Plaquetas subestimadas
Pesquisa feita nos EUA com participação brasileira mostra que plaquetas são capazes de sequestrar, transportar e liberar fatores que regulam crescimento dos vasos sanguíneos. Estudo poderá ter aplicação em diagnóstico de câncer
Plaquetas subestimadas
Pesquisa feita nos EUA com participação brasileira mostra que plaquetas são capazes de sequestrar, transportar e liberar fatores que regulam crescimento dos vasos sanguíneos. Estudo poderá ter aplicação em diagnóstico de câncer
Pesquisa feita nos EUA com participação brasileira mostra que plaquetas são capazes de sequestrar, transportar e liberar fatores que regulam crescimento dos vasos sanguíneos. Estudo poderá ter aplicação em diagnóstico de câncer
Por Fábio de Castro
Agência FAPESP – Um estudo realizado nos Estados Unidos, com participação brasileira, mostrou que as plaquetas sanguíneas têm a capacidade de sequestrar, armazenar, transportar e liberar seletivamente os fatores que regulam a angiogênese – o mecanismo de crescimento de novos vasos sanguíneos a partir dos já existentes.
A descoberta, de acordo com os autores, poderá ser aplicada no futuro no desenvolvimento de métodos de diagnóstico e de terapias para o tratamento do câncer.
A pesquisa, que teve seus resultados publicados na revista Blood, no fim de dezembro, foi coordenada por Judah Folkman (1933-2008), do Children’s Hospital, em Boston (Estados Unidos), instituição ligada à Escola Médica da Universidade Harvard.
Folkman, que estudou os processos de crescimento dos vasos sanguíneos desde 1960, foi o fundador de um ramo da pesquisa sobre o câncer conhecido como terapia antiangiogênica. Esse método de tratamento se baseia em bloquear o crescimento de novos vasos sanguíneos no tumor, interrompendo o suprimento de nutrientes para a massa cancerígena.
De acordo com uma das autoras do artigo – a pesquisadora brasileira Flavia Cassiola, que na época da realização do estudo fazia pós-doutorado no Children’s Hospital –, a descoberta representa não apenas um passo em direção às aplicações em diagnósticos e terapias, mas um importante avanço no conhecimento.
“Acredito que a descoberta poderá mudar o rumo das pesquisas sobre a biologia das plaquetas, que ainda hoje são vistas essencialmente como fatores de coagulação. Agora sabemos que elas têm outras funções, que sequestram ativamente os reguladores de angiogênese e os distribuem seletivamente”, disse à Agência FAPESP.
Segundo Flavia, o estudo observou especialmente como as plaquetas conseguem armazenar os reguladores de angiogênese. O grupo se concentrou no estudo de um dos principais reguladores, o fator de crescimento vascular endotelial (VEGF, na sigla em inglês).
“Observamos que as plaquetas têm a capacidade de sequestrar os reguladores de angiogênese da corrente sanguínea, armazená-los e liberá-los de forma seletiva em determinadas regiões do corpo”, disse a pesquisadora, que acaba de se transferir para o Centro para Sistemas em Nanoescala da Universidade de Harvard, em Cambridge.
A angiogênese é um processo natural que ocorre, por exemplo, quando um corte ou ferimento provoca a necessidade de reconstrução da rede de vasos. Nesse caso, o organismo precisa de estimuladores de angiogênese como o VEGF.
“Mas esses vasos não podem crescer indefinidamente. A partir de determinado momento, o corpo percebe que está na hora de deter o processo, que é então invertido. Os inibidores, também por meio das plaquetas, começam então a ser liberados”, explicou.
Flavia afirma que, graças aos avanços obtidos pelos trabalhos de Folkman, o grupo já sabia que as plaquetas contêm proteínas reguladoras da angiogênese. O novo estudo mostrou que a acumulação de reguladores nas plaquetas de animais com tumores malignos é muito maior do que em animais sem tumores e também mais elevada que a sua concentração no plasma.
“Essas características fazem das plaquetas alvos interessantes para o desenvolvimento de métodos diagnósticos. Isso é importante porque os examos clínicos para medir níveis de reguladores de angiogênese, como VEGF, não haviam sido capazes de validar a presença do mesmo no plasma como um marcador confiável da presença de tumores em estágio de desenvolvimento inicial. Um método de diagnóstico desse tipo seria ainda mais importante para o acompanhamento de pacientes já curados”, disse.
Tratamento do câncer
O grupo estudou dois tipos de lipossarcomas, tumores que aparecem em células adiposas em tecidos profundos. Segundo Flavia, trata-se de um tumor relativamente raro, mas que é altamente angiogênico.
“Ele se desenvolve de duas maneiras. Em uma delas, quando começa a formar seu núcleo, já inicia também a formação de novos vasos. Na outra versão, ele cresce sem formar esses vasos. A partir de certo momento, ele aciona o mecanismo de angiogênese e passa a crescer desordenadamente”, explicou.
O laboratório nos Estados Unidos onde Flavia estava conta com os dois tipos de células do lipossarcoma de camundongos: com desenvolvimento angiogênico e dormente. Utilizando técnicas espectroscópicas, os pesquisadores fizeram uma análise proteômica das plaquetas dos dois grupos.
“O grupo com o tumor bastante angiogênico tinha alta concentração dos fatores dentro das plaquetas, mas não do plasma. Como notamos isso, começamos a estudar formas de prever a recorrência de câncer com base no estudo do proteoma das plaquetas”, disse.
Para isso, o sangue do paciente foi coletado e, em seguida, as plaquetas foram isoladas e quebradas. Os fatores de angiogênese dentro delas foram, então, medidos. “Conhecendo os níveis de presença desses fatores, podemos dizer se o paciente tem predisposição para desenvolver certo tipo de câncer ou se um paciente curado tem risco de novo crescimento do tumor”, afirmou.
Embora não tenham núcleo, as plaquetas são células versáteis que viajam por todo o corpo e possuem grânulos de armazenagem de proteínas. “É uma célula de fácil isolamento. Com um simples exame de sangue de rotina podemos trabalhar com ela. Se conseguirmos desenvolver um kit para diagnóstico, teremos uma solução pouco invasiva à disposição”, disse Flavia.
O próximo passo, segundo a cientista, é detalhar melhor o mecanismo com o qual as plaquetas sequestram e estocam os agentes angiogênicos e, especialmente, como o liberam seletivamente.
“Se conseguirmos bloquear de alguma forma a liberação desses agentes, além da aplicação para diagnósticos teríamos também uma nova forma de tratamento do câncer”, destacou.