No procedimento, o aparelho de ultrassom (à esq.) localiza a região a ser bloqueada (à dir.) e, a seguir, o anestésico local é injetado com uma agulha, bloqueando a área e impedindo a sinalização da dor (imagens: Márcio Matsumoto)
Estudo feito no Hospital Sírio-Libanês comprovou a eficácia de associar o bloqueio de nervos da região mamária à anestesia geral durante a mastectomia. Estratégia, já disponível no SUS, reduziu a ocorrência de dores no local da cirurgia e em outras partes do corpo em mulheres acompanhadas durante um ano
Estudo feito no Hospital Sírio-Libanês comprovou a eficácia de associar o bloqueio de nervos da região mamária à anestesia geral durante a mastectomia. Estratégia, já disponível no SUS, reduziu a ocorrência de dores no local da cirurgia e em outras partes do corpo em mulheres acompanhadas durante um ano
No procedimento, o aparelho de ultrassom (à esq.) localiza a região a ser bloqueada (à dir.) e, a seguir, o anestésico local é injetado com uma agulha, bloqueando a área e impedindo a sinalização da dor (imagens: Márcio Matsumoto)
André Julião | Agência FAPESP – Após passar pelo diagnóstico de câncer, a mastectomia, radioterapia, quimioterapia e hormonioterapia, a mulher que teve tumor na mama pode conviver com dores crônicas, aquelas que persistem por mais de três meses, decorrentes da cirurgia. E esse quadro, que afeta entre 30% e 70% das pacientes, não raramente leva a sintomas de depressão.
Um grupo de pesquisadores do Hospital Sírio-Libanês conseguiu reduzir esses desdobramentos negativos graças a uma estratégia: associar, durante a cirurgia, a anestesia geral ao bloqueio dos nervos da região da mama. Os medicamentos bloqueiam a condução do estímulo doloroso pelos nervos, proporcionando um efeito duradouro, como mostra estudo publicado na revista Scientific Reports.
Com o procedimento, foram reduzidas tanto a incidência de dor crônica no local da cirurgia como dores em outras partes do corpo, além de sintomas depressivos, mesmo um ano após a cirurgia. Além do uso do bloqueio ter se tornado a prática padrão no Hospital Sírio-Libanês, onde o estudo foi conduzido, o procedimento já está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS).
“Para isso, é preciso apenas que o hospital tenha um aparelho de ultrassom, usado para localizar o plano onde os nervos intercostais passam, para administração dos anestésicos locais, e um anestesiologista capacitado para isso”, conta Raquel Martinez, pesquisadora do Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Sírio-Libanês e da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP), que coordenou o estudo, parte de um projeto apoiado pela FAPESP.
O trabalho também recebeu recursos por meio do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi-SUS), que realiza estudos com recursos dos seis hospitais participantes do programa que, de outra forma, seriam desembolsados em pagamentos de impostos.
Menos dor e depressão
A pesquisa é a continuação de um trabalho publicado pelo grupo em 2018. Na ocasião, 49 mulheres com câncer de mama foram submetidas à mastectomia total. Vinte e quatro receberam apenas anestesia geral.
Nas outras 25, foi adicionado à anestesia geral o bloqueio dos nervos intercostais utilizando-se anestésico local, aplicado depois de localizar as regiões específicas por meio de ultrassom.
Um dos pontos da aplicação foi entre os músculos peitorais. Outro foi abaixo do chamado músculo serrátil. Vinte e quatro horas após a cirurgia do grupo que recebeu o anestésico local, houve redução dos indicadores de dor. Um ano depois, ocorreu uma diminuição dos indicadores de dor crônica nessas pacientes, como revela o estudo divulgado agora.
Nessa etapa, 44 pacientes (22 de cada grupo) foram entrevistadas e tiveram os níveis de citocinas inflamatórias no sangue analisados, a fim de verificar se um maior nível de inflamação poderia estar causando mais dor.
Não houve diferenças estatisticamente significativas na correlação entre os marcadores inflamatórios e os níveis de dor e depressão. A ocorrência de dor crônica, portanto, não está relacionada com mais ou menos inflamação.
O grupo que recebeu apenas anestesia geral relatou alterações na sensibilidade da mama, como formigamento (parestesia) no local e falta de sensibilidade na região (hipostesia).
“Quando se realiza o bloqueio do nervo periférico com o anestésico local administrado entre os músculos peitorais e abaixo do músculo serrátil, a condução do impulso nervoso fica bloqueada por horas, deixando de disparar a sinalização da dor durante a cirurgia. Isso acaba tendo um efeito duradouro”, explica Martinez.
As dores em outras partes do corpo, um desdobramento comum da dor crônica avaliado no estudo, foram significativamente menores nas pacientes que receberam o bloqueio associado à anestesia geral. Consequentemente, quem só recebeu a anestesia geral precisou de mais analgésicos após a cirurgia.
Um ano depois do procedimento, os sintomas de depressão eram muito menores nas pacientes que receberam o bloqueio associado à anestesia geral, ocorrendo em menos de 20% das pacientes. Em contrapartida, mais de 50% das mulheres do grupo que recebeu apenas a anestesia geral apresentaram sintomas depressivos.
“A dor gera o que chamamos de comportamento doloroso, criando ansiedade e sintomas depressivos. A paciente com menos dor tem mais qualidade de vida e, consequentemente, menos depressão”, conclui Martinez.
No Hospital Sírio-Libanês, o protocolo de bloqueio se estendeu para outros setores. No pronto-socorro, por exemplo, pacientes que chegam com fraturas do fêmur recebem um bloqueio de nervos periféricos antes mesmo da cirurgia, a fim de aliviar a dor e evitar prejuízos futuros.
O estudo One year follow-up on a randomized study investigating serratus anterior muscle and pectoral nerves type I block to reduced neuropathic pain descriptors after mastectomy está disponível em: www.nature.com/articles/s41598-023-31589-6.
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