Após sete anos de trabalho, João Batista Calixto, da UFSC, e o médico Dagoberto Brandão (foto) podem finalmente contar a história do primeiro antiinflamatório fitoterápico brasileiro (foto: E. Geraque

Segredo fitoterápico
31 de agosto de 2005

Após sete anos de trabalho e nenhum artigo publicado por causa do sigilo, João Batista Calixto (foto), da UFSC, e o médico Dagoberto Brandão podem finalmente contar a história – e os bastidores – do primeiro antiinflamatório fitoterápico desenvolvido no Brasil

Segredo fitoterápico

Após sete anos de trabalho e nenhum artigo publicado por causa do sigilo, João Batista Calixto (foto), da UFSC, e o médico Dagoberto Brandão podem finalmente contar a história – e os bastidores – do primeiro antiinflamatório fitoterápico desenvolvido no Brasil

31 de agosto de 2005

Após sete anos de trabalho, João Batista Calixto, da UFSC, e o médico Dagoberto Brandão (foto) podem finalmente contar a história do primeiro antiinflamatório fitoterápico brasileiro (foto: E. Geraque

 

Por Eduardo Geraque

Agência FAPESP - Uma partida de tênis há muitos anos, no Guarujá, litoral paulista. Pessoas sonhadoras, capacitadas e com mentes inovadoras. A presença de uma alta biodiversidade. Esses três pilares fazem parte da história do primeiro antiinflamatório fitoterápico desenvolvido no Brasil. Há dois meses no mercado, o Acheflan, comercializado pelo Laboratório Aché, já está empatado em vendas com o Cataflan, medicamento considerado referência para o segmento.

"O desenvolvimento dos protocolos e de todas as etapas dos experimentos foram feitos totalmente no Brasil. Nenhuma parte da pesquisa foi realizada fora", disse João Batista Calixto, da Universidade Federal de Santa Catarina, à Agência FAPESP. O pesquisador, um dos principais do Brasil no campo da farmacologia, teve que levar uma vida praticamente dupla nos últimos sete anos, período em que esteve ligado ao projeto, quase que totalmente desenvolvido com recursos privados.

"Foram sete anos sem nenhum paper publicado. Nenhum relatório para os órgãos de fomento. O nosso laboratório trabalhou em dobro nesse período. Era o equivalente a ter um único time, mas ter que jogar, e bem, dois campeonatos ao mesmo tempo", explica Calixto. Segundo conta, o que existiu entre o laboratório privado e o grupo de pesquisa foi um contrato de prestação de serviço. "Todos que participaram receberam pelos seus serviços. Não existe direito sobre royalties ou algo parecido."

O antiinflamatório é feito com base em uma planta da Mata Atlântica, ou do que ainda resta desse bioma brasileiro. A eficiência das substâncias presentes na erva-baleeira ou maria milagrosa (Cordia verbenacea) foi presenciada pelo próprio dono do Laboratório Aché, o empresário Victor Siaulys.

"Ele estava jogando tênis no Guarujá quando sentiu uma contusão. Apareceram com uma solução caseira que foi aplicada sobre o ombro. A melhora veio de forma bem rápida", explica o médico Dagoberto Brandão, dono da consultoria Pharma Consulting.

Siaulys, Calixto e Brandão são as três pessoas que participaram do processo de desenvolvimento do antiinflamatório fitoterápico nacional desde o início. Quando o Aché decidiu investir em fitoterápico, o dono do laboratório lembrou do jogo de tênis no passado e resolveu recuperar a história. Que acabou dando muito mais certo do que o esperado.

Agora que os resultados obtidos coincidiram em cheio com os objetivos, a satisfação é bastante grande para quem apostou no projeto, como foi o caso de Calixto. "No caso da Aché, esse deve ser apenas o primeiro produto. Nos próximos anos, é possível que apareçam outros quatro ou cinco."

O farmacólogo admite que pretende continuar no caminho de aproximar as pesquisas feitas na universidade da iniciativa privada. "Existe muito ranço sobre essa questão no Brasil. De um lado, é preciso dizer que não adianta nada existir a patente se, por trás disso, não vier a inovação, a novidade e a aplicação industrial", aponta.

Para Calixto, também é importante que a iniciativa privada tenha em mente a noção de que o conhecimento tem um valor em si mesmo. "Muitos querem tudo de graça", lembra Calixto, que reafirma sua satisfação pessoal e profissional com o processo envolvendo o Acheflan.

Os detalhes do projeto foram apresentados pela primeira vez à comunidade científica na Reunião Anual da Federação de Sociedades de Biologia Experimental (Fesbe) encerrada no sábado (27/8), na cidade de Águas de Lindóia (SP).

Testes em humanos

"O dossiê enviado para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) com o objetivo de aprovar o medicamento é considerado uma referência", afirma Brandão. O médico e advogado, depois de 30 anos trabalhando nas diretorias de empresas farmacêuticas, há dez anos resolveu criar sua própria consultoria. "Todas as fases dos testes pré-clínicos e clínicos foram realizadas com absoluta precisão."

O medicamento brasileiro foi desenhado para ser usado em dores crônicas, seja em músculos da face ou em tendinites. "Em 100% dos casos em humanos nenhum efeito adverso foi registrado", explica o médico, que ficou responsável exatamente por essa fase delicada do projeto. Para um medicamento ser aprovado, além da fase de testes chamada de pré-clínica (no caso o produto foi testado em cães da raça Beagle), mais três etapas precisam ser vencidas depois com os seres humanos.

Na fase 1 se analisa a toxicidade do produto. Nas fases 2 e 3, o que se procura é testar a eficácia e a tolerância ao mesmo medicamento. "Todas as etapas contaram com a participação de centenas de voluntários de universidades paulistas, como Unifesp [Universidade Federal de São Paulo], Unicamp [Universidade Estadual de Campinas] e Puccamp [Pontifícia Universidade Católica de Campinas]", conta Brandão.

Em um dos momentos delicados do projeto – e, segundo Calixto, em outras três fases o impasse quase interrompeu por completo o desenvolvimento do fitoterápico –, Brandão teve que decidir se usaria ou não o placebo, para comparar os resultados com o Acheflan.

"Optamos, por uma questão ética, não fazer isso. Afinal de contas, tratava-se de dor. O que fizemos, e isso é perfeitamente aceitável, foi comparar os nossos resultados com o uso do Cataflan, antiinflamatório considerado referência", revela Brandão.

Segundo o médico, além dos ganhos científicos – e 80% dos seres humanos testados tiveram uma melhora excelente ou muito boa – existe uma grande vitória simbólica em toda essa questão. "Isso serve para mostrar aos jovens estudantes, ao governo em geral e a toda a população que nós podemos fazer. Isso representa um sonho de muitas pessoas."

Para Calixto, o fitoterápico pode ser a realização do primeiro de uma série de sonhos. Tudo indica, conforme atesta a experiência do cientista, que uma cadeia produtiva está sendo iniciada a partir desse processo pioneiro. "O que restou para o Brasil é desenvolver medicamentos a partir de plantas. Esse é um segmento em que podemos avançar. Não adianta querer ganhar a primeira divisão, se o nosso time está apto para jogar na segunda."

Uma das lições que Calixto tira de todo o processo é que grandes recursos econômicos não são fundamentais para a alavancagem de processos como esse, que resultou na produção do primeiro fitoterápico nacional. O Laboratório Aché gastou R$ 15 milhões para desenvolver o produto, valor considerado pequeno para o desenvolvimento de um medicamento desse tipo.

"Além de uma mentalidade inovadora, costumo dizer que o problema que precisa ser resolvido no Brasil é o dos cinco G: gente, gente, gente, gente e grana. Na escala de 1 a 5, a questão econômica está, para mim, no nível 4", disse.


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