Entre 2016 e 2018, ocorreram três ondas epidêmicas no Estado. As rotas percorridas pelo vírus e seus desdobramentos foram descritos por um grupo internacional de pesquisadores na revista PLOS Pathogens com base no sequenciamento de 51 isolados virais extraídos de mosquitos e de macacos (foto: Eduardo Cesar/Pesquisa FAPESP)
Entre 2016 e 2018, ocorreram três ondas epidêmicas no Estado. As rotas percorridas pelo vírus e seus desdobramentos foram descritos por um grupo internacional de pesquisadores na revista PLOS Pathogens com base no sequenciamento de 51 isolados virais extraídos de mosquitos e de macacos
Entre 2016 e 2018, ocorreram três ondas epidêmicas no Estado. As rotas percorridas pelo vírus e seus desdobramentos foram descritos por um grupo internacional de pesquisadores na revista PLOS Pathogens com base no sequenciamento de 51 isolados virais extraídos de mosquitos e de macacos
Entre 2016 e 2018, ocorreram três ondas epidêmicas no Estado. As rotas percorridas pelo vírus e seus desdobramentos foram descritos por um grupo internacional de pesquisadores na revista PLOS Pathogens com base no sequenciamento de 51 isolados virais extraídos de mosquitos e de macacos (foto: Eduardo Cesar/Pesquisa FAPESP)
Karina Toledo | Agência FAPESP – Normalmente restrito à região amazônica, o vírus da febre amarela circulou de forma atípica no Sudeste do país entre 2016 e 2018, causando as maiores epidemia e epizootia das últimas décadas. Segundo dados do Ministério da Saúde, em todo o Brasil, foram confirmados no período ao menos 2.251 casos da doença em humanos e outros 1.567 em macacos.
No Estado de São Paulo, de acordo com um estudo publicado na revista PLOS Pathogens, ocorreram três ondas epidêmicas/epizoóticas nesses anos, causadas por linhagens distintas do vírus. Na primeira, entre julho de 2016 e janeiro de 2017, o patógeno entrou pelo norte do Estado, provavelmente vindo de Minas Gerais, e se disseminou principalmente em cidades como São José do Rio Preto e Ribeirão Preto. A segunda, um pouco mais intensa, começou em fevereiro de 2017 e durou até junho do mesmo ano, abrangendo desde a fronteira de Minas Gerais com Poços de Caldas até a região de Campinas. O maior número de casos, porém, foi registrado durante a terceira onda: entre julho de 2017 e fevereiro de 2018. Depois de chegar à capital, o vírus se disseminou para o Vale do Paraíba, ao norte, e para o Vale do Ribeira, ao sul, encontrando cidades com alta densidade populacional e baixo índice de vacinação, tornando-se um relevante problema de saúde pública.
As conclusões, descritas no periódico por um grupo internacional de pesquisadores apoiado pela FAPESP, se baseiam na análise genômica de 51 isolados virais extraídos tanto de mosquitos coletados nas áreas afetadas como de macacos que morreram em decorrência da doença e foram encaminhados ao Instituto Adolfo Lutz (IAL) por equipes do Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE).
“Com base na distribuição geográfica e temporal dos casos em primatas não humanos e também em análises filogenéticas [estudo das mutações no genoma viral que levam ao surgimento de novas linhagens] e filogeográficas [estudo dos processos que determinaram a distribuição geográfica das diferentes linhagens], foi possível identificar os momentos em que o vírus entrou no Estado de São Paulo, a taxa e a direção de propagação e todos os desdobramentos dessa circulação”, conta à Agência FAPESP Renato de Souza, pesquisador do IAL e um dos autores principais do artigo.
Tamanho grau de detalhamento na descrição de uma epidemia só foi possível graças ao uso de uma tecnologia de sequenciamento conhecida como MinION, explica Souza. Por ser portátil, rápida e barata, a plataforma permite o monitoramento dos casos em tempo real, no local em que estão ocorrendo.
A estratégia foi usada no Brasil pela primeira vez em 2016, para descrever a trajetória percorrida pelo vírus zika nas Américas (leia mais em agencia.fapesp.br/25356/). Mais recentemente, tem auxiliado pesquisadores do Centro Conjunto Brasil-Reino Unido para Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus (CADDE) a monitorar a evolução da COVID-19 no Brasil. O projeto é coordenado pelos pesquisadores Ester Sabino (Universidade de São Paulo) e Nuno Faria (Universidade de Oxford, Reino Unido) e tem apoio da FAPESP, do Medical Research Council e do Fundo Newton (os dois últimos do Reino Unido).
Hospedeiro acidental
O vírus da febre amarela circula de forma permanente na Amazônia e, eventualmente, encontra um conjunto de condições favoráveis que lhe permite escapar. Para isso, explica Souza, é preciso haver o encontro de uma população do mosquito vetor com uma população de primatas silvestres densa o suficiente para manter a cadeia de transmissão ao menos por um período.
“Essa expansão não é permanente. Após um tempo o vírus perde a capacidade de circular naquele ambiente e só volta se for reintroduzido. Entre 2016 e 2018 ocorreu uma expansão sem precedentes da área de circulação. O vírus encontrou um momento ótimo, conseguiu se disseminar entre os primatas silvestres da Serra da Mantiqueira e chegar à região próxima ao Parque Zoológico de São Paulo, na capital. Pode ser que isso aconteça de novo daqui a alguns anos, quando as populações de primatas nesses locais voltarem a alcançar um ótimo populacional”, diz o pesquisador.
Do ponto de vista epidemiológico, explica Souza, o que ocorreu no período foi um surto de febre amarela silvestre. Isso porque, apesar do grande número de casos entre humanos, a transmissão se deu exclusivamente por meio de mosquitos silvestres, como os gêneros Haemagogus e Sabethes, e fora do ambiente urbano.
“Nesse caso, a exposição humana é acidental. A penetração cada vez maior do homem no ambiente silvestre foi um dos fatores que contribuíram”, avalia.
Caso fosse estabelecida uma estrutura de transmissão urbana, por meio de mosquitos Aedes aegypti, a incidência da doença seria ainda maior, equivalente à que se observa nas epidemias de dengue, explica Souza.
“O grande problema é que a estrutura de transmissão silvestre está cada vez mais próxima das cidades. E isso aumenta o risco de ocorrer a introdução do vírus no contexto urbano”, diz o pesquisador.
Monitorar a circulação do patógeno em populações de macacos tem sido apontada como uma estratégia eficaz de vigilância epidemiológica, que permite identificar precocemente regiões em risco e planejar estratégias de controle, como campanhas de vacinação.
“Uma estratégia de vigilância que se baseia somente no monitoramento de casos em humanos detecta apenas 20% dos infectados, que é a parcela dos sintomáticos. Haverá, portanto, muita subnotificação. Já entre os macacos, há espécies em que 90% dos indivíduos desenvolvem sintomas e morrem após contrair a doença. Monitorá-los permite identificar a disseminação do vírus ainda em fase inicial, a tempo de implementar programas de combate”, afirma Souza.
O artigo Genomic Surveillance of Yellow Fever Virus Epizootic in São Paulo, Brazil, 2016 – 2018 pode ser lido em https://journals.plos.org/plospathogens/article?id=10.1371/journal.ppat.1008699.
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