Grupo internacional usa microtomografia computadorizada para estudar os três únicos exemplares conhecidos de Tembeassu marauna, coletados no rio Paraná nos anos 1960 e abrigados no Museu de Zoologia da USP; resultados tornam mais precisa a classificação da espécie (imagem: Aléssio Datovo / PLOS ONE)
Grupo internacional usa microtomografia computadorizada para estudar os três únicos exemplares conhecidos de Tembeassu marauna, coletados no rio Paraná nos anos 1960 e abrigados no Museu de Zoologia da USP; resultados tornam mais precisa a classificação da espécie
Grupo internacional usa microtomografia computadorizada para estudar os três únicos exemplares conhecidos de Tembeassu marauna, coletados no rio Paraná nos anos 1960 e abrigados no Museu de Zoologia da USP; resultados tornam mais precisa a classificação da espécie
Grupo internacional usa microtomografia computadorizada para estudar os três únicos exemplares conhecidos de Tembeassu marauna, coletados no rio Paraná nos anos 1960 e abrigados no Museu de Zoologia da USP; resultados tornam mais precisa a classificação da espécie (imagem: Aléssio Datovo / PLOS ONE)
André Julião | Agência FAPESP – Em artigo publicado na revista PLOS ONE, um grupo de pesquisadores apoiado pela FAPESP atualizou a descrição de uma espécie de peixe-elétrico encontrada uma única vez na natureza: a Tembeassu marauna.
O estudo se baseou na análise da anatomia externa e, sobretudo, em detalhes internos do animal, que só puderam ser visualizados graças a uma técnica de tomografia computadorizada que permite enxergar com precisão características dos ossos do peixe sem dissecá-lo.
“Os três espécimes de T. marauna conhecidos estão preservados no Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo [MZ-USP] e, por serem os únicos, não podem ser dissecados ou banhados em iodo, procedimento que permitiria a visualização dos órgãos internos e de outros tecidos moles na tomografia. Essas questões dificultam o estudo dessa espécie”, contou à Agência FAPESP Luiz Antonio Wanderley Peixoto, primeiro autor do artigo.
O trabalho foi conduzido durante o pós-doutorado de Peixoto no MZ-USP, com apoio da FAPESP e supervisão do professor Aléssio Datovo da Silva, coautor do artigo.
De acordo com os cientistas, por meio da microtomografia computadorizada (microCT scan) foi possível comparar detalhes internos do animal – que tem em torno de 17 centímetros – com os de peixes semelhantes e, assim, estabelecer uma melhor classificação para a espécie. A anterior era baseada apenas em observações da anatomia externa e radiografias.
A pesquisa contou com a colaboração de grupos da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) e do National Museum of Natural History (NMNH) da Smithsonian Institution, nos Estados Unidos. Foi conduzida no âmbito do Projeto Temático “Diversidade e evolução de Gymnotiformes (Teleostei, Ostariophysi)”, coordenado por Naércio Aquino Menezes, professor do MZ-USP.
O objetivo do grupo é avançar no conhecimento sobre os peixes-elétricos, ordem atualmente composta por mais de 250 espécies cuja característica em comum é a capacidade de emitir e captar impulsos elétricos de baixa voltagem para guiar a navegação e encontrar parceiros sexuais ou presas. Recentemente, foram descritas duas novas espécies de poraquê, único dos peixes-elétricos capaz de emitir impulsos elétricos potentes, capazes de atormentar uma presa, sendo que uma das novas espécies emite a maior voltagem já registrada em um ser vivo (leia mais em: agencia.fapesp.br/31422).
Encontro único
Os três espécimes conhecidos do T. marauna foram coletados no rio Paraná em 1965, durante a construção da barragem da Usina Hidrelétrica de Ilha Solteira, na divisa entre os estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul. Por viverem aparentemente na calha, a parte mais profunda do rio, os peixes só foram capturados porque estavam em uma área que se tornou seca após a construção de uma barragem provisória (denominada ensecadeira) para fechar uma parte do rio em que seria executada parte da obra.
Os animais foram depositados no acervo do Museu de Zoologia, mas apenas em 1998 a espécie foi formalmente descrita, com base em sua anatomia externa, por Mauro Triques, que realizou doutorado no MZ-USP com bolsa da FAPESP e, atualmente, é professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Na época, Triques notou a existência de lobos hipertrofiados (protuberâncias carnosas) nos lábios inferiores, inexistentes ou menos desenvolvidos em outras espécies relacionadas. Essas características permitiram diferenciar o T. marauna de outros peixes da mesma ordem.
Em 2005, Ricardo Campos-da-Paz, atualmente professor e pesquisador da Unirio, descreveu nos três espécimes a ocorrência de um conjunto de aproximadamente 15 dentes presos unicamente ao lábio superior, sem ligação com o chamado osso pré-maxilar, como ocorre em outros peixes.
“A presença desses dentes pode estar ligada a uma dieta específica, talvez alguma presa que possa ser capturada por eles. Não temos como saber porque não se conhece o conteúdo estomacal desses espécimes. Outra hipótese é que existam por um comportamento específico, como para competir por recursos com adversários. Já os lobos hipertrofiados presentes no lábio inferior podem ser para receber sinais elétricos e realizar a comunicação com potenciais parceiros sexuais. Mas sem poder fazer uma análise interna dessas estruturas não podemos afirmar com certeza”, disse Peixoto.
Ao longo dos anos, expedições foram realizadas na região da barragem para tentar, sem sucesso, coletar mais exemplares da espécie e solucionar essas e outras questões. Por conta da ocorrência única no rio Paraná e da ausência de novas coletas, a espécie foi classificada como criticamente ameaçada e possivelmente extinta na “Lista Nacional Oficial de Espécies da Fauna Ameaçadas de Extinção - Peixes e Invertebrados Aquáticos”, na qual é atribuído o nome vulgar “ituí-maraúna”, que não aparece em nenhum outro registro.
Testes genéticos tampouco são possíveis, pois os animais disponíveis foram inicialmente conservados em formol, procedimento que destrói o DNA e impossibilita a sua extração com as técnicas mais usadas hoje. O grupo, no entanto, trabalha atualmente com as chamadas técnicas de extração de DNA antigo, mais caras e nem sempre efetivas, mas que em alguns casos podem recuperar parte do código genético.
Por conta dessas dificuldades, a microtomografia computadorizada de raios X se mostrou a ferramenta mais apropriada para estudar os animais. Por meio da análise das imagens do esqueleto feitas pelo aparelho, que emite uma frequência de radiação capaz de gerar imagens em altíssima resolução, os pesquisadores puderam posicionar o T. marauna com mais precisão dentro da família Apteronotidae, que por sua vez faz parte da ordem dos peixes-elétricos (Gymnotiformes).
Os resultados da análise filogenética confirmaram a espécie como a única do gênero Tembeassu. Além disso, mostraram que esse animal pode ser mais próximo evolutivamente dos gêneros Megadontognathus e Apteronotus. Espécies desse último, como A. albifrons e A. jurubidae, são conhecidas popularmente por praticantes de aquarismo como “ituí-cavalo”.
“Este estudo exemplifica como uma tecnologia de ponta pode ajudar a analisar material biológico depositado em coleções zoológicas. A técnica permite que os pesquisadores examinem de um modo não invasivo exemplares raros, que de outra forma não poderiam ter a sua anatomia interna estudada em detalhes. Além disso, as imagens em alta resolução ou vídeos 3D gerados podem servir como material didático e para comunicação científica”, disse Carlos David de Santana, pesquisador associado do NMNH e um dos autores do estudo.
O artigo Anatomical, taxonomic, and phylogenetic reappraisal of a poorly known ghost knifefish, Tembeassu marauna (Ostariophysi: Gymnotiformes), using X-ray microcomputed tomography (doi: 10.1371/journal.pone.0225342), de Luiz A. W. Peixoto, Aléssio Datovo, Ricardo Campos-da-Paz, Carlos D. de Santana e Naércio A. Menezes, pode ser lido em: https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0225342.
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