Competição se refletiu nos imaginários urbanos de São Paulo e Rio de Janeiro na época, avaliaram participantes de mesa-redonda realizada durante o ciclo de eventos on-line sobre os 100 anos da Semana de Arte Moderna, promovido pela FAPESP (imagem: reprodução)

Semana de 22 e Centenário da Independência travaram disputa pelo moderno e seus ideários
22 de fevereiro de 2022

Competição se refletiu nos imaginários urbanos de São Paulo e Rio de Janeiro na época, avaliaram participantes de mesa-redonda realizada durante o ciclo de eventos on-line sobre os 100 anos da Semana de Arte Moderna, promovido pela FAPESP

Semana de 22 e Centenário da Independência travaram disputa pelo moderno e seus ideários

Competição se refletiu nos imaginários urbanos de São Paulo e Rio de Janeiro na época, avaliaram participantes de mesa-redonda realizada durante o ciclo de eventos on-line sobre os 100 anos da Semana de Arte Moderna, promovido pela FAPESP

22 de fevereiro de 2022

Competição se refletiu nos imaginários urbanos de São Paulo e Rio de Janeiro na época, avaliaram participantes de mesa-redonda realizada durante o ciclo de eventos on-line sobre os 100 anos da Semana de Arte Moderna, promovido pela FAPESP (imagem: reprodução)

 

Elton Alisson | Agência FAPESP – A despeito de terem sido eventos incomparáveis, com propósitos muito diferentes, a Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo, e a celebração do Centenário da Independência do Brasil, no mesmo ano, no Rio de Janeiro, tiveram como ponto em comum a disputa pelo moderno e seus ideários que se refletiu nos imaginários urbanos.

A avaliação foi feita por Beatriz Jaguaribe, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), durante a mesa-redonda sobre “Imagens, migrações e memórias”, realizada no dia 17 de fevereiro durante o ciclo de eventos on-line "100 Anos da Semana de Arte Moderna: Pesquisa, Arte e Literatura", promovido pela FAPESP.

“Quando se pensa sobre a Semana de Arte Moderna de 1922, sempre se fala em renovação e experimentação estética, em uma quebra de cânones e no antiacademicismo. Mas ela também deu origem a uma ideia de modernização do cotidiano e da metrópole como um lugar vertiginoso, de hiperestímulo, que se refletiu nas revistas ilustradas daquela época e em filmes, como São Paulo, a sinfonia da metrópole”, disse Jaguaribe.

Dirigido por Adalberto Kemeny (1901-1969) e Rodolfo Lustig (1901-1970), o filme, lançado em 1929, apresenta São Paulo como uma cidade modernizada, exemplificou a pesquisadora.

“É um filme com uma mensagem de modernidade conservadora, mas ao mesmo tempo com um certo espírito de estética geracional”, avalia Jaguaribe.

Como não poderia faltar no imaginário urbano sobre a modernidade, São Paulo e Rio de Janeiro travaram naquele período uma disputa pela verticalização da paisagem, com a corrida para ver quem construía o prédio mais alto.

A disputa foi marcada pela inauguração em 1929 do edifício A noite, na praça Mauá, no centro do Rio de Janeiro, e do edifício Martinelli, lançado em 1930 no centro histórico de São Paulo, e que superou o rival por ter 30 andares a mais.

“[Por trás desses dois empreendimentos] há a ideia icônica da verticalização como símbolo da modernidade”, afirmou Jaguaribe.

Esse afã pela disputa do moderno se refletiu nas capas de revistas ilustradas de grande circulação na época, como O Cruzeiro, apontou a pesquisadora.

A publicação, lançada em 1928, se autoproclamava como a revista da modernidade, que nasceu com os arranha-céus e que entendia a civilização técnica. A diagramação das edições da revista, contudo, não apresentou nenhuma inovação estética, mas estava em sintonia com a ideia de vida vertiginosa na cidade que se propagava, avaliou Jaguaribe.

“Dentro da renovação e ruptura academicista e modernista também havia uma ideia de uma certa visão de progresso em algumas vanguardas que alimentou a construção de arranha-céus e a cultura de consumo”, explicou a pesquisadora.

Segundo ela, foi nesse período que surgiu um personagem muito interessante nesse novo cenário que não era vanguardista, de forma alguma, mas que encarnou um certo ideal de modernidade sedutora, publicitária, consumista e glamorosa: a modern girl, que teve várias versões e, no caso brasileiro, surgiu na figura da melindrosa.

“A imagem da melindrosa representou uma ruptura total com o modelo feminino do século passado, sem o espartilho e com traços andróginos. A ideia de androginia, inclusive, foi introduzida nos anos 1920 e representou uma quebra na diferenciação tão aguda entre homens e mulheres no século 19, tão bem descrita por Gilberto Freyre [1900-1987] em Sobrados e mucambos [publicado em 1936]”, disse Jaguaribe.

Desaparecimento das pegadas históricas

O afã da modernização, marcado pela verticalização e por um ciclo contínuo de construção e desconstrução, se traduziu tanto no caso de São Paulo como no do Rio de Janeiro no quase completo desaparecimento de monumentos construídos no último século, sublinhou a pesquisadora.

“É claro que existem pegadas históricas em São Paulo, mas ela é uma cidade muito antropofágica na sua modernização permanente, no autodevoramento de seu processo histórico”, avaliou.

A cidade do Rio de Janeiro seguiu a mesma trilha de São Paulo, em um processo em que aquilo que era moderno se transformou em cânone e aquilo que era o futuro deu lugar a ruínas, classificou Jaguaribe.

“Não sobrou quase nada daqueles palacetes construídos por imigrantes na avenida Paulista nos anos 1920, imitando estilos arquitetônicos diversos de seus países de origem, com arquitetura eclética e pré-modernista”, disse.

“É uma visão de modernidade que começou com o deslumbramento pelo edifício Martinelli e chegou hoje com torres para todos os lados, em que já nem sequer é possível distinguir um skyline da cidade”, avaliou a pesquisadora.

No Rio de Janeiro, dois edifícios que simbolizam essa disputa pelo moderno em seus estilos arquitetônicos – o prédio do Ministério da Fazenda e o Palácio Gustavo Capanema, o primeiro edifício modernista inaugurado no mundo – estão em situação precária, apontou a pesquisadora.

“[Essa situação] de um certo estado de ruína, de demolição, representa uma contradição entre o que é feito para perdurar e o que é feito para inovar, e ilustra a dificuldade do envelhecimento daquilo que foi planejado para ser um futuro inaugural”, avaliou.

A cidade como uma casa

De acordo com Tadeu Chiarelli, professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), alguns poetas modernistas, como Guilherme de Almeida (1890-1969), entendiam a São Paulo do período pós-Semana de 22 como uma residência que deveria estar sempre muito arrumadinha e onde bibelôs de gosto discutível, como a fonte monumental da avenida São João, deveriam ser escondidos das vistas, e aqueles mais bonitos e significativos, como o Monumento ao Ipiranga, exibidos a todos.

“Em 1928, quando publicou crônicas sobre esse assunto, pelo menos para o poeta, São Paulo era percebida como uma casa imensa, uma grande alegoria da civilização ocidental abaixo do Equador. Uma casa que, apesar de incompleta, parecia aspirar a um dia chegar ao momento de plenitude em que estaria finalizada”, disse Chiarelli.

Essa visão, contudo, não encontra mais sustentação nos dias atuais, ponderou o pesquisador.

“Hoje São Paulo parece ter perdido qualquer condição de manter-se como alegoria de uma casa para quem quer que seja, de um lugar e um sentido unificado, pois, quase cem anos depois, toda sua expansão revelou-se uma produção de fragmentos, corpo estraçalhado, sem totalidade possível. Um não monumento”, avaliou.

Moderada por Esther Hamburger, professora da ECA-USP, a conferência pode ser assistida na íntegra em: www.youtube.com/watch?v=3XHpf70QTWY&t=3243s.

Os demais eventos do ciclo “100 Anos da Semana de Arte Moderna: Pesquisa, Arte e Literatura” podem ser conferidos em: fapesp.br/eventos/semanartemoderna.
 

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