As pesquisadoras Sabine Righetti, do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp, e Ana Paula Morales (Fundação Conrado Wessel), fundadoras da Agência Bori , apresentaram os primeiros resultados de um estudo que analisou artigos científicos publicados sobre tipping point (foto: Luciana Constantino/Agência FAPESP)

Mudanças climáticas
Tema de destaque na COP30, ‘ponto de não retorno’ da Amazônia ainda precisa de mais estudos
17 de novembro de 2025

Em painel realizado na Zona Azul da conferência, pesquisador brasileiro integrante do IPCC diz que discussão sobre o assunto precisa chegar à sociedade com comunicação mais acessível, sem perder rigor científico

Mudanças climáticas
Tema de destaque na COP30, ‘ponto de não retorno’ da Amazônia ainda precisa de mais estudos

Em painel realizado na Zona Azul da conferência, pesquisador brasileiro integrante do IPCC diz que discussão sobre o assunto precisa chegar à sociedade com comunicação mais acessível, sem perder rigor científico

17 de novembro de 2025

As pesquisadoras Sabine Righetti, do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp, e Ana Paula Morales (Fundação Conrado Wessel), fundadoras da Agência Bori , apresentaram os primeiros resultados de um estudo que analisou artigos científicos publicados sobre tipping point (foto: Luciana Constantino/Agência FAPESP)

 

COP30

Luciana Constantino, em Belém | Agência FAPESP – A ciência brasileira precisa entrar de maneira mais incisiva em pesquisas relacionadas ao tipping point da Amazônia não só para entender os diversos fatores envolvidos no processo como para ampliar as evidências disponíveis. A afirmação é do coordenador do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), David Lapola.

Lapola mediou o painel “Hipóteses extraordinárias exigem evidências extraordinárias: Perspectivas em pesquisa, educação e ações sobre o tipping point da Amazônia”, na Zona Azul da COP30, na quinta-feira (13/11).

A sessão teve o objetivo de discutir o conhecimento atual sobre a possibilidade de ultrapassar um ponto de não retorno na floresta, abordando ações institucionais e coletivas de adaptação e o papel do ensino superior na redução de incertezas e na implementação de soluções.

Vindo das ciências exatas, o termo designa um momento crucial a partir do qual um ecossistema não consegue mais se regenerar, entrando em um outro estado de retroalimentação. Ganhou destaque com o livro The tipping point: how little things can make a big difference, de Malcom Gladwell (2000), que olhou para a questão sob um ponto de vista das ciências sociais.

Faz parte da programação da Unicamp na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, realizada em Belém (PA), em parceria com a Fundação Conrado Wessel (FCW) e o AmazonFACE, um programa de pesquisa apoiado pela FAPESP que, por meio de experimento de campo, estuda como o aumento de CO2 atmosférico afeta a floresta amazônica, sua biodiversidade e os serviços ecossistêmicos.

“Precisamos conviver melhor com as incertezas. Atualmente não conseguimos afirmar categoricamente que passamos do ponto de não retorno da Amazônia. Mas isso não torna a questão menos séria e urgente. Precisamos ter mais pesquisas brasileiras e simplificar a forma de comunicá-las, sempre mantendo o rigor e a integridade científica. Também é importante abordar pontos que hoje não estão incluídos nesse tipo de estudo, como outros conhecimentos, como os de povos tradicionais, e a visão de ciências humanas. Hoje temos evidências, mas não são extraordinárias”, disse Lapola à Agência FAPESP, logo após o evento realizado no pavilhão Higher Education For Climate Action, do qual a Unicamp faz parte.

O pesquisador é um dos 664 cientistas de 111 países convocados para elaborar o novo relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas (IPCC), órgão internacional de avaliação da ciência relacionada ao tema, que pela primeira vez incluirá o tema do ponto de não retorno da floresta amazônica na análise. Lapola é o autor principal do capítulo 8 do Grupo de Trabalho I, responsável pelo tema “Mudanças abruptas, eventos de alto impacto e baixa probabilidade e limiares críticos, incluindo pontos de inflexão, no sistema terrestre”.

Informação científica

Durante o painel, as pesquisadoras Sabine Righetti, do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp, e Ana Paula Morales (Fundação Conrado Wessel), fundadoras da Agência Bori , apresentaram os primeiros resultados de um estudo que analisou artigos científicos publicados sobre tipping point. Usando um sistema de mapeamento, organização e análise de informação científica com ajuda da inteligência artificial, foram analisados 823 artigos da Web of Science.

Após uma varredura com base em seis questões, os estudos foram divididos em três grupos: sim (com 178 artigos), não (247) e talvez (86) para indicação de ponto de não retorno. Concluiu que da perspectiva científica é preciso mais pesquisa para entender melhor o fenômeno e sua complexidade. E sobre a comunicação, que é preciso evitar discurso binário “acabou/não acabou” e explicar a “faixa” de risco e incerteza.

“Enquanto alguns estudos cravam 25% de desmatamento como ponto de não retorno, outros falam em faixas de 18% a 28%”, exemplifica Morales.

A pesquisa foi desenvolvida no âmbito do Atlas Cultural de Soluções Científicas, uma iniciativa da Bori com a FCW, que usa IA para mapear, organizar e analisar informação científica para apoiar tomadores de decisão.

O piloto do projeto, para testar o sistema, foi desenhado em reuniões com a FAPESP, que neste ano lançou o portal A Ciência na COP30 para reunir pesquisas e projetos apoiados pelas duas fundações visando ampliar o conhecimento sobre o clima.

“A população em geral não sabe o que é tipping point. Essa é uma linguagem da ciência. Queremos passar esse conhecimento científico para a sociedade e, principalmente, tomadores de decisão e formuladores de política pública”, disse Righetti, que também é assessora da coordenadoria geral Mídia Ciência da FAPESP.

A professora Marina Hirota, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), destacou que o próprio termo tipping point tem variação ao ser usado, dependendo da especialidade do cientista.

“É importante, por exemplo, promover interação entre quem faz os modelos e quem está no campo. Como treinamos para que as pessoas queiram juntar modelo e ecologia? Mais do que nunca precisamos de mais gente conversando, inclusive fora da academia, porque senão daqui a pouco tudo pode começar a ser atribuído como ponto de não retorno”, afirma Hirota, que desenvolve estudo com representações algorítmicas da Amazônia para compreender por que certas porções da floresta são mais vulneráveis que outras, interligando diferentes disciplinas, como ecologia e antropologia.

Ao falar no painel sobre o conhecimento dos povos tradicionais, a indígena Kaiana Kamaiurá, do Xingu, disse que as comunidades indígenas não sabem o que é tipping point, “mas sentem na pele as mudanças climáticas”.

“Antes nosso povo contava o calendário para programar o plantio com a mudança das estrelas. Hoje, se usamos as estrelas perdemos o plantio por seca ou por chuva. Temos tentado adaptar, plantando em diferentes períodos para não perder a plantação. Pode parecer irrelevante em espaços de discussão maiores, mas essa é nossa forma de vida. As mudanças climáticas já estão em nossos territórios com os rios secando, os peixes desaparecendo e indo para outros lugares. Temos procurado nos adaptar para conseguir sobreviver.”

Já a pesquisadora Taís Gonzales destacou, entre outros pontos, a questão do racismo ambiental e como as mudanças climáticas têm impactos diversos para diferentes populações.
 

  Republicar
 

Republicar

A Agência FAPESP licencia notícias via Creative Commons (CC-BY-NC-ND) para que possam ser republicadas gratuitamente e de forma simples por outros veículos digitais ou impressos. A Agência FAPESP deve ser creditada como a fonte do conteúdo que está sendo republicado e o nome do repórter (quando houver) deve ser atribuído. O uso do botão HMTL abaixo permite o atendimento a essas normas, detalhadas na Política de Republicação Digital FAPESP.