Existência do 'supervírus' é considerada preocupante por cientistas como David Ho (foto: Un. Rockfeller)
Relatório da análise de uma variante do HIV-1, identificada em Nova York em fevereiro, descarta surgimento de "supervírus", mas possibilidade é considerada preocupante por cientistas como David Ho, da Universidade Rockfeller
Relatório da análise de uma variante do HIV-1, identificada em Nova York em fevereiro, descarta surgimento de "supervírus", mas possibilidade é considerada preocupante por cientistas como David Ho, da Universidade Rockfeller
Existência do 'supervírus' é considerada preocupante por cientistas como David Ho (foto: Un. Rockfeller)
Agência FAPESP - A despeito de toda a onda alarmista em torno do assunto, o relatório da análise de uma variante do HIV-1 identificada num homem de Nova York em fevereiro e investigada pelo Centro de Pesquisa em Aids Aaron Diamond, da Universidade Rockfeller, considera o caso apenas como "excepcional", descartando a idéia de um suposto "supervírus" da Aids, como foi imaginado inicialmente.
O caso tem tido grande repercussão devido à forma resistente e de ação rápida do vírus. Além de se mostrar resistente a várias classes de drogas antiretrovirais, a infecção causou no paciente uma progressão muito rápida para o estágio sintomático da Aids.
"A junção desses dois fatores é preocupante, principalmente em um caso que inclui extensa relação sexual de alto risco e uso de metanfetamina", diz o relatório do grupo que isolou o vírus, liderado pelo virologista David Ho que, em 1995, se tornou mundialmente famoso ao colocar em prática pela primeira vez a terapia da combinação de remédios, conhecida como "coquetel".
Os resultados mostram que o vírus isolado é uma mistura de dois tipos virais (R5 e X4) do grupo HIV-1, sendo capaz, conseqüentemente, de infectar tanto as células que expressem em sua superfície o receptor para um, como as células com receptor para o outro.
Essa dualidade faz com que o vírus apresente uma maior capacidade de atração pelas células de defesa do receptor, processo conhecido como tropismo. A análise sugere, baseada em outros estudos, que isso pode explicar a forma agressiva de atuação do vírus.
Características raras
O paciente do estudo é um homem com quase 50 anos que, depois de dois resultados negativos em testes anti-HIV – em setembro de 2000 e em maio de 2003 – teve elevado número de relações sexuais sem proteção nos últimos anos, até que começou a desenvolver os primeiros sintomas em novembro de 2004, tais como febre contínua, faringite, perda de peso e intensa fadiga.
Em dezembro, foi diagnosticado com Aids, apresentando um baixo número de CD4 (células de defesa do organismo) e alta carga viral, características que o classificam como paciente de Aids. Mas o que intrigou os pesquisadores era o quadro clínico não ser compatível com o tempo de infecção. "As evidências nos permitem dizer com certeza que esse homem se infectou entre apenas 4 a 20 meses atrás", relatam. A maioria das pessoas infectadas pelo HIV leva anos para manifestar a doença.
Além disso, o vírus recém-isolado mostrou ainda outra característica incomum: a resistência ao tratamento com drogas antiretrovirais, incluindo os inibidores da transcriptase reversa e inibidores de protease que atuam diretamente no processo de entrada do vírus na célula e na sua replicação, fazendo com que a multiplicação do HIV seja reduzida e diminuindo a quantidade do vírus no sangue e a velocidade e de desenvolvimento da doença.
Apesar de raros, casos de rápido desenvolvimento da Aids em pacientes recém-infectados foram descritos anteriormente e vírus resistentes a tratamentos multidrogas também. "O que é peculiar no caso é a convergência desses dois fenômenos", afirmou David Ho na 12ª Conferência Anual em Retrovírus, realizada recentemente em Boston.
O Estudo Multicêntrico de Coorte (MACS) mostra que a probabilidade de uma pessoa manifestar sintomas da Aids em apenas um ano de infecção varia de 7 a 45 casos a cada 10 mil. Muitos acreditam que, no caso deste paciente, o uso constante da metanfetamina, droga que pode ser injetada ou fumada em cachimbos parecidos com os de crack, pode ter enfraquecido seu sistema de defesa.
A resistência do vírus a drogas também não é novidade. Há dois anos, um estudo da Universidade da Califórnia em San Diego mostrou que um em cada cinco pacientes nos Estados Unidos abrigava vírus resistentes.
O caso de Nova York deixou em alerta a comunidade científica, especialmente os especialistas em Aids. Há um temor de que surjam e se espalhem novos tipos de vírus capazes de resistir às drogas existentes.
"O tratamento das pessoas vivendo com HIV/Aids tem um duplo aspecto: individual e coletivo. O surgimento de cepas resistentes a um amplo conjunto – ou à totalidade – de anti-retrovirais pode trazer conseqüências não apenas aos indivíduos, mas à coletividade", diz o epidemiologista Francisco Inácio Pinkusfeld Bastos, coordenador do Programa de Aids da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
"Do ponto de vista coletivo/ecológico, teríamos a circulação de cepas resistentes que poderiam ser transmitidas a amplas redes sociais, fazendo com que todas as tentativas de tratar esse novo contingente de recém-infectados falhem de antemão", afirma Bastos.
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