Pesquisadores da USP e UFRJ apontam causa para sonolência diurna excessiva de D. Pedro II. Imperador teria tido síndrome de apnéia do sono e não propriamente o desinteresse atribuído por seus opositores (reprodução)

Sonolência real
09 de fevereiro de 2009

Pesquisadores da USP e UFRJ apontam causa para sonolência diurna excessiva de D. Pedro II. Imperador teria tido síndrome de apneia do sono e não propriamente o desinteresse atribuído por seus opositores

Sonolência real

Pesquisadores da USP e UFRJ apontam causa para sonolência diurna excessiva de D. Pedro II. Imperador teria tido síndrome de apneia do sono e não propriamente o desinteresse atribuído por seus opositores

09 de fevereiro de 2009

Pesquisadores da USP e UFRJ apontam causa para sonolência diurna excessiva de D. Pedro II. Imperador teria tido síndrome de apnéia do sono e não propriamente o desinteresse atribuído por seus opositores (reprodução)

 

Por Thiago Romero

Agência FAPESP – A síndrome de apneia do sono tipo obstrutivo (Saso) seria a causa mais provável da sonolência diurna excessiva do imperador Dom Pedro II (1825-1891). A conclusão é de um estudo feito por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),  publicado nos Arquivos de Neuro-Psiquiatria.

“A principal contribuição da pesquisa é mostrar que D. Pedro II realmente tinha sonolência durante o dia e esta provavelmente era causada por Saso”, disse um dos autores do trabalho, Rubens Reimão, professor da Divisão de Clínica Neurológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, à Agência FAPESP.

“Havia, portanto, uma causa orgânica para a sonolência excessiva do imperador. Esse achado contraria a versão mais usada na época pelos opositores de D. Pedro II que diziam, e publicavam em inúmeras charges, que ele dormia demais por não se importar com o Brasil”, complementa o também coordenador do Grupo de Pesquisa Avançada em Medicina do Sono do Hospital das Clínicas da FMUSP.

Reimão, Marleide da Mota Gomes e Péricles Maranhão-Filho, esses dois últimos do Instituto de Neurologia Deolindo Couto da UFRJ e do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da UFRJ, respectivamente, chegaram a tais conclusões após realizarem um amplo levantamento bibliográfico em textos, fotos e outros documentos históricos, incluindo diários, cartas e reportagens de jornais e revistas da época.

A síndrome de apneia do sono tipo obstrutivo, uma das doenças mais importantes dentre os distúrbios do sono, ocorre por um fechamento mecânico da faringe que leva a inúmeras paradas respiratórias (apneias) durante o período de dormência. Como consequência dessas paradas respiratórias, que duram de 20 a 50 segundos, o sono passa a não ser restaurador e fica interrompido, fazendo com que o indivíduo apresente sonolência no dia seguinte.

“A Saso ocorre por um fechamento lento e progressivo da faringe durante o sono devido a vários fatores, mas principalmente pela obesidade, pois existe deposição de gordura nas paredes internas da faringe. Essa doença piora com o avançar da idade, quando os músculos da faringe se tornam mais flácidos durante o sono”, explicou.

De acordo com ele, D. Pedro II era bastante obeso e naquela época não havia muita preocupação em controlar a obesidade. “Em diversos diários existem relatos de familiares do imperador apontando que ele se alimentava demais. Além das fotos em publicações da época, também sabemos que durante suas viagens à Europa os jornais noticiavam a grande obesidade dele.”

A pesquisa aponta ainda que o imperador dormia durante o dia em inúmeras situações, como no teatro e em palestras, o que teria ocorrido com grande frequência e durante muitos anos. “Verificamos que essa sonolência não era apenas algo que os opositores teriam inventado para zombaria, mas a sonolência diurna excessiva está escrita nos diários de seus amigos, familiares e até no da condessa De Barral, sua companheira”, disse Reimão.

O trabalho foi conduzido com base nas características clínicas do distúrbio do sono do imperador. “Ele tinha as principais delas que hoje consideramos típicas de Saso, entre as quais a sonolência crônica durante o dia, que começa na meia-idade e ocorre com mais frequência em pessoas do sexo masculino e em obesos”, apontou.

Antiga Saso

A Saso, explica Reimão, foi descrita na segunda metade do século 20 com o início do uso da polissonografia para a avaliação de pacientes com distúrbios do sono. “A Saso provavelmente sempre existiu, mas só na década de 1960 foi verificado o grande número de pacientes com a doença”, disse.

“Sua prevalência tanto no Brasil como no exterior é de 3% da população de indivíduos adultos do sexo masculino. Ela é de oito a dez vezes mais comum nos homens do que nas mulheres, além de hoje ser considerada a principal causa de sonolência durante o dia, sendo também responsável por grande número de acidentes automotivos”, apontou.

Segundo o pesquisador, o tratamento da doença ocorre com o uso de um aparelho que injeta ar comprimido durante a noite em uma máscara nasal, chamado CPAP (Continuous Positive Airways Passage, na sigla em inglês), que injeta ar sob pressão abrindo as vias aéreas durante o sono.

Na época, conta Reimão, diversos médicos brasileiros chegaram a sugerir que a sonolência de D. Pedro II poderia ser causada por diabetes, doença que ele também tinha. “Mas hoje sabemos que o diabetes não leva ao quadro de sonolência diurna apresentado pelo imperador”, afirmou.

“Naquela época não se conheciam as doenças que levam à sonolência diurna excessiva, uma vez que o conhecimento desse tipo de distúrbio ocorreu na segunda metade do século 20 com o avanço da tecnologia. Mas seus opositores se aproveitaram da sonolência, que hoje consideramos uma doença, para criticá-lo de forma mordaz”, disse Reimão. “As pessoas que dormiam muito durante o trabalho, principalmente no que diz respeito às atividades obrigatórias de um monarca, eram consideradas como ‘desligadas das atividades’.”

Para ler o artigo Sonolência diurna excessiva de Dom Pedro II do Brasil devida provavelmente à síndrome de apneia do sono, disponível na biblioteca on-line SciELO (Bireme/FAPESP), clique aqui.
 

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