Repartição do conhecimento
21 de junho de 2004

A antropóloga Mary Allegretti, ex-secretária para a Amazônia do Governo Federal, aponta os principais desafios para que o acesso ao conhecimento tradicional por parte de instituições privadas ocorra com maior transparência

Repartição do conhecimento

A antropóloga Mary Allegretti, ex-secretária para a Amazônia do Governo Federal, aponta os principais desafios para que o acesso ao conhecimento tradicional por parte de instituições privadas ocorra com maior transparência

21 de junho de 2004

 

Por Eduardo Geraque, de Olinda

Agência FAPESP - Há pelo menos uma década, empresas nacionais e estrangeiras se voltaram para o conhecimento tradicional existente tanto em comunidades indígenas como não indígenas no Brasil. A castanha das barras de cereais, o óleo de plantas utilizadas em condicionadores para cabelos e o couro vegetal são apenas três exemplos de relações comerciais que devem passar a ocorrer com freqüência cada vez maior no futuro próximo.

"Infelizmente, as experiências passadas, principalmente depois da Convenção da Biodiversidade em 1992, têm pouca influência sobre o que está ocorrendo hoje. Em termos de regulamentações dessas relações, não podemos nos satisfazer com o que temos. A situação é muito precária", afirmou a antropóloga Mary Allegretti, ex-secretária para a Amazônia do Governo Federal, cargo que ocupou por cinco anos.

Segundo a antropóloga, que está indo para os Estados Unidos dar aulas nas universidades de Chicago e Yale, uma das questões fundamentais que precisam ser consideradas é a capacitação das comunidades tradicionais. "Quem garantirá as informações para as comunidades? Essas relações são complexas. É preciso que os povos que tenham o conhecimento tradicional estejam corretamente embasados e isso é algo que ainda não está regulamentado", disse a pesquisadora, que participou da Reunião Brasileira de Antropologia, em Olinda (PE), na semana passada.

Em todos os contratos que vierem a ser fechados, na visão de Mary, itens como royalties, sustentabilidade ambiental e transferência de tecnologia para as reservas extrativistas precisam ser muito bem discutidos. "Em negociações como essas, o conflito é sempre essencial. É a partir dele que vão surgir os pontos que podem ser negociados e os que não terão discussão".

Essa mediação entre as duas partes pode ser feita com sucesso, segundo a cientista, pela correta confecção dos laudos antropológicos, instrumentos considerados essenciais pelo Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (Cegen), órgão ligado ao Ministério do Meio Ambiente, para que qualquer acordo possa ser aprovado. "Um bom laudo é a segurança de um bom acordo. Se bem feito, o contrato final poderá ser, simplesmente, a cópia desse documento."

Segundo Eduardo Martin, secretário do Cegen, que também esteve na reunião em Olinda, não existe nenhum processo em andamento no órgão federal que tenha em anexo um laudo feito por antropólogos. "Isso cai no problema da informação para as comunidades tradicionais. Será que elas sabem que é necessário um laudo?", questiona.

Para Martin, todas essas questões pendentes estão sendo discutidas internamente em Brasília e serão consideradas em novo projeto de lei que deverá ser apresentado no segundo semestre.


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