Estudo evidencia que o sangue de porcos ferais é alimento de morcegos-vampiros. Crescimento da população dos dois animais pode ampliar o impacto no meio ambiente e na agropecuária (foto: Alexine Keuroghlian)

Relação entre javalis e morcegos é preocupante, indica pesquisa
02 de janeiro de 2017

Estudo evidencia que o sangue de porcos ferais é alimento de morcegos-vampiros. Crescimento da população dos dois animais pode ampliar o impacto no meio ambiente e na agropecuária

Relação entre javalis e morcegos é preocupante, indica pesquisa

Estudo evidencia que o sangue de porcos ferais é alimento de morcegos-vampiros. Crescimento da população dos dois animais pode ampliar o impacto no meio ambiente e na agropecuária

02 de janeiro de 2017

Estudo evidencia que o sangue de porcos ferais é alimento de morcegos-vampiros. Crescimento da população dos dois animais pode ampliar o impacto no meio ambiente e na agropecuária (foto: Alexine Keuroghlian)

 

Peter Moon  |  Agência FAPESP – A quantidade de morcegos-vampiros, que transmitem raiva e preocupam agropecuaristas, pode aumentar no Brasil e nas Américas por conta do crescimento das populações de outro animal, o javali.

Um grupo de pesquisadores acaba de evidenciar um aumento alarmante na distribuição e no número de javalis e porcos ferais. Além disso, demonstraram que os morcegos-vampiros (Desmodus rotundus) passaram a se alimentar do sangue destes porcos.

À medida que a população de javalis aumenta, também crescem os danos à agricultura e à fauna nativa, entre outros problemas. Os javalis fornecem uma fonte também crescente de sangue a vampiros, o que pode aumentar em muito a população desses morcegos.

Os resultados do estudo, que tem apoio da FAPESP, foram publicados na revista Frontiers in Ecology and the Environment por Mauro Galetti, professor do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Rio Claro, seu doutorando Felipe Pedrosa, Alexine Keuroghlian, bióloga da Wildlife Conservation Society – Brasil, e Ivan Sazima, professor colaborador do Museu de Zoologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Das cerca de 1.200 espécies de morcegos no planeta, apenas três – todas das Américas – alimentam-se exclusivamente de sangue. Desmodus rotundus é a espécie de vampiro com maior distribuição, habitando um território que vai do México até a Argentina. O animal busca principalmente sangue do gado, mas há casos documentados de predação também de fauna nativa, como antas e veados.

Na Mata Atlântica, cerca de 1,4% dos morcegos-vampiros apresenta o vírus da raiva. Na Amazônia peruana, essa proporção pode chegar a 10%. A transmissão de raiva por vampiros é uma das maiores preocupações dos pecuaristas no Brasil, mesmo nas regiões onde o gado é vacinado. Mas animais selvagens, o que inclui os porcos ferais, não são vacinados, criando um potencial elevado de disseminação da doença. 

Nos últimos 12 anos, o grupo de pesquisadores tem usado armadilhas fotográficas, que são câmeras especiais que gravam à noite em infravermelho e disparam automaticamente quando o sensor detecta a passagem de algum animal.

Foram coletados 10.529 fotos e vídeos com diversos exemplos de vampiros predando porcos ferais, gado, antas e veados-mateiros. Foram selecionados 158 eventos no Pantanal (101 com porcos ferais, 38 com veados e 19 com antas) e 87 eventos na Mata Atlântica (35 com porcos ferais, 29 com veados e 23 com antas). Com base nesses eventos, os pesquisadores calcularam que a porcentagem de encontros entre os morcegos-vampiros e os javalis é alta, em torno de 10% para as noites em que foram feitos registros.

“O vírus da raiva é transmitido por meio da saliva de morcegos. O vampiro D. rotundus é também reservatório de outros vírus com potencial epidemiológico, como o hantavírus e o coronavírus”, disse Sazima.

“Os morcegos-vampiros gostam muito do sangue dos porcos e passar do porco doméstico para o feral e o javali deve ter sido simples para um animal adaptável como o vampiro”, disse Sazima. Porcos ferais ou javaporcos são animais resultantes do cruzamento entre javalis, uma espécie selvagem europeia, com suínos desgarrados de fazendas no Brasil.

Porcos ferais

Os javaporcos aliam a ferocidade dos javalis com as dimensões e a fertilidade do porco doméstico, animal selecionado para fornecer mais carne e crias do que seu ancestral selvagem. Um javali macho adulto chega a 100 quilos. Um javaporco pode ter mais de 150 quilos e reproduz constantemente.

O Brasil enfrenta uma invasão de javalis e javaporcos sem precedentes na zona rural, com aumento de 500% desde 2007. Em 1989, javalis ferais no Uruguai começaram a cruzar a fronteira com o Rio Grande do Sul do Brasil. Foi o início da infestação na região Sul.

“Em meados dos anos 1990, houve no Sudeste um incentivo grande à produção de carne de javali. Os produtores importaram matrizes e formaram plantéis. Mas o negócio não se mostrou tão rentável e alguns produtores abandonaram o negócio, soltando os javalis”, disse Pedrosa.

Na tentativa de salvar o negócio, os produtores começaram a cruzar os javalis com suínos domésticos, produzindoos javaporcos, que também foram liberados. Por conta disso, a infestação até então restrita ao Sul avançou pelo Sudeste até a Mata Atlântica, no Estado de São Paulo. No Pantanal a invasão é mais antiga, desde o início da colonização portuguesa, com porcos criados soltos que se desgarraram e deram origem ao porco monteiro.

“Javalis, javaporcos e porcos monteiros são todos da mesma espécie do porco doméstico (Sus scrofa). A distribuição natural do javali é na Europa e na Ásia, mas foi introduzido na Austrália, América do Sul e Estados Unidos. Javalis e demais suídeos (porcos) em estado asselvajado são considerados uma das piores espécies exóticas do mundo”, destacam os pesquisadores.

O estudo conclui que a invasão de javalis na Mata Atlântica e Pantanal representa uma séria ameaça e existe “uma necessidade urgente de desenvolver e implementar medidas efetivas de controle”.

Animais sociais, os javaporcos andam em bandos, são agressivos e muito perigosos. Como o javali (e o javaporco) é considerado uma espécie exótica invasora, em 2013 o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) normatizou o controle populacional por meio da Instrução Normativa Ibama 03/2013.

O texto estabelece que “o controle de javalis dentro de Unidades de Conservação Federais, Estaduais e Municipais deverá ser feito mediante anuência do gestor da Unidade”. Segundo a Secretaria do Meio Ambiente, no Estado de São Paulo, "tendo ciência da gravidade deste caso de invasão biológica, não há óbice quanto à realização de controle populacional de javalis no interior das Unidade de Conservação Estadual. Nos casos em que o gestor da unidade detecte necessidade de controle da espécie, e quando houver possibilidade de apoio de controladores regulares segundo a IN Ibama 03/2013, o ato por meio do qual o gestor da UC permite este tipo de controle dentro da unidade será uma carta de anuência, vinculada a um regramento estabelecido pela Unidade de Conservação para a realização das atividades".

“Em poucos anos, [os javalis] estarão na Amazônia e na Caatinga. Na Europa e nos Estados Unidos o javali é a espécie de vertebrado que mais cresce em número. Somente em 2016, na fronteira da Dinamarca com a Alemanha, foram abatidos 14 mil desses porcos”, disse Galetti.

O problema pode não se limitar apenas a porcos. “Para os animais nativos que são mordidos por morcegos-vampiros, como antas, veados e capivaras, existe também o potencial de transmissão de outras doenças virais existentes nos javalis”, disse Keuroghlian.

O artigo Liquid lunch - vampire bats feed on feral pigs and other ungulates (doi: 10.1002/fee.1431), de Mauro Galetti, Felipe Pedrosa, Alexine Keuroghlian e Ivan Sazima, pode ser lido em http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/fee.1431/full

Sobre a distribução e impacto de porcos ferais, o artigo Current distribution of invasive feral pigs in Brazil: economic impacts and ecological uncertainty (doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.ncon.2015.04.005), de Felipe Pedrosa, Rafael Salerno, Fabio Vinicius Borges Padilha e Mauro Galetti, pode ser lido em www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1679007315000092.
 

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