Retorno dificultado pela pobreza
19 de abril de 2004

Estudo feito por pesquisadora do Ipea mapeia a estrutura de funcionamento e os serviços prestados por abrigos no Brasil. Os resultados da pesquisa mostram que a condição socioeconômica é o principal motivo que impede a reintegração familiar dos abrigados

Retorno dificultado pela pobreza

Estudo feito por pesquisadora do Ipea mapeia a estrutura de funcionamento e os serviços prestados por abrigos no Brasil. Os resultados da pesquisa mostram que a condição socioeconômica é o principal motivo que impede a reintegração familiar dos abrigados

19 de abril de 2004

 

Por Thiago Romero

Agência FAPESP - Atualmente, cerca de 80 mil crianças e adolescentes brasileiros estão sendo educados em abrigos, privados do convívio familiar e muitas vezes sem acesso aos seus direitos básicos de cidadania. Esse número alarmante levou a economista Enid Rocha, coordenadora de políticas sociais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a desenvolver um estudo para avaliar as condições dessas instituições e os serviços por elas prestados.

Os resultados da pesquisa Levantamento Nacional dos Abrigos para Crianças e Adolescentes foram divulgados durante o Colóquio Internacional sobre Acolhimento Familiar, realizado de 12 a 14 de abril, no Rio de Janeiro.

"O objetivo era saber qual a situação dos abrigos em relação ao direito à convivência familiar definido no Estatuto da Criança e do Adolescente", disse Enid à Agência FAPESP. "A pesquisa se baseou no artigo 92 do estatuto, que trata dos princípios que uma instituição que presta serviços de abrigo deve seguir, incluindo o fator fundamental, que é o direito à convivência familiar."

Das 626 instituições e programas de abrigos de todo o país consultados, 589 oferecem programa de abrigo para crianças e adolescentes em situação de risco pessoal ou social. Os abrigos estudados são beneficiados com recursos do Governo Federal, repassados por meio da Rede de Serviços de Ação Continuada (Rede SAC) do Ministério do Desenvolvimento Social.

O estudo traz informações sobre o perfil dos abrigados por faixa etária, sexo, raça e cor, freqüência à escola, motivo de ingresso nas instituições, vínculo familiar, procedência municipal do abrigado e situação da decisão judicial da criança e do adolescente. Em relação aos abrigos, são apresentados dados sobre o tipo de atendimento oferecido em cada unidade, vínculo religioso, instalações físicas, recursos financeiros e recursos humanos.

Na opinião dos dirigentes das instituições sobre a importância do núcleo familiar, a maioria dos entrevistados (60,03%) indica a família como a instituição mais importante na condução de seu trabalho no abrigo, acima da escola (6,4%), igreja (3,56%), conselho tutelar (2,13%), governos (1,28%) e voluntários (1,28%).

A pesquisa detectou, entretanto, que os profissionais dessas instituições enfrentam sérias dificuldades para promover a reintegração familiar dos abrigados. Os resultados mostram que as condições socioeconômicas das famílias são apontadas como a principal dificuldade enfrentada para o retorno dos jovens.

O Estatuto da Criança e do Adolescente determina que a medida de abrigo deve ser temporária, pois é preciso empenhar esforços para reintegrar crianças e adolescentes às suas famílias de origem ou encaminhá-los para uma família substituta. "O principal indicador da pesquisa foi o fato de a maioria dos abrigados (86,7%) terem família. Porém, a principal causa que impede as crianças de retornar às suas famílias é mesmo a pobreza", disse Enid.

Os números revelam que 24,2% das crianças e adolescentes não retornam à família de origem por causa da pobreza. O segundo principal motivo é o abandono, ausência ou perda do vínculo familiar (18,9%), seguido da violência doméstica (11,7%), dependência química dos pais ou responsáveis (11,4%), vivência de rua (7,0%) e orfandade (5,2%).

"As crianças permanecem no abrigo por muito tempo, algumas por mais de dez anos, apesar de elas terem família, o que contradiz totalmente o Estatuto da Criança e do Adolescente", disse Enid.

A coordenadora do estudo revelou que, com base nos dados levantados, o Secretário de Estado da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, Nilmário Miranda, instalou uma comissão interministerial, que terá um prazo de quatro meses para estabelecer as diretrizes de uma política nacional para o assunto.

"Ao invés de as crianças ficarem em abrigos por muito tempo, deverão ser determinadas, por exemplo, novas políticas de apadrinhamento e programas de famílias acolhedoras", afirmou Enid.


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