulo, à Agência FAPESP.

Grande parte dessa nova visão antropológica sobre os caiçaras do Sul e Sudeste do Brasil está presente no primeiro volume da Enciclopédia Caiçara – O Olhar do Pesquisador, que acaba de ser lançada em edição conjunta do Nupaub com a Editora Hucitec. Os textos, de vários autores, abordam temas como história cultural, as relações dos caiçaras com o mar e a mata, os saberes patrimoniais das comunidades, práticas de conservação da biodiversidade, modos de vida e suas relações com o turismo e as áreas protegidas.

Segundo Diegues, que coordenou o livro – ao todo estão programados o lançamento de mais quatro – existem ainda trabalhos sobre aspectos simbólicos da pesca, da construção das embarcações e da vida religiosa das comunidades tradicionais enfocadas. Existe um cruzamento constante nos artigos entre as ciências sociais e naturais.

Os caiçaras são frutos de uma mescla étnico-cultural de indígenas, colonizadores portugueses e, em menor grau, de escravos africanos. As pesquisas científicas mostram que essas comunidades tinham uma vida baseada em atividades de agricultura itinerante, pequena pesca, extrativismo vegetal e artesanato. Do ponto de vista geográfico, os caiçaras se fixaram mais nas áreas costeiras dos atuais Estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e norte de Santa Catarina.

"Nos anos 70, os estudos sobre caiçaras aumentaram porque as comunidades passaram a ser expropriadas de suas terras pela especulação imobiliária na faixa litorânea e, nos anos 80, pela implantação das unidades de conservação (parques e reservas naturais)", explica Diegues. O pesquisador lembra que o papel central desempenhado pelos seringueiros na Amazônia, nos anos 70 e 80, foi fundamental para que a visão antropológica sobre os povos não-indígenas fosse alterada.

Como pouca coisa mudou nas últimas três décadas – e a especulação imobiliária continua nas áreas litorâneas antes ocupadas pelos caiçaras – tanto a questão ambiental como as diversas ameaças à cultura das comunidades tradicionais costeiras, como o turismo, continuam na base do ressurgimento e da construção das identidades dessas populações marginalizadas. Hoje, entretanto, os ambientalistas não enxergam mais os caiçaras como inimigos da Mata Atlântica.

"A Convenção da Diversidade Biológica (documento assinado por 175 países, inclusive o Brasil, onde todos se comprometem a usar a biodiversidade de forma sustentável) ajudou muito a relançar o interesse pelo conhecimento e práticas tradicionais relativas à conservação e ao uso sustentável da biodiversidade. Nesse contexto, por exemplo, tem aumentado também o número de trabalhos de etnociência", explica o pesquisador.

O segundo volume da enciclopédia, o Dicionário Caiçara de autoria do professor iguapense Paulo Fortes, será lançado em dezembro. Os demais três volumes que completam a coleção chegarão apenas em 2005.


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