Nódulos polimetálicos: imagem feita pelo submersível de pesquisa Shinkai 6500, da Jamstec, do Japão, a 4,2 mil metros de profundidade, ao largo da costa Sudeste-Sul brasileira, a cerca de 700 km da costa do Rio de Janeiro, durante o cruzeiro de pesquisa Iatá-Piúna, realizado no âmbito de um acordo de cooperação científica entre o IO-USP, a Jamstec, do Japão, e a CPRM.
Pesquisadores do Brasil e do Reino Unido usarão veículos subaquáticos robóticos para desvendar como depósitos polimetálicos foram formados no assoalho do oceano, há milhões de anos; projeto é apoiado pela FAPESP
Pesquisadores do Brasil e do Reino Unido usarão veículos subaquáticos robóticos para desvendar como depósitos polimetálicos foram formados no assoalho do oceano, há milhões de anos; projeto é apoiado pela FAPESP
Nódulos polimetálicos: imagem feita pelo submersível de pesquisa Shinkai 6500, da Jamstec, do Japão, a 4,2 mil metros de profundidade, ao largo da costa Sudeste-Sul brasileira, a cerca de 700 km da costa do Rio de Janeiro, durante o cruzeiro de pesquisa Iatá-Piúna, realizado no âmbito de um acordo de cooperação científica entre o IO-USP, a Jamstec, do Japão, e a CPRM.
Elton Alisson | Agência FAPESP – Em algumas áreas no fundo dos oceanos, em profundidades que podem atingir 5 mil metros, é possível encontrar diversos tipos de depósitos de metais. Os mais comuns são nódulos de manganês, com diâmetro entre 10 e 20 centímetros, distribuídos no assoalho oceânico, sobre o sedimento marinho, compostos por manganês, ferro, cobre, níquel e cobalto.
Já em profundidades um pouco menores, entre 500 e 1.000 metros, também podem ser observadas crostas polimetálicas, com aspecto semelhante ao de asfalto, e depositadas sobre afloramentos rochosos, que são ricas em cobalto e têm menores teores de manganês, cobre e níquel do que os nódulos polimetálicos.
Um consórcio internacional integrado por cientistas de universidades e instituições de pesquisa do Brasil e do Reino Unido pretende desvendar, nos próximos cinco anos, como esses depósitos polimetálicos foram formados no oceano Atlântico, há milhões de anos, e quais condições ambientais favoreceram seu surgimento e crescimento, entre outras questões.
O projeto faz parte do programa de pesquisa Security of Supply of Minerals Resource (SoS Minerals), lançado pelo Natural Environment Research Council (NERC) e o Engineering & Physical Sciences Research Council (EPSRC) – dois dos Conselhos de Pesquisa do Reino Unido (RCUK, na sigla em inglês). E é apoiado pela FAPESP no âmbito de um acordo de cooperação entre a Fundação e os RCUK.
“O objetivo do projeto é entender quais as razões ambientais que condicionaram a ocorrência desses depósitos polimetálicos nos montes submarinos e nas planícies abissais [zona plana que ocupa grande extensão do fundo dos oceanos e que ocorre a profundidades de, aproximadamente, 5 mil metros] do oceano Atlântico Sul e Norte”, disse Frederico Pereira Brandini, professor e diretor do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO-USP), à Agência FAPESP.
De acordo com o pesquisador, que coordena o projeto do lado brasileiro, o estudo será realizado na Elevação do Rio Grande – uma cadeia de montanhas submersa a cerca de 1,3 mil quilômetros do litoral do Rio Grande do Sul –, e nas planícies abissais ao largo da Ilha da Madeira, no Atlântico Norte. Ambas as regiões são conhecidas por possuírem nódulos e crostas polimetálicas.
A fim de estudá-las, está prevista a realização de quatro cruzeiros científicos. Um deles será realizado por pesquisadores do Reino Unido nas planícies abissais da Ilha da Madeira.
Os outros três cruzeiros, com duração prevista de até 30 dias cada, serão liderados por pesquisadores brasileiros e realizados na Elevação do Rio Grande e bacias abissais adjacentes em latitudes semelhantes ao cruzeiro realizado por cientistas do Reino Unido nas planícies abissais da Ilha da Madeira.
“A ideia é fazer uma comparação direta entre os processos que controlam a formação e a composição de depósitos polimetálicos nesses dois ambientes oceanográficos contrastantes”, explicou Luigi Jovane, professor do IO-USP e participante do projeto.
Robôs submarinos
Os cruzeiros científicos nas planícies abissais do Atlântico Sul serão realizados por meio do navio oceanográfico Alpha Crucis, adquirido pela FAPESP para o IO-USP em 2012.
Para estudar os ambientes oceanográficos onde estão localizados os depósitos polimetálicos serão utilizados veículos subaquáticos robóticos usados por universidades, instituições de pesquisa e por empresas petrolíferas e de mineração do Reino Unido.
Desenvolvidos pelo National Oceanography Centre Southampton (NOCS) do Reino Unido, os veículos subaquáticos robóticos não tripulados, que serão trazidos ao Brasil para realização do projeto, são capazes de mergulhar a profundidades de até 6,5 mil metros.
Os minissubmarinos são equipados com câmeras de vídeo, sensores e instrumentos científicos e possuem “braços” para manipulação, capazes de selecionar e recolher amostras de objetos pequenos e delicados com precisão e realizar experimentos no oceano profundo que seriam impossíveis de serem feitos por mergulhadores humanos devido à pressão da água.
“Será a primeira vez que será feito esse tipo de estudo no Brasil usando uma tecnologia que ainda não temos”, afirmou Brandini. “O projeto possibilitará aos pesquisadores e estudantes brasileiros participantes ter contato e aprender a usar essa tecnologia”, avaliou.
Segundo os pesquisadores, uma das vantagens do uso de veículos subaquáticos robóticos no projeto é que eles possibilitarão visualizar a área intacta onde amostras de depósitos polimetálicos serão recolhidas por meio de imagens transmitidas em tempo real à embarcação através de cabos de fibra óptica.
Além disso, permitirão a realização de experimentos complexos, no próprio local onde estão localizados os depósitos polimetálicos, preservando as condições ambientais e minimizando os danos causados pela extração de amostras levadas à superfície.
“Com o uso de veículos subaquáticos robóticos pretendemos preservar as condições ambientais de onde os depósitos polimetálicos são encontrados e realizar estudos de componentes bióticos [de microrganismos] depositados em nódulos e crostas em condições ambientais extremas, que serão realizados pelo grupo do professor Paulo Sumida, do Instituto Oceanográfico da USP”, contou Jovane.
Projeto multidisciplinar
Segundo Jovane, há diversas hipóteses para explicar a formação dos depósitos polimetálicos, mas existem duas teorias opostas, em particular, que geram muita ambiguidade sobre a origem dos diversos tipos de depósitos.
A primeira delas, que será estudada durante o projeto pelo grupo da professora Vivian Pellizari, do IO-USP, defende que a formação de nódulos polimetálicos é mediada por microrganismos que formam, através de processos de biomineralização (em que organismos produzem minerais) micronódulos que aumentam de tamanho com o passar do tempo pela deposição de mineral resultante de processos biogênicos.
A segunda hipótese é que os depósitos polimetálicos podem ter sido criados a partir de elementos encontrados no próprio solo do fundo do mar. “Ainda não se sabe qual das duas hipóteses está correta ou se ambas estão certas”, disse Jovane.
O projeto multidisciplinar, que reunirá pesquisadores das áreas de Geologia, Geofísica, Geoquímica, Oceanografia Física, Biologia e Microbiologia, pretende avançar no estudo dessas duas hipóteses, além de pesquisar os efeitos da microtopografia, das correntes oceânicas e da composição da coluna d’água, na gênese, no controle do crescimento e da composição dos depósitos polimetálicos, explicou Jovane.
De acordo com os pesquisadores, os padrões das correntes em grande profundidade, os aumentos e reduções de vazão delas ao cruzarem e contornarem as variações topográficas e os canais que formam também são cruciais para a compreensão do processo de formação e deposição dos nódulos e das crostas.
Por isso, os grupos dos professores Brandini e Ilson da Silveira, do IO-USP, estudarão durante o projeto o escoamento próximo ao fundo do oceano, na chamada camada limite bêntica, assim como os fluxos verticais de matéria orgânica e remineralizada nessas profundidades.
“Queremos entender também como os depósitos polimetálicos evoluíram durante a história geológica dos fundos dos mares e como as variações de temperatura do oceano estão relacionadas com o crescimento das crostas e dos nódulos”, afirmou Jovane.
Como há interesse econômico pelos minerais encontrados nos depósitos polimetálicos marinhos, que têm diversas aplicações industriais e tecnológicas, os pesquisadores também pretendem avaliar os impactos ambientais da extração dos minérios encontrados nas crostas e nódulos polimetálicos considerando diferentes cenários econômicos, tecnológicos e geopolíticos.
Tendo em vista a fragilidade das comunidades de mar profundo, com crescimento lento, maturidade sexual tardia e baixa fecundidade, propostas de exploração sustentável devem considerar a criação de áreas em que a biodiversidade não será afetada, conforme orientações da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA, na sigla em inglês) – o órgão internacional responsável pela concessão de áreas para exploração de recursos minerais em águas internacionais –, explicou Jovane.
“O professor Alexander Turra, também do Instituto Oceanográfico da USP, atuará na coordenação de discussões entre diferentes grupos de interesse, em parceria com o governo brasileiro, para elaboração de propostas de uso sustentável desses recursos”, contou.
As crostas polimetálicas oceânicas, por exemplo, possuem concentrações de telúrio – um mineral fundamental para o desenvolvimento de células fotovoltaicas – muito maior do que qualquer rocha na crosta continental da Terra.
Os nódulos polimetálicos oceânicos, por sua vez, possuem teores de níquel – mineral usado em baterias de aparelhos celulares, notebooks e tablets – em nível 20 vezes maior do que os das jazidas terrestres.
“Por esses motivos há muito interesse econômico na exploração desses minerais encontrados em depósitos polimetálicos”, apontou Jovane. “Queremos entender por que em algumas áreas do oceano esses depósitos polimetálicos são abundantes e em outras não”, afirmou.
A ISA estima que cerca de 6.350 milhões de quilômetros quadrados, ou 1,7% do solo do oceano, sejam cobertos por crostas polimetálicas.
Esses depósitos polimetálicos concentrariam 1 bilhão de toneladas de cobalto, estima o órgão estabelecido pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar.
“Os resultados do projeto podem contribuir para que o Brasil possa explorar esses recursos que estão em águas internacionais. Para reivindicar o direito de explorá-los é preciso que o país demarque os depósitos polimetálicos que estão presentes em sua área de interesse e que tem condições de explorá-los”, disse Jovane.
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