Causada pelo parasita Trypanosoma cruzi, a cardiomiopatia chagásica crônica danifica o tecido cardíaco progressivamente (imagem: Aakash Dhage/Unsplash)
Estudo avaliou 77 pessoas durante três anos e mostrou que a análise da deformação do miocárdio durante sua contração permite predizer risco de óbito
Estudo avaliou 77 pessoas durante três anos e mostrou que a análise da deformação do miocárdio durante sua contração permite predizer risco de óbito
                                Causada pelo parasita Trypanosoma cruzi, a cardiomiopatia chagásica crônica danifica o tecido cardíaco progressivamente (imagem: Aakash Dhage/Unsplash)
Maria Fernanda Ziegler | Agência FAPESP – Um exame de imagem simples, capaz de avaliar a deformação miocárdica durante sua contração, surge como uma ferramenta promissora para a previsão de risco de complicações cardíacas em pacientes com doença crônica de Chagas. O estudo, conduzido por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto, em parceria com pesquisadores da Duke University e Yale (ambas nos Estados Unidos), destaca o índice global longitudinal strain (GLS) – já utilizado em outras doenças e condições – como um marcador sensível e independente para prever desfechos na cardiomiopatia chagásica crônica. Os resultados foram publicados na revista PLOS Neglected Tropical Diseases.
A cardiomiopatia chagásica crônica é uma das principais consequências da doença de Chagas em sua fase crônica. Causada pelo parasita Trypanosoma cruzi, a condição danifica o tecido cardíaco progressivamente, levando à inflamação, formação de cicatrizes (fibrose) e à insuficiência cardíaca. Mesmo após a fase aguda, a infecção pode evoluir de modo silencioso por décadas, até provocar complicações graves como arritmia, embolia e morte súbita.
A técnica de Strain é um método avançado de ecocardiografia que permite mensurar o GLS ao rastrear pontos de brilho na imagem cardíaca (speckle tracking). Com esse o índice é possível identificar se o miocárdio está deformando adequadamente durante sua sístole (contração), um sinal crucial para detectar danos no tecido cardíaco antes mesmo que eles se tornem evidentes na forma de fibrose.
“Quando o miocárdio não está deformando bem, isso sugere que haja fibrose no tecido. Portanto, embora o GLS não visualize diretamente a fibrose no tecido cardíaco, ele prediz sua presença entre as células musculares do coração [miócitos], o que sinaliza risco elevado de complicações futuras”, explica Minna Moreira Dias Romano, professora da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP.
No estudo, apoiado pela FAPESP, foram analisados exames de ecocardiografia de 77 pacientes com cardiopatia chagásica crônica, acompanhados por cerca de três anos. No trabalho, os pacientes foram divididos em três grupos conforme os valores de GLS, e os desfechos avaliados incluíram morte, internações, taquicardia ventricular sustentada, novos casos de insuficiência cardíaca e eventos cardioembólicos.
Os resultados mostraram que pacientes com GLS maior ou igual a -13,8% (mais comprometido) apresentaram pior prognóstico, com maior incidência de óbito e complicações. De acordo com os pesquisadores, mesmo após ajustes por idade, sexo e fração de ejeção do ventrículo esquerdo (porcentagem de sangue bombeada pelo ventrículo esquerdo a cada batimento), o GLS se manteve como um preditor independente de risco, com significância estatística.
“Essa técnica já é utilizada em diversas outras cardiopatias, tais como em pacientes oncológicos para monitorar agressões ao coração causadas por quimioterapia, como em casos de câncer de mama. Agora, o estudo sugere que o mesmo método pode ser aplicado para rastrear a evolução da doença de Chagas, especialmente em locais onde o diagnóstico é pouco realizado, como em regiões geográficas de pouca prevalência da doença”, explica a pesquisadora à Agência FAPESP.
Romano destaca que estudos anteriores já validaram outros índices para a detecção precoce das complicações cardíacas decorrentes da doença de Chagas, mas ainda não tinham provado o papel do GLS como prognosticador independente.
Uma das formas de prever o risco da cardiopatia crônica por Chagas já validado é o escore Rassi. Desenvolvido por um pesquisador brasileiro, o escore avalia seis variáveis para predizer o prognóstico de um paciente com doença de Chagas a longo prazo. “Ele já foi validado, mas ainda deixa uma margem de risco entre os casos intermediários, quer dizer, aqueles que não se classificam como de alto ou baixo risco”, diz a pesquisadora.
Para a detecção de fibrose miocárdica o método mais preciso é a ressonância cardíaca magnética com contraste (gadolínio). No entanto, trata-se de um exame caro, pouco disponível e que pode causar desconforto em pacientes com claustrofobia.
Já a ecocardiografia utilizando GLS é mais barata, pode ser repetida quantas vezes for necessário e aplicada em larga escala. “É um marcador de risco que pode trazer ampla aplicabilidade, especialmente em locais onde o diagnóstico da cardiopatia de Chagas ainda é raro”, reforça Romano.
Apesar da boa notícia, ainda existem desafios para a implementação do GLS em larga escala. Embora acessível, a técnica exige conhecimento técnico e interpretação especializada. “A técnica é mais complexa do que exames laboratoriais convencionais, como dosagens bioquímicas. Ainda assim, representa um avanço relevante na estratificação de risco e no acompanhamento da evolução da cardiopatia chagásica crônica, oferecendo aos profissionais de saúde uma ferramenta poderosa para decisões clínicas mais precisas”, conclui Romano.
O artigo Global longitudinal strain as a predictor of outcomes in chronic Chagas’ cardiomyopathy pode ser lido em: journals.plos.org/plosntds/article?id=10.1371/journal.pntd.0012941.
 
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