Em encontro em São Paulo, José Goldemberg, Celso Lafer e outros especialistas apontam prioridades para o país, como a capacitação científica e tecnológica e o aumento da participação das universidades no desenvolvimento
Em encontro em São Paulo, José Goldemberg, Celso Lafer e outros especialistas apontam prioridades para o país, como a capacitação científica e tecnológica e o aumento da participação das universidades no desenvolvimento
Agência FAPESP – Na década que se iniciará em 2010, o Brasil, se fizer mudanças estruturais, poderá avançar substancialmente em ciência e tecnologia, crescimento econômico, distribuição de renda e preservação da natureza. Mas até lá, de acordo com o físico José Goldemberg, duas prioridades se destacam: definir estratégias para enfrentar os problemas da Amazônia e aumentar a participação das universidades no desenvolvimento.
A análise foi feita durante o "Colóquio 2010-2020: Um período promissor para o Brasil", encerrado na última quinta-feira (26/6), em São Paulo. O evento homenageou os 60 anos de atuação profissional de Goldemberg.
O colóquio foi uma realização da Academia Brasileira de Ciências (ABC), da FAPESP, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), da Sociedade Brasileira de Física (SBF) e de diversas unidades da Universidade de São Paulo (USP).
Segundo Goldemberg, durante os debates especialistas abordaram temas como desenvolvimento sustentável, energias renováveis, universidade, tecnologia e meio ambiente. O resultado, uma série de prognósticos e sugestões para os próximos anos, deverá ser convertido em um documento. Os debates gerarão textos que serão publicados em uma edição especial do Jornal da USP.
"A finalidade do simpósio era traçar balizas para o futuro do Brasil. Acredito que algumas das sugestões mais criativas e importantes estiveram relacionadas ao papel da universidade no desenvolvimento do país e às estratégias para enfrentar os problemas da Amazônia", disse Goldemberg à Agência FAPESP.
O debate em torno do papel da universidade no desenvolvimento concluiu que ela precisará contribuir com a melhora do ensino básico, além de repensar seu modelo institucional e criar novas redes de conhecimento.
"É preciso manter a defesa do mérito e da qualidade. Seria trágico que a USP, por exemplo, procurasse passar dos atuais 70 mil estudantes para 350 mil, a exemplo da Universidade do México. Ela perderia a qualidade que a caracteriza", afirmou.
Segundo o professor, se as recomendações feitas pelos debatedores forem seguidas, a universidade será capaz não apenas de gerar tecnologia, mas também idéias que influirão decisivamente nos rumos da sociedade.
Outro ponto alto do debate, segundo ele, foi a discussão sobre a Amazônia, cujos problemas deverão ser enfrentados de duas maneiras: pela agricultura familiar, com atendimento ao pequeno fazendeiro, e pelo agronegócio.
"Ao que tudo indica, o agronegócio é o principal responsável pelo desmatamento na Amazônia. Temos que incentivar a agricultura familiar, como já começou a ser feito. Acontece que há 25 milhões de pessoas na Amazônia e nem todas vão viver da agricultura familiar. No evento, foram dadas sugestões interessantes para combinar essas realidades", apontou.
Segundo Goldemberg, entre as principais sugestões estão a implementação do zoneamento ecológico-econômico e da regularização da posse da terra, com o objetivo de acabar com os procedimentos que têm generalizado o uso gratuito da terra.
"Alguns sugerem que os problemas da Amazônia poderiam ser resolvidos com mais ênfase em pesquisa científica. Eu não compartilho dessa visão. Acho que regularizar a posse da terra na região é muito mais importante no momento", salientou.
Descompassos científicos
Segundo Goldemberg, embora não sejam suficientes para resolver os problemas amazônicos, os avanços científicos serão fundamentais para o país. Opinião semelhante foi defendida durante o debate de encerramento pelo presidente da FAPESP, Celso Lafer, em relação à formação de recursos humanos para pesquisa.
"A capacitação científica e tecnológica é uma variável crítica para uma sociedade poder ter um papel no controle do seu próprio destino e é um objetivo atingível para um país como o Brasil", disse Lafer, que também é professor titular do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito da USP.
De acordo com ele, investimentos estatais garantiram para o Brasil uma base acadêmica para a pesquisa que é, em muitos setores, competitiva internacionalmente. "Formamos quase 10 mil doutores por ano e publicamos anualmente mais de 17 mil artigos em periódicos científicos. A produção científica do Brasil passou de 0,4% do total mundial em 1980 para 1,7% em 2007", ressaltou.
Mas, embora a existência da capacidade acadêmica e pessoal qualificado tenha estimulado o desenvolvimento nacional, Lafer observa um descompasso entre a capacidade acadêmica e a tradução dessa capacidade na criação de conhecimento e tecnologia no setor produtivo.
"Um indicador disso é o pequeno número de patentes registrado pelas empresas brasileiras por agências de patentes dos principais centros econômicos mundiais. As 90 patentes criadas no Brasil e registradas nos Estados Unidos em 2007, representam apenas 0,06% do total ali registrado, sendo que temos 1,7% da produção de ciência do mundo. Esse é um descompasso a ser superado", disse.
O descompasso também ocorre no âmbito regional, com uma extrema concentração da ciência no Estado de São Paulo, que responde por mais de 50% dos artigos publicados no país, com 30% dos cientistas ativos.
"Do 1,70% dos artigos científicos brasileiros publicados nos Estados Unidos, 0,90% provém do Estado de São Paulo; de 0,06% de patentes brasileiras registradas nos Estados Unidos, 0,03% provém de São Paulo. Temos, portanto, do ponto de vista de equilíbrio federativo em matéria de capacitação, um tema a ser trabalhado para o futuro", afirmou.
Economia e energia
O diretor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, Carlos Azzoni, analisou as discussões em torno da superação da capacidade limitada de crescimento econômico do Brasil.
"Para termos uma década promissora quanto ao crescimento econômico é preciso compreender que o Estado investidor do passado não existirá mais. O Estado deverá, a partir de agora, assumir um papel indutor, favorecendo as condições para a geração de investimentos privados", disse.
Azzoni destacou também a necessidade de manter políticas de redução das desigualdades sociais. "Não é possível que se tenha qualquer ilusão de que a desigualdade possa ser superada pelo livre funcionamento do mercado. Precisamos manter os programas sociais que ultimamente têm apresentado excelentes resultados", disse.
José Aquiles Grimoni, diretor do Instituto de Eletrotécnica e Energia (IEE), da USP, indicou as propostas debatidas em relação ao desafio das energias renováveis. Segundo ele, as discussões sugerem um maior foco em inovação, melhor preparação de recursos humanos, maior diversificação de fontes de energias – como a eólica e a fotovoltaica – e a adequação de tarifas considerando a sustentabilidade.
Ele afirma ainda que será preciso rever a primeira fase do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa). "Alguns empreendedores conseguem a licença para exploração das energias renováveis e depois tentam vendê-las a outros empresários, o que é evidentemente inaceitável", disse.
Grimoni recomenda ainda a adoção de políticas mandatórias para energias renováveis e eficiência energética e o planejamento estratégico com foco nos usos finais. "Uma das conclusões importantes é que investir em eficiência e racionalização é muito mais barato do que investir em novas matrizes energéticas. Foi importante também a distinção feita pelo professor Goldemberg entre racionalização e racionamento: não é preciso que ninguém deixe de usar a energia, basta usá-la mais racionalmente", afirmou.
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