O herpesvírus endoteliotrópico dos elefantes (EEHV) causa doença hemorrágica que pode vitimar a prole de elefantes-asiáticos (Elephas maximus) em até 24 horas (foto: Chester Zoo/divulgação)
Estudo publicado na Nature Communications relata prova de conceito de imunizante contra tipo de herpes que infecta maiores mamíferos terrestres do mundo
Estudo publicado na Nature Communications relata prova de conceito de imunizante contra tipo de herpes que infecta maiores mamíferos terrestres do mundo
O herpesvírus endoteliotrópico dos elefantes (EEHV) causa doença hemorrágica que pode vitimar a prole de elefantes-asiáticos (Elephas maximus) em até 24 horas (foto: Chester Zoo/divulgação)
André Julião | Agência FAPESP – Um grupo de pesquisadores do Reino Unido e do Brasil, apoiado pela FAPESP, desenvolveu a primeira vacina contra um gênero do vírus do herpes que infecta elefantes, uma das maiores causas de mortalidade de filhotes. O estudo foi publicado sexta-feira passada (03/10) na revista Nature Communications.
A prova de conceito, como é chamada, atestou a segurança do imunizante, além de ter mostrado, por meio da chamada imunologia de sistemas, que a vacina produz resposta celular contra o agente infeccioso, conhecido como herpesvírus endoteliotrópico dos elefantes (EEHV, na sigla em inglês).
“Obtivemos uma boa resposta celular, aquela induzida pelas chamadas células T, o que é bastante positivo. Vacinas contra vírus tendem a estimular resposta humoral, de células B, em que são produzidos anticorpos. No entanto, em casos como esse, em que há mais de um sorotipo, uma resposta humoral pode piorar o quadro da doença caso o paciente seja infectado posteriormente por um segundo sorotipo, como ocorre com a dengue”, explica Helder Nakaya, pesquisador sênior do Instituto de Ensino e Pesquisa Albert Einstein e da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF-USP) e um dos autores do estudo.
Nakaya teve auxílio da FAPESP por meio de projetos na modalidade Jovens Pesquisadores – Fase 2 e São Paulo Researchers in International Collaboration (SPRINT), em acordo com a Universidade de Surrey, no Reino Unido.
“Com nossos parceiros de São Paulo, os testes de alterações no sangue antes e depois da vacinação, com e sem o estímulo do antígeno, demonstraram inequivocamente que a vacina estava alcançando seu objetivo, estimulando especificamente células T que matam células infectadas e que direcionam o sistema imune na direção correta”, afirma Falko Steinbach, professor da Escola de Veterinária da Universidade de Surrey, no Reino Unido, que coordenou o estudo.
Outro coautor brasileiro do estudo foi Frederico Moraes Ferreira, pesquisador da Faculdade de Medicina da USP.
Testes
Os testes se deram em duas etapas e tiveram como pacientes três elefantes-asiáticos (Elephas maximus) adultos, com idades entre 18 e 49 anos, residentes no Zoológico de Chester, no norte da Inglaterra.
Na primeira etapa, um dos elefantes recebeu o vetor viral, dotado de duas proteínas do vírus do herpes dos elefantes. Após três semanas, o animal recebeu o booster, uma dose de proteínas purificadas adicionada de um adjuvante, como forma de reforçar a resposta imune.
Depois de outras três semanas (seis após a primeira dose), a primeira combinação foi novamente aplicada, com o reforço de proteínas e adjuvante outras três semanas depois, totalizando nove semanas de estudo.
Sem efeitos colaterais observados e com as análises do sangue demonstrando que a vacina ativou as células T, os pesquisadores começaram a segunda etapa do estudo. Nela, os quatro ciclos foram repetidos na mesma ordem, porém, em dois elefantes e com um intervalo maior entre o primeiro e o segundo ciclos, totalizando 14 semanas de estudo.
Vacina pode ser armazenada e transportada em temperaturas entre 2 e 8 °C por períodos curtos; dessa forma, além de animais em cativeiro, populações selvagens podem ser imunizadas (foto: Chester Zoo/divulgação)
Novamente, sangue e plasma foram coletados e analisados numa estrutura laboratorial criada no próprio zoológico, a fim de evitar prejuízos às amostras durante o transporte. Uma das análises foi a de transcriptoma completo, em que se verificam todas as proteínas expressas a fim de observar as vias imunes ativadas.
Os resultados sugerem que a vacina pode prevenir a forma letal da doença em filhotes entre um e oito anos de idade, o grupo de maior risco, podendo apoiar programas de conservação das espécies. O vírus causa uma doença hemorrágica que pode matar os filhotes em até 24 horas.
“Ainda não sabemos exatamente porque o vírus causa uma doença tão severa nos animais jovens, mas acredita-se que ele é passado dos mais velhos [naturalmente imunes] para os filhotes. Possivelmente isso ocorre enquanto estão sendo desmamados e os anticorpos passados por meio do leite materno diminuem. Nessa fase, o sistema imune do filhote não está completamente maduro e pode não combater o vírus adequadamente”, diz Steinbach à Agência FAPESP.
Conservação
Outra vantagem da vacina é que ela pode ser armazenada e transportada em temperaturas entre 2 e 8 °C, pelo menos por períodos curtos, o que a torna adequada para condições de campo. Dessa forma, além de animais em cativeiro, populações selvagens poderiam ser vacinadas.
Os autores ressaltam que a plataforma usada para o desenvolvimento da vacina pode ser adaptada para vírus novos e emergentes em outras espécies ameaçadas de extinção.
Existem menos de 40 mil elefantes-asiáticos na natureza, o que os torna em perigo de extinção segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), maior referência global em espécies ameaçadas. A espécie é a mais afetada pelo vírus, embora casos tenham sido relatados na espécie da savana africana, também ameaçada de extinção.
“O próximo passo é a fase 2 do estudo, repetindo o procedimento em um número grande de animais. Caso os resultados sigam positivos, certamente outros zoológicos vão se interessar, além de abrir a possibilidade de imunizar populações selvagens, contribuindo imensamente para a conservação das espécies”, encerra Nakaya, que é também pesquisador do Institut Pasteur de São Paulo.
Plataforma usada para o desenvolvimento da vacina pode ser adaptada para vírus novos e emergentes que afetam outras espécies ameaçadas de extinção (foto: Chester Zoo/divulgação)
O artigo A safe, T cell-inducing heterologous vaccine against elephant endotheliotropic herpesvirus in a proof-of-concept study pode ser lido em: nature.com/articles/s41467-025-64004-x.
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