Pães formulados com diferentes proporções de farinha de trigo (WF) e farinha de semente de girassol (SF); e pães adicionados com extrato aquoso da farinha de sementes de girassol (SFE). As imagens em A são fotos das fatias; as imagens em B fotos das superfícies/crostas (fotos: Leonardo Mendes de Souza Mesquita)
Estudo conduzido por cientistas da FCA-Unicamp e da Unifesp demonstra que subproduto da extração industrial de óleo de girassol pode ser utilizado na produção de pães funcionais de alto valor nutricional
Estudo conduzido por cientistas da FCA-Unicamp e da Unifesp demonstra que subproduto da extração industrial de óleo de girassol pode ser utilizado na produção de pães funcionais de alto valor nutricional
Pães formulados com diferentes proporções de farinha de trigo (WF) e farinha de semente de girassol (SF); e pães adicionados com extrato aquoso da farinha de sementes de girassol (SFE). As imagens em A são fotos das fatias; as imagens em B fotos das superfícies/crostas (fotos: Leonardo Mendes de Souza Mesquita)
José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – O crescimento da demanda por alternativas saudáveis aos produtos tradicionais feitos com trigo tem impulsionado a busca por novos ingredientes funcionais. Nesse contexto, a farinha de sementes de girassol parcialmente desengordurada (SF) – subproduto da extração industrial de óleo de girassol – constitui opção promissora para enriquecer pães com proteínas, fibras e compostos antioxidantes.
“Nosso objetivo foi otimizar o reaproveitamento da farinha de sementes de girassol, considerando seu alto teor de proteínas e ácido clorogênico”, conta o biólogo Leonardo Mendes de Souza Mesquita, atualmente no Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP). Ele é primeiro autor de um artigo sobre o tema publicado no periódico ACS Food Science & Technology.
Para avaliar o potencial da farinha de sementes de girassol (SF) como substituto parcial da farinha de trigo (WF), os pesquisadores formularam pães substituindo WF por diferentes proporções de SF: de 10% a 60%. Além disso, testaram também um extrato aquoso de farinha de sementes de girassol (SFE). Todas as formulações foram caracterizadas quanto à composição química e aos parâmetros reológicos (grandezas que descrevem como o material se deforma e flui quando submetido a forças externas) da massa e às propriedades físicas dos produtos finais.
“A farinha de girassol demonstrou conter um altíssimo percentual de proteínas, de 40% a 66%, além de fibras alimentares, ferro, cálcio e altos teores de ácido clorogênico, um composto fenólico associado a efeitos antioxidantes, anti-inflamatórios e hipoglicemiantes. O reaproveitamento desse subproduto agrega valor nutricional aos pães e reduz o impacto ambiental da indústria do óleo de girassol. Além disso, a farinha de sementes de girassol é uma matéria-prima extremamente barata, que a indústria de óleos vende apenas para não descartar como lixo”, explica Mesquita.
Os resultados mostraram que a adição de SF aumentou significativamente o teor de proteínas e fibras dos pães. A formulação com 60% de SF, por exemplo, apresentou 27,16% de proteínas, mais que o triplo do pão convencional (8,27%). O teor de antioxidantes também cresceu proporcionalmente. E atingiu 995 micromoles de trolox por grama no pão acrescido de extrato de farinha de sementes de girassol (SFE). Trolox é um análogo da vitamina E, mais solúvel em água, usado como padrão de referência em testes antioxidantes. O valor obtido é muito superior ao encontrado no pão feito com 100% de trigo.
“O resultado reforça o potencial da farinha de sementes de girassol para promover benefícios à saúde associados à redução do estresse oxidativo. Além disso, observamos atividade inibitória significativa contra as enzimas α-amilase (92,81%) e lipase pancreática (25,6%), indicando que os pães com SF ou SFE podem contribuir para a modulação da digestão de amidos e gorduras”, afirma Mesquita.
Um dado muito importante reportado pelo pesquisador é que a extração industrial do óleo de sementes de girassol é feita por prensagem, sem adição de produtos químicos. Isso assegura que a farinha resultante como subproduto seja isenta de outros contaminantes, além daqueles porventura remanescentes da produção agrícola do girassol.
Apesar de todas essas virtudes, a substituição em altas proporções da farinha de trigo pela de sementes de girassol comprometeu algumas características sensoriais dos pães. A partir de 20% de SF, houve redução do volume específico, aumento da firmeza da crosta e da miga (“miolo”), além de alteração na estrutura de alvéolos – resultando em pães mais densos e com textura menos macia.
“No entanto, a adição do extrato aquoso [SFE] conseguiu preservar a estrutura e a textura dos pães, mantendo-as próximas às do pão tradicional de trigo. Isso indica que a adição de SFE é uma estratégia eficaz para maximizar os benefícios nutricionais e minimizar os efeitos sensoriais adversos da farinha de sementes de girassol”, argumenta Mesquita.
O pesquisador explica que o extrato aquoso é obtido pela simples dissolução de SF em água e posterior filtragem, sem necessidade de outros processos físicos ou químicos. E pondera que o SFE pode substituir inteiramente a SF ou ser misturado a ela em diferentes proporções – algo que a indústria de panificação poderá investigar para chegar à formulação ideal.
Inovação sustentável
O estudo se insere em um movimento mais amplo de reaproveitamento de subprodutos industriais. “Transformar resíduos em produtos é uma estratégia fundamental para promover uma economia circular e reduzir o desperdício de recursos. Além de ser uma matéria-prima barata, a farinha de sementes de girassol parcialmente desengordurada contribui para a saúde humana e para a sustentabilidade ambiental. Contempla, portanto, os três pilares da economia circular: econômico, social e ambiental”, ressalta Mesquita.
A economia circular propõe substituir o modelo tradicional de produção e consumo – baseado na lógica “extrair, produzir, descartar” – por um sistema que visa manter os recursos em uso pelo maior tempo possível, extrair o máximo valor deles enquanto estão em uso e regenerá-los ao final de cada ciclo. O estudo de Mesquita e colegas se encaixa perfeitamente nesse conceito: um subproduto da indústria, antes pouco aproveitado, é transformado em ingrediente funcional para pães nutritivos, promovendo inovação sustentável e redução de resíduos.
O trabalho, que envolveu pesquisadores do Laboratório Multidisciplinar em Alimentos e Saúde (LabMAS) da Faculdade de Ciências Aplicadas da Universidade Estadual de Campinas (FCA-Unicamp) e do Laboratório de Tecnologia de Alimentos e Nutrição da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), campus Baixada Santista, recebeu apoio da FAPESP por meio de seis projetos (13/04304-4, 20/15774-5, 18/14582-5, 20/08421-9, 15/00658-1 e 19/13496-0). Mesquita foi contemplado posteriormente com auxílio na modalidade Jovens Pesquisadores, por meio do projeto “Inovações sustentáveis: a revolução da biorrefinaria por meio da valorização de macroalgas utilizando solventes renováveis rumo a economia (verde/azul)”.
O artigo Repurposing Sunflower Seed Flour for Nutritional and Functional High-Protein Breads within a Circular Economy Framework pode ser acessado em: https://pubs.acs.org/doi/10.1021/acsfoodscitech.4c01008.
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