Repercussão mundial da física brasileira
30 de janeiro de 2006

A mecânica estatística não extensiva, desenvolvida por Constantino Tsallis, acaba de ganhar um reconhecimento inédito da Sociedade Européia de Física. O tema ocupa toda a publicação especial da instituição que acaba de sair

Repercussão mundial da física brasileira

A mecânica estatística não extensiva, desenvolvida por Constantino Tsallis, acaba de ganhar um reconhecimento inédito da Sociedade Européia de Física. O tema ocupa toda a publicação especial da instituição que acaba de sair

30 de janeiro de 2006

 

Por Eduardo Geraque

Agência FAPESP - Se o mundo está repleto de sistemas complexos, o físico brasileiro Constantino Tsallis é um daqueles que continuam firmes na tentativa de desenvolver meios para que essa complexidade seja compreendida. E a cada ano ele ganha mais razão.

A grande contribuição de Tsallis, pesquisador titular do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), ocorreu em 1988, no que viria a ser conhecida como teoria da mecânica estatística não extensiva. Imaginava-se que seria usada apenas dentro do universo físico, mas agora, prestes a completar a maioridade, ela acaba de ganhar uma inédita repercussão mundial. Entre outros motivos porque começa a fazer sucesso na biologia, na economia e até na lingüística.

A prestigiosa Sociedade Européia de Física, que reúne 80 mil membros de 38 países diferentes, acaba de publicar a edição especial da Europhysics News, revista oficial da entidade, para o ano de 2005. O tema escolhido para toda a publicação foi a mecânica estatística não extensiva, que tem sido desenvolvida em grande parte por pesquisadores brasileiros. Norte-americanos, italianos, japoneses, franceses, argentinos e chineses também estão usando a proposta teórica.

Na publicação, dois dos artigos são assinados por Tsallis, um deles junto com os físicos Yuzuru Sato, do Japão, e Murray Gell-Mann, dos Estados Unidos. Gell-Mann, com quem Tsallis tem colaborado há anos, foi o ganhador do Prêmio Nobel de Física em 1969 por descobrir os quarks, partículas elementares que formam os prótons e os nêutrons. Tsallis, Gell-Mann e Sato estão atualmente no Instituto Santa Fé, nos Estados Unidos. O pesquisador brasileiro, que está lá há um ano e meio, volta ao Brasil em agosto.


Estatística de Tsallis

"Prefiro chamar a teoria de mecânica estatística não extensiva", disse à Agência FAPESP Tsallis, por telefone, do seu escritório no Instituto Santa Fé. A ressalva disfarça a modéstia, uma vez que muitos cientistas estão preferindo chamar a proposta teórica por outro nome: Estatística de Tsallis.

"Imagine a massa de ar que está agora dentro da sua sala", começa o físico, didaticamente, a explicar a teoria. "As moléculas presentes nesse espaço possuem uma quantidade exorbitante de possibilidades que podem usar. Ir para frente, para trás, para a esquerda, direita e assim por diante."

Segundo o pesquisador, nos sistemas simples, como é o gás que respiramos (no qual basta estudar uma pequena parte para entender o todo), o direito ao uso de todas as possibilidades, por parte das moléculas, é sempre exercido. "Se abrir a janela da sala, o ar vai sair por ela. Mas eu, que também poderia usar o mesmo direito e pular para fora, não vou fazer isso agora", explica.

Os seres humanos, ou mesmo o cérebro, com seus bilhões de células nervosas, são considerados sistemas complexos. "Mas, nesses casos, é diferente. Esses sistemas são muito mais seletivos. Sempre existem restrições. O número de possibilidades é bem menor", explica.

Em suma, o que a teoria de Tsallis tenta averiguar é como essas poucas possibilidades se comportam, o que nem sempre é muito fácil. Dentro da entropia sistêmica complexa, o equilíbrio nunca está presente e, por isso, os níveis de organização desse conjunto são sempre repletos de matizes. O olhar holístico é mais difícil de exercer do que o reducionista.

A proposta de Tsallis, hoje usada em estudos que vão da bolsa de valores à distribuição da renda da população, surgiu a partir de um contexto histórico há mais de cem anos. Em meados do século 19, dois físicos europeus, o escocês James Maxwell (1831-1879) e o austríaco Ludwig Boltzann (1844-1906), juntaram a mecânica newtoniana à estatística para estudar gases.

Logo depois, o norte-americano Josiah Gibbs (1839-1903) ampliou as proporções anteriores e criou o que se convencionou chamar de mecânica estatística. Ela se aplica muito bem aos sistemas simples, mas não aos extensivos, onde as correlações são de longo alcance, ou seja, variam ao longo do espaço e do tempo. É exatamente essa limitação que agora o pesquisador brasileiro está conseguindo ultrapassar. "O que tento fazer é generalizar ainda mais a mecânica de Boltzamnn-Gibbs, mas com ela dentro dessa outra teoria", explica.


Confirmação espacial

As reduzidas possibilidades microscópicas dentro de um sistema complexo, e que foram previstas por Tsallis, acabam de ser confirmadas por cientistas da Nasa, a agência espacial norte-americana, a partir de dados enviados pela nave Voyager 1.

Em 2004, na Itália, o físico previu a existência, em sistemas não extensivos, de um conjunto de índices chamado q-triplete. Agora, a Nasa confirmou a existência desses estados sistêmicos no vento solar. "Fiquei muito contente, pois é sempre difícil saber se os conceitos estão certos", diz Tsallis.

Até hoje, mais de 1,8 mil artigos de cerca de 1,3 mil cientistas de 60 países já abordaram a teoria de Tsallis. Apesar de ela não ser a única que tenta entender os sistemas complexos, é bem provável que esse número cresça, a partir do reconhecimento da Sociedade Européia de Física e da Nasa, em níveis potenciais em vez de exponenciais.

Constantino Tsallis nasceu em Atenas, em 1943. Aos 4 anos emigrou com a família da Grécia para o Brasil e, logo em seguida, para a Argentina. Depois de uma passagem pela Europa, retornou ao Brasil em 1975, naturalizando-se nove anos depois.

Entre os vários livros que escreveu ou editou está Nonextensive Entropy - Interdisciplinary Applications (Oxford University Press), com Murray Gell-Mann.

O especial da Europhysics News pode ser lido pela internet no endereço www.europhysicsnews.com.


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