Professoras da Unesp lançam coletânea de ensaios sobre António José da Silva, o “Judeu”, e destacam a relevância do teatro no Brasil colonial
Professoras da Unesp lançam coletânea de ensaios sobre António José da Silva, o “Judeu”, e destacam a relevância do teatro no Brasil colonial
Professoras da Unesp lançam coletânea de ensaios sobre António José da Silva, o “Judeu”, e destacam a relevância do teatro no Brasil colonial
Professoras da Unesp lançam coletânea de ensaios sobre António José da Silva, o “Judeu”, e destacam a relevância do teatro no Brasil colonial
Por Alex Sander Alcântara
Agência FAPESP – Há quem afirme que não houve teatro de boa qualidade no Brasil durante o período colonial. O uso de técnicas teatrais teria fins didáticos apenas, como o teatro de catequese produzido pelo padre José de Anchieta. Em um caminho inverso, o livro O Teatro no Século 18 – Presença de António José da Silva, o Judeu afirma, que havia, sim, um teatro em formação no Brasil Colônia e que ele não se limitava apenas à catequese.
A obra que acaba de ser lançada reúne ensaios divididos em dois principais blocos. O primeiro está centrado no teatro produzido não só em Portugal e no Brasil, mas também na França e na Itália. No segundo, os textos destacam e celebram o tricentenário de nascimento de António José da Silva (1705-1739), conhecido como o “Judeu”.
A coletânea foi organizada por Renata Soares Junqueira e Maria Gloria Cusumano Mazzi, professoras da Faculdade de Ciências e Letras (FCLAr) da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), em Araraquara. De acordo com Renata, o livro é o resultado da 4ª Semana de Estudos Teatrais, realizada na FCLAr em 2005, quando se homenageou o autor nascido no Rio de Janeiro e morto precocemente em Lisboa, vítima da perseguição da Inquisição.
“Na história do teatro português, ele é, com certeza, o mais importante comediógrafo depois de Gil Vicente, no século 16, e antes de Almeida Garrett, no século 19. Mas se trata de um autor brasileiro que os brasileiros ainda não descobriram”, disse Renata à Agência FAPESP.
Se o espaço dedicado a Silva nos cursos de letras das universidades nacionais é ainda muito pequeno, nos cursos de artes cênicas a presença do autor é ainda menor. “Isso não se justifica de maneira nenhuma. Precisamos conhecer melhor esse grande autor”, afirmou.
Segundo ela, havia um teatro no Brasil colonial que era fundamentalmente de intenção didática e de catequese, feito pelos padres jesuítas, para auxiliar na conversão dos índios ao catolicismo. Mas já havia também um teatro para a nobreza e para a burguesia que por aqui se estabeleciam. “Esse teatro ‘culto’, digamos assim, era o mesmo que se cultivava na metrópole, isto é, era importado da França, da Itália e da Espanha”, disse Renata.
“Estavam muito em voga, nos tempos de D. João 5º, na primeira metade do século 18, as requintadas e caras óperas italianas, destinadas aos cortesãos, gente nobre e endinheirada. As classes populares não tinham acesso aos palácios e teatros opulentos nos quais essas óperas eram representadas. Pois está nisso, justamente, a grande novidade e o grande interesse das óperas cômicas produzidas por António José da Silva”, apontou.
O comediógrafo parodiava as óperas italianas em seus textos, que eram escritos em prosa entremeada de canções. O Judeu reproduzia, segundo Renata, as luxuosas óperas que tanto sucesso faziam na corte portuguesa com poucos recursos.
“Suas óperas, produzidas com pouco dinheiro, foram concebidas para serem representadas por marionetes e a elas podia ter acesso a gente simples, do povo, que logo começou a encher a sala do Teatro do Bairro Alto, em Lisboa, onde as peças eram representadas. Ali, o Judeu apresentou personagens que eram verdadeiras caricaturas da nobreza daquela época e que falavam em um estilo que também se revela uma caricatura da linguagem empolada e sofisticada que se cultivava nos tempos do Barroco”, disse.
Segundo a pesquisadora, o autor fazia uma paródia do Barroco e da tradição da poesia cultista, além de uma crítica muito fina e penetrante das instituições dominantes em Portugal – tardiamente barroco – na época de D. João 5º.
“Ele já ameaçava abrir as portas de Portugal ao pensamento liberal que o iluminismo viria a introduzir no país posteriormente, na segunda metade do século 18, com a chegada do marquês de Pombal ao poder”, explica ao destacar que Silva morreu antes, em 1739, em auto-de-fé da Inquisição de Lisboa.
Vida e obra
Segundo Renata, António José da Silva era de família judia convertida à força ao cristianismo. Vivia no Rio de Janeiro quando os pais foram levados presos para Lisboa, onde foram submetidos a diversos interrogatórios e torturas. Ele e os irmãos também seguiram posteriormente para Portugal e por lá ficaram. Ingressou no Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, casou-se com uma jovem cristã-nova e começou a fazer sucesso teatral na década de 1730.
“Sua primeira ópera cômica, intitulada Vida do Grande D. Quixote de la Mancha e do Gordo Sancho Pança, é de 1733. Quando se representou a sua última ópera, Precipício de Faetonte, em 1738, já estava preso nos cárceres da Inquisição [no Palácio dos Estaus, em Lisboa] e dali só saiu para ser executado, em um auto-de-fé, em outubro de 1739. Foi garroteado e queimado em praça pública”, disse.
Alguns escritores do romantismo, como Gonçalves de Magalhães, no Brasil, e Camilo Castelo Branco, em Portugal, transformaram o comediógrafo em personagem de ficção no século 19, salientando os aspectos trágicos da sua biografia.
“Isso estimulou muitos estudos e especulações sobre a sua trajetória biográfica, sobre a sua ascendência judaica e sobre as suas relações pessoais. Com isso, a sua obra teatral, propriamente dita, acabou ficando em segundo plano. É o verdadeiro valor dessa obra que temos que resgatar”, apontou.
Renata conta que está em desenvolvimento na Unesp, em Araraquara, uma pesquisa sobre a vida e a obra de António José da Silva cujos resultados estarão disponíveis em breve no site da FCLAr. Ali já constam duas óperas cômicas compostas pelo autor: Vida do Grande D. Quixote de la Mancha e do Gordo Sancho Pança e Esopaida ou Vida de Esopo, de 1734.
“Até abril de 2009 pretendemos disponibilizar mais seis óperas, oferecendo aos interessados no teatro desse autor o conjunto completo das oito óperas que ele compôs. Além disso, o site oferece diversas informações sobre a vida de António José da Silva, sobre a Inquisição em Portugal e no Brasil”, explicou.
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