As plantas aquáticas da Amazônia estão entre os organismos afetados pela poluição plástica (foto: Léo Ramos Chaves/Pesquisa FAPESP)
Poluente já está presente em diversos ambientes e espécies no bioma e tem sido utilizado como material para aves construírem ninhos, apontam estudos apresentados durante a 76ª Reunião Anual da SBPC
Poluente já está presente em diversos ambientes e espécies no bioma e tem sido utilizado como material para aves construírem ninhos, apontam estudos apresentados durante a 76ª Reunião Anual da SBPC
As plantas aquáticas da Amazônia estão entre os organismos afetados pela poluição plástica (foto: Léo Ramos Chaves/Pesquisa FAPESP)
Elton Alisson, de Belém | Agência FAPESP – Os plásticos e microplásticos já estão presentes em diversos ambientes e espécies na Amazônia, como em peixes e plantas aquáticas, e têm sido até mesmo usados por uma ave da floresta para construir seu ninho. Um dos principais fatores que têm contribuído para o bioma estar se tornando um potencial hotspot desses contaminantes é a falta de condições adequadas de saneamento básico em grande parte das cidades da região.
A avaliação foi feita por pesquisadores participantes de uma mesa-redonda sobre plásticos e microplásticos em águas brasileiras realizada na segunda-feira (08/07), durante a 76ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). O evento vai até sábado (13/07) no campus Guamá da Universidade Federal do Pará (UFPA), em Belém.
“A falta de condições adequadas de saneamento encontradas na maior parte da Amazônia representa uma importante fonte de entrada de plásticos e microplásticos nos rios do bioma, que compõem o maior sistema fluvial do mundo”, disse José Eduardo Martinelli Filho, professor da UFPA.
De acordo com dados apresentados pelo pesquisador, 70% das cidades da Amazônia brasileira não possuem tratamento de água, por exemplo.
A fim de avaliar a variação das condições de saneamento básico em 313 municípios amazônicos, os pesquisadores da UFPA criaram um índice com base em dados sobre o percentual de áreas urbanas cobertas por coleta pública de esgoto, sistemas de drenagem de águas pluviais e de disposição de resíduos sólidos, obtidos da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) e do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS).
Os resultados das análises indicaram que, dos 313 municípios avaliados, apenas 2,6% apresentam condições adequadas de saneamento básico. Por outro lado, 35% foram classificados como em condições baixas e 15% como precários.
Os sistemas de disposição de resíduos sólidos foram o serviço urbano classificado como o mais satisfatório, com disponibilidade média de 76% nas cidades avaliadas. Já a coleta de águas residuais e o sistema de drenagem de águas fluviais foram classificados como ruins na maioria das cidades amazônicas.
“É difícil encontrar situações de saneamento adequado na Amazônia. Altamira [no Pará], por exemplo, tem só uma estação de tratamento de água, que não está recebendo todo o esgoto produzido pela cidade”, ponderou Martinelli.
Outro exemplo de falta de condições adequadas de saneamento na Amazônia é o da região metropolitana de Manaus, no Amazonas, cuja população é composta por mais de 2 milhões de habitantes. No total, 32% das residências utilizam esgoto sanitário público, exemplificou o pesquisador.
“Geralmente, a principal fonte de microplásticos em ambientes aquáticos brasileiros são as cidades. E, no caso da Amazônia, a população nas cidades aumentou 11 vezes em um século. Há cem anos existiam 1,5 milhão de habitantes na Amazônia e agora há 16 milhões de pessoas morando na região”, comparou.
Atualmente a Amazônia também possui metrópoles com mais de 1 milhão de habitantes, como Belém e Manaus, além de cidades de médio porte, com 150 mil a 999 mil habitantes, como Altamira, Castanhal, Marabá, Parauapebas, Santarém, Porto Velho, Macapá, Boa Vista e Rio Branco.
“São crescimentos populacionais recentes na história da Amazônia”, avaliou Martinelli.
Substrato para ninhos
De acordo com Martinelli, estima-se que sejam lançadas por ano 182 mil toneladas de plástico na Amazônia brasileira, o que a torna a segunda bacia hidrográfica mais poluída do mundo.
Além do plástico descartado pelas cidades da região, o bioma amazônico também recebe o resíduo gerado por países com rios a montante, como a Colômbia e o Peru. Dessa forma, o resíduo tem sido encontrado em todos os lugares no bioma e atingido diversas espécies, sublinhou o pesquisador.
“Costumamos ver muitos trabalhos científicos que mostram espécies de peixes ingerindo microplásticos. Mas em qualquer lugar da biota onde for procurado plástico, em diferentes escalas de tamanho, é possível encontrar esses poluentes”, avaliou.
Estudo publicado recentemente por pesquisadores do grupo identificou a retenção de plásticos por macrófitas aquáticas no rio Amazonas. “Os bancos de macrófitas retêm plásticos de diferentes dimensões, do macro, passando pelo meso e chegando aos microplásticos”, afirmou Martinelli.
Outro trabalho feito por uma estudante de mestrado do grupo, em vias de publicação, mostrou que o japu (Psarocolius decumanus) – uma espécie de ave que habita boa parte das matas da América do Sul – tem incorporado detritos plásticos para a construção de seus ninhos.
Os pesquisadores encontraram principalmente fibras emaranhadas e cordas em 66,67% dos ninhos do pássaro.
“O plástico usado por essa espécie de ave para construir seus ninhos é proveniente de material de descarte da pesca”, explicou Martinelli.
Falta de estudos
Os pesquisadores enfatizaram que, apesar do aumento exponencial das pesquisas sobre microplásticos em todo o mundo, sobretudo nos últimos dez anos, ainda há poucos estudos com foco no bioma amazônico.
A pesquisa limitada, as restrições metodológicas, as falhas e a falta de padronização, combinadas com as dimensões continentais da Amazônia, dificultam a coleta do conhecimento fundamental necessário para avaliar com segurança os impactos e implementar medidas de mitigação eficazes.
Também há a necessidade urgente de expandir os dados científicos disponíveis para a região, melhorando a infraestrutura de investigação local e formando pesquisadores, além de realizar estudos de acompanhamento de longo prazo, apontaram os pesquisadores.
“Os estudos sobre plástico ou microplástico vão trazer, na verdade, subestimativas, porque a escala do problema é tão grande que a gente sempre esbarra em um inimigo fatal quando estamos fazendo nossos projetos, que é a questão do tempo. A gente nunca consegue fazer estudos de longo prazo”, disse Monica Ferreira da Costa, professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Também não há um consenso sobre o que são os microplásticos, apontou Décio Luis Semensatto Junior, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). A definição genérica comumente aceita é a de que os microplásticos são partículas plásticas com tamanho entre 1 e 5 micrômetros – ou 1 milésimo de milímetro.
“Há artigos científicos que falam sobre microplástico que nem sempre seguem a mesma definição. Também é difícil identificar qual o artigo publicado no Brasil que reportou a maior quantidade de microplásticos porque os trabalhos não são, em sua maioria, comparáveis entre si”, avaliou.
O rio dos Bugres, no estuário de Santos, no litoral paulista, pode ser a região onde foi constatado o maior nível de poluição por microplásticos no mundo, afirmou Niklaus Ursus Wetter, pesquisador do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen).
“Encontramos 100 mil microplásticos por quilo de peso seco de sedimento extraído daquele rio, localizado no meio de São Vicente, e que tem uma velocidade de água muito baixa. Ele fica estagnado e, dessa forma, o plástico pode sedimentar”, afirmou.
Mais informações sobre a 76ª Reunião Anual da SBPC estão disponíveis em: https://ra.sbpcnet.org.br/76RA/.
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