Observatório nos Andes chilenos, a 2.682 metros de altitude, vai detectar mais de 20 bilhões de galáxias e 17 bilhões de estrelas (foto: divulgação)
Com seu telescópio de 8,4 metros, instalado no Chile, o equipamento vai fotografar um campo do céu a cada três ou quatro minutos. E a Rednesp transmitirá, em sete segundos, a informação coletada aos centros de processamento nos Estados Unidos. Primeiras imagens serão divulgadas hoje
Com seu telescópio de 8,4 metros, instalado no Chile, o equipamento vai fotografar um campo do céu a cada três ou quatro minutos. E a Rednesp transmitirá, em sete segundos, a informação coletada aos centros de processamento nos Estados Unidos. Primeiras imagens serão divulgadas hoje
Observatório nos Andes chilenos, a 2.682 metros de altitude, vai detectar mais de 20 bilhões de galáxias e 17 bilhões de estrelas (foto: divulgação)
José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – O Observatório Vera Rubin divulgará hoje (23/06) suas primeiras imagens. Instalado em Cerro Pachón, a 2.682 metros de altitude, nos Andes chilenos, sob o céu mais limpo que se pode observar a partir da Terra, o observatório será, nos próximos dez ou 15 anos, o principal recurso disponível para a investigação ampla e ultrarrápida do Universo na banda da luz visível.
Com um espelho coletor primário de 8,4 metros de diâmetro, dotado de uma configuração inovadora que possibilita um campo de visão equivalente a cerca de 45 luas cheias, acoplado à maior câmera digital já construída para a astronomia, o Vera Rubin vai fotografar, a cada três ou quatro minutos, um novo campo de visão, e observar, a cada noite de operação, mais de 800 campos distintos, produzindo diariamente 20 terabytes de dados e gerando até 10 milhões de alertas sobre mudanças no céu noturno, que informarão às redes de telescópios parceiras a ocorrência de eventos como explosões de supernovas e outros.
O céu inteiro visível no hemisfério Sul será revisitado a cada três ou quatro noites. E, ao final de uma década de operação, o observatório terá produzido 60 petabytes de dados de imagens brutas. Estima-se que serão detectados mais de 20 bilhões de galáxias e 17 bilhões de estrelas, compondo o maior e mais dinâmico catálogo astronômico já produzido.
Os dados coletados no Chile serão transmitidos por uma rede de fibra óptica de alta velocidade para centros de processamento nos Estados Unidos. E o sistema de alertas será capaz de notificar variações no céu em menos de 60 segundos. É nessa grande velocidade e precisão na transmissão dos dados que entra a Rednesp (Research and Education Network at São Paulo), implantada e mantida pela FAPESP, e responsável pela conexão por fibra óptica de dezenas de instituições de ensino e pesquisa do Estado de São Paulo.
“Para que esse objetivo possa ser cumprido, as imagens pesadas obtidas no Chile precisam chegar aos Estados Unidos em sete segundos. Isso exige uma infraestrutura de rede de altíssima velocidade e baixa latência. Um atraso de 0,2 segundo no trajeto ou uma perda de pacotes de 0,001% podem comprometer significativamente a operação. A Rednesp, sucessora da antiga Rede ANSP, possui a capacidade de transmitir até 400 gigabits por segundo [Gbps]”, informa Ney Lemke, atual coordenador da Rednesp.
Para efeito de comparação, as melhores redes disponíveis para internet residencial dificilmente ultrapassam uma velocidade de transmissão de 1 Gbps. E mesmo a internet empresarial premium, utilizada por grandes corporações, não vai além de 10 Gbps. A Rednesp pode ser até 40 vezes mais rápida. Em conexão com a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP) no Brasil e com redes internacionais nas duas pontas do processo, a Rednesp é responsável por recolher os dados no Chile e entregar nos Estados Unidos.
“Isso requer uma rede extremamente confiável, com alta resiliência, capaz de resistir a perturbações tectônicas ou climáticas, e transmitir uma grande quantidade de dados, a cada três a quatro minutos, todas as noites, durante dez anos. E a transmissão tem de ser extremamente segura. Por isso, os dados são criptografados duas vezes, primeiro por hardware e depois por software, na saída, e descriptografados duas vezes, primeiro por software e depois por hardware, na chegada”, sublinha Lemke.
Desde o início de sua implantação, ainda com o nome de Rede ANSP, em 1988, até 2020, a Rednesp recebeu um aporte da ordem de US$ 125 milhões da FAPESP. E continua recebendo em torno de US$ 4 milhões por ano. “Mas é importante esclarecer que todo esse investimento não se destina exclusivamente à transmissão dos dados do Observatório Vera Rubin. A Rednesp possui várias redundâncias e, por isso, muitas utilizações possíveis. O Vera Rubin não é o único usuário. Toda a comunidade acadêmica do Estado de São Paulo se beneficia dessa conexão. São 36 instituições de ensino e pesquisa. Inclusive os pesquisadores de instituições paulistas que atuam no LHC, o grande colisor de hádrons do Cern [Organização Europeia para a Investigação Nuclear], e que também dependem da transmissão de grandes quantidades de dados, são atendidos pela Rednesp”, diz Luiz Vitor de Souza Filho, professor do Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo (IFSC-USP) e coordenador geral de Programas Estratégicos e Infraestrutura da FAPESP.
Souza Filho conta que, devido à contribuição superlativa constituída pela Rednesp, a FAPESP ganhou o direito de indicar cinco pesquisadores principais, cada qual com quatro pesquisadores associados (pós-doutores, doutorandos etc.), para compor a equipe de cientistas do Vera Rubin. “São, portanto, no total, 25 pesquisadores, que ingressaram no Vera Rubin por meio de chamada de propostas lançada pela FAPESP”, afirma.
Os cinco pesquisadores principais são Luis Raul Weber Abramo, Riccardo Sturani, Claudia Lucia Mendes de Oliveira, Eduardo Serra Cypriano e Alex Cavaliére Carsiofi.
Abramo foi um dos organizadores da primeira conferência realizada no país para discutir e planejar a adesão da comunidade científica brasileira ao LSST (Large Synoptic Survey Telescope), que era, na época, o nome do Observatório Vera Rubin. Ele compara aqui o telescópio Simonyi, do Vera Rubin, com outros telescópios ópticos atualmente em operação ou em construção: “Nos últimos dez ou 15 anos, houve um avanço significativo na construção de instrumentos capazes de mapear grandes áreas do céu. No entanto, até agora, não existia um telescópio que fizesse esse mapeamento em tempo real – obtendo imagens em intervalos regulares e curtos para que pudéssemos acompanhar as mudanças no céu conforme elas ocorrem. O Vera Rubin introduz justamente essa nova dimensão: além de observar ampla e profundamente o espaço, alcançando volumes enormes do Universo, ele incorpora o tempo como variável. É como se produzisse um filme do céu em vez de uma simples fotografia”.
O pesquisador conta que o Vera Rubin, com seu telescópio Simonyi e sua câmera digital LSSTCam, será capaz de observar supernovas no exato momento em que começam a explodir – algo crucial para obter dados de qualidade e para medir grandezas como as distâncias cósmicas e a taxa de expansão do Universo, inclusive a aceleração provocada pela energia escura. Poderá também detectar e monitorar estrelas variáveis, que são fundamentais tanto para a astrofísica quanto para a cosmologia. Além disso, em distâncias astronomicamente próximas, terá capacidade para localizar e acompanhar asteroides, cometas e outros corpos do Sistema Solar, inclusive objetos transnetunianos, mapeando a estrutura e dinâmica de nosso sistema planetário como nunca antes.
“Outro grande destaque do Vera Rubin será a detecção de milhões de quasares, objetos extremamente brilhantes, mas difíceis de distinguir das estrelas por sua raridade. Os quasares têm uma variabilidade característica, e o Vera Rubin será capaz de identificá-los por meio dessa flutuação de brilho. Esses objetos são núcleos ativos de galáxias, observados sob certos ângulos, e desempenham um papel central em minha pesquisa. Trabalho com cosmologia usando quasares como traçadores das grandes estruturas do Universo”, relata Abramo.
Segundo o pesquisador, uma possibilidade muito promissora será a combinação entre dados do Vera Rubin com dados de observatórios de ondas gravitacionais. “Com essa nova geração de detectores, seremos capazes de observar dezenas de milhares – talvez milhões – de eventos de fusões de buracos negros e estrelas de nêutrons. O Vera Rubin será essencial para localizar contrapartidas ópticas desses eventos. Como as ondas gravitacionais não sofrem interferência da matéria no caminho, elas são detectadas igualmente em todo o céu. Assim, quanto maior a área mapeada com qualidade, maior será a eficácia dessa sinergia”, explica.
É interessante comparar aqui as possibilidades do telescópio Simonyi, do Vera Rubin, com as do James Webb Space Telescope (JWST), o telescópio espacial desenvolvido em conjunto pela Nasa, a ESA e a CSA (respectivamente, as agências espaciais norte-americana, europeia e canadense). “O JWST tem a vantagem de estar fora da atmosfera, podendo observar continuamente no infravermelho, faixa essencial para detectar galáxias muito distantes, cujas luzes foram fortemente deslocadas para o vermelho devido à expansão do Universo. Já o Simonyi observará principalmente no óptico, a faixa visível do espectro. Embora isso limite a detecção de galáxias muito distantes, o Simonyi terá um campo de visão enorme, cobrindo grandes áreas do céu de forma repetida – algo que o James Webb, com seu campo de visão reduzido, não é capaz de fazer. Os dois telescópios são complementares: o Simonyi pode identificar objetos interessantes, que depois serão estudados com mais profundidade pelo JWST”, pontua Abramo.
A lógica da complementaridade vale também na comparação com o Giant Magellan Telescope (GMT), em plena construção no Cerro Las Campanas, no Chile, e previsto para entrar em operação entre o final da década de 2020 e o início da década de 2030. Fruto de uma grande colaboração internacional, também com forte aporte da FAPESP, o GMT terá um espelho coletor gigantesco, composto por sete segmentos de 8,4 metros de diâmetro cada, dispostos em forma de flor, com um no centro e seis ao redor. A configuração, dotada de um sofisticado sistema de óptica adaptativa, resulta em um diâmetro físico total de aproximadamente 25,4 metros e uma área de coleta de 368 metros quadrados.
“O GMT poderá alcançar profundidades e resoluções muito maiores do que as do Vera Rubin e do James Webb. No entanto, seu campo de visão será intermediário entre o campo de um e o do outro. É um dispositivo ideal para analisar detalhes finos de objetos previamente descobertos, como galáxias muito distantes e quasares de variabilidade incomum. Devo acrescentar que, além da astronomia óptica e infravermelha, temos observações em rádio, raio X, raios gama, micro-ondas e ultravioleta – cada uma com técnicas e instrumentos próprios. A ciência do Universo se constrói combinando todas essas janelas de observação”, enfatiza Abramo.
Para maiores informações sobre o Observatório Vera Rubin visite o site https://rubinobservatory.org/. Sobre a Rednesp, consulte: https://rednesp.br/.
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