Divergências de intepretações sobre a transferência da família real para o Brasil refletem crise das grandes vertentes narrativas, que poderá gerar revisões das principais efemérides nacionais (foto: F.Castro)

Revolução histórica
17 de julho de 2008

Divergências de intepretações sobre a transferência da família real para o Brasil refletem crise das grandes vertentes narrativas que poderá gerar revisões das principais efemérides nacionais

Revolução histórica

Divergências de intepretações sobre a transferência da família real para o Brasil refletem crise das grandes vertentes narrativas que poderá gerar revisões das principais efemérides nacionais

17 de julho de 2008

Divergências de intepretações sobre a transferência da família real para o Brasil refletem crise das grandes vertentes narrativas, que poderá gerar revisões das principais efemérides nacionais (foto: F.Castro)

 

Por Fábio de Castro

Agência FAPESP - Com as comemorações do bicentenário da transferência da família real portuguesa para o Brasil, muitas reflexões têm sido feitas sobre o verdadeiro sentido desse episódio para a história brasileira. Trata-se da origem do Brasil enquanto nação, orquestrada pela visão estratégica de Dom João, ou foi apenas uma fuga vexatória com aspecto farsesco?

De acordo com o professor Edgar Salvadori de Decca, do Departamento de História da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), as divergências de interpretação estão relacionadas a um quadro de crise das grandes narrativas históricas que resultará em uma releitura crítica não apenas desse episódio, mas das principais efemérides brasileiras.

“Estamos no limiar de uma nova tendência da historiografia, iniciada, sem dúvida, com a vertente da nova história cultural. É uma história vista de baixo, que se opõe aos modelos anteriores, nos quais a ideologia do poder prevalecia na determinação das efemérides e nas representações históricas”, disse durante a palestra “Um olhar crítico sobre a transferência da corte portuguesa para o Brasil e a unidade do país”, nesta quarta-feira (16/7), durante a 60ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em Campinas.

Segundo Decca, o conhecimento histórico não é estritamente objetivo, porque o historiador, que é o sujeito do conhecimento, também está inserido em um momento histórico e faz suas interpretações de acordo com seu tempo e sua cultura.

“Por isso, a tendência atual da historiografia é realizar uma ‘história da história’, a fim de comprender como o conhecimento foi apreendido pelos historiadores da época em que os fatos se deram e de gerações posteriores”, disse Decca, que também é pró-reitor de graduação da Unicamp.

Ele explica que a grande narrativa da história nacional, que procura formar uma idéia de brasilidade, baseia-se em um sistema de efemérides, ou datas cívicas. “Esse sistema simbólico de comemorações – e, portanto, das narrativas históricas – remete a um horizonte de expectativas afinado com um determinado projeto político”, explicou.

Essa construção do sistema de efemérides nacional teve início a partir de 1808 e especialmente depois da independência do país, em 1822. “A partir dali, foram forjadas as representações simbólicas sobre o descobrimento – com a presença da Igreja, do português e do índio – e outros momentos fundadores. Tudo isso, no entanto, é muito mais memória do que história. Só a partir do século 19 se começou a guardar documentos”, disse.

Dom João 6º, segundo Decca, foi um elemento fundamental nessa primeira construção da história nacional. “Conta-se naquele momento a história de uma independência que foi resolvida em um belo acordo entre pai e filho, em contraste com o movimento de Bolívar, que instituiu repúblicas em toda a América do Sul, ou a independência norte-americana, que expulsou os ingleses em um movimento com base na Revolução Francesa”, afirmou.

Livros didáticos

A primeira história nacional teve base em ideais monárquicos. “Com o fim da monarquia, a República instituiu um novo ideal, fomentando uma visão negativa de Portugal. Após 1889, não resta dúvida: o rei fugiu covardemente, teve medo da república e era avesso aos ideais da Revolução Francesa”, disse Decca.

O professor propôs um modelo de análise historiográfica formado por três grandes vertentes narrativas da modernidade. A primeira seria a narrativa liberal, monárquica constitucional e, depois, republicana. Em seguida, a vertente revolucionária marxista, com a teoria da revolução burguesa. Por fim, a crise das grandes narrativas: a história vista de baixo pela perspectiva da nova história cultural.

“Os livros didáticos ainda mantêm a exposição dos momentos históricos como se houvesse continuidade entre eles. Mas há profundas rupturas nesses diferentes momentos, relacionadas com os projetos políticos ligados a cada sistema de efemérides”, destacou.

A tendência historiográfica atual, de acordo com o professor da Unicamp, inclui sujeitos que até então estavam fora da história, como ocorreu com a população negra antes das obras de Gilberto Freire. “Agora entramos em um período de diversificação profunda de percepções do passado. E a complexidade aumenta conforme mais atores são incluídos”, disse.

 

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