Planta de tabaco cultivada com chalcona (à direita) e sem o composto (esquerda) (créditos: Nicholas Vinícius Silva e Mariana Rebouças Teixeira)
Solução é produzida com chalcona, substância química da família dos flavonoides, e tem potencial para uso em áreas agrícolas e na restauração de florestas
Solução é produzida com chalcona, substância química da família dos flavonoides, e tem potencial para uso em áreas agrícolas e na restauração de florestas
Planta de tabaco cultivada com chalcona (à direita) e sem o composto (esquerda) (créditos: Nicholas Vinícius Silva e Mariana Rebouças Teixeira)
Luciana Constantino | Agência FAPESP – Pesquisadores do Laboratório de Genômica e bioEnergia (LGE ) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) obtiveram patente de um tipo de fertilizante bioestimulante que induz a germinação de sementes e acelera o crescimento de plantas, com potencial para uso em áreas agrícolas e em restauração de florestas, por exemplo.
A solução é produzida com chalcona, uma substância química da família dos flavonoides com importante papel na defesa vegetal, além de propriedades antioxidantes, anti-inflamatórias, antimicrobianas e antifúngicas. Agora, o grupo está aberto a propostas de interessados no mercado ao licenciamento e comercialização da fórmula.
A descoberta do efeito de crescimento ocorreu durante um experimento para explorar os impactos da chalcona em plantas sob estresse hídrico, conduzido pela tecnóloga em processos químicos Mariana Teixeira Rebouças – à época da pesquisa ela era bolsista de iniciação científica da FAPESP no LGE.
“Pesquisadores do laboratório já vinham estudando os efeitos da chalcona na produção de eucalipto. O ciclo da planta, porém, é longo. Começamos a testar em outras variedades, como Arabidopsis thaliana, tabaco, cana-de-açúcar e sorgo. No acompanhamento, percebemos que as plantas tratadas pareciam maiores do que as do grupo de controle. Fizemos outros experimentos e conseguimos demonstrar a eficácia”, diz Rebouças. Ela atualmente trabalha em uma indústria química na área de desenvolvimento de formulações agrícolas, fertilizantes e defensivos.
Juntamente com o biotecnólogo Nicholas Vinícius Silva, que estava no doutorado nesse período, testaram a formulação em mudas nativas da Mata Atlântica, com efeitos positivos. “Mesmo com os resultados obtidos na Unicamp, quisemos ir além. Tenho uma tia proprietária de um viveiro de mudas no interior de São Paulo. Vi uma oportunidade para testar o que produzimos e, ao mesmo tempo, levar tecnologia para o lugar de onde eu vim e com um propósito de recuperar áreas desmatadas e de mananciais. Ver mudas nativas, que antes levavam seis meses para ir ao campo, ficarem prontas em apenas três meses foi indescritível. Um orgulho acompanhar a pesquisa se tornando realidade”, conta.
O trabalho foi descrito na tese de doutorado de Silva – “Desvendando o papel do flavonoide trans-chalcona no crescimento e desenvolvimento de plantas” – defendida em 2022 na Unicamp sob a orientação do professor Gonçalo Pereira, coordenador do LGE.
Impacto
De acordo com os resultados, com o uso da fórmula em doses baixas – 0,01 a 0,03 milimolar (mM) –, houve crescimento em diversas plantas na altura da parte aérea e aumento no diâmetro do caule, além de maior comprimento e densidade do sistema radicular. A germinação também foi favorecida. Em doses altas (maior ou igual a 0,1 mM), no entanto, foram registrados efeitos inibitórios na semente.
Ao analisar o conjunto de genes (perfil transcriptômico) das folhas de Arabidopsis thaliana tratadas com chalcona na dose de 0,01 mM foram encontradas evidências de que a aplicação altera o metabolismo dos fenilpropanoides (compostos orgânicos derivados do aminoácido fenilalanina), a fotossíntese e o metabolismo energético das plantas, resultando em maior adaptabilidade e desenvolvimento.
Considerada uma planta-modelo para a biologia, por isso uma das mais estudadas no mundo, a Arabidopsis é uma espécie de erva daninha, originária de clima temperado e teve seu genoma totalmente sequenciado no ano 2000. Ela é fácil de cultivo e tem um ciclo rápido de vida, de até seis semanas.
No estudo, houve um ganho de mais de 75% do tamanho da área da roseta da Arabidopsis thaliana com a aplicação da chalcona em relação às plantas-controle. Já as raízes das plantas germinadas em meio suplementado apresentaram 94% de crescimento. No caso do tabaco, foi constatado um aumento de 130% em altura, 148% de ganho de biomassa da parte aérea e 40% no diâmetro do caule, além de desempenho das raízes semelhante ao da Arabidopsis.
(créditos: Nicholas Vinícius Silva e Mariana Rebouças Teixeira)
“A expressão gênica da chalcona já havia ficado evidente desde quando trabalhamos no projeto Genolyptus, um consórcio de universidades, instituições de pesquisa e empresas de eucalipto para fazer o melhoramento genético. Antes descobrimos uma via de produção de flavonoides que estava ativada em algumas variedades com melhor qualidade de madeira. Buscamos entender o que aconteceria se colocássemos a chalcona nos eucaliptos com menos qualidade de madeira. O ciclo dele, porém, é bem mais demorado”, lembra o pesquisador Jorge Lepikson Neto, coorientador de Silva.
Hoje gerente de agroindústria do Senai Cimatec, Lepikson Neto foi integrante do LGE durante anos, onde fez pós-doutorado com bolsa FAPESP (projetos 13/17846-0 e 12/22652-7) e obteve, em 2018, a patente de uma composição e método que permitem modificar a madeira de eucaliptos, sem a necessidade de transgenia, para melhor aproveitamento pela indústria papeleira e para geração de energia.
O artigo científico – mRNA sequencing of Eucalyptus urograndistrees supplemented with flavonoids shows changes on metabolic process and decrease of lignification – descreveu em 2011 o estudo com a técnica e pode ser lido na revista BMC Proceedings.
O passo a passo da ciência
Com cerca de 50 patentes obtidas até hoje, o LGE começou suas atividades em abril de 1997, quando era chamado de Laboratório de Genômica e Expressão, no Instituto de Biologia da Unicamp.
Iniciou o grupo de bioinformática no programa Genoma da Xylella fastidiosa, também lançado naquele ano pela FAPESP com o apoio do Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus), e considerado até então o maior projeto científico no Brasil, com investimento de US$ 15 milhões. Foi o primeiro fitopatógeno com genoma sequenciado no mundo – são 2,7 milhões de bases do cromossomo da Xylella fastidiosa, bactéria causadora de doenças em culturas agrícolas, como o amarelinho, uma das piores pragas dos laranjais de São Paulo (leia mais em: revistapesquisa.fapesp.br/impulso-a-ciencia-brasileira/).
“Conseguimos autorização para comprar um equipamento de alto custo que permitiu fazer chip de DNA [técnica que analisa milhares de genes ao mesmo tempo]. E com as pesquisas do Jorge com eucalipto fomos desenvolvendo a linha ligada à chalcona. Quando a FAPESP autorizou a compra, eu até abri um champanhe. Não tinha preparado isso, mas lembrei que tenho a rolha guardada aqui até hoje. Tem a data: 22/12/1999”, mostra o professor Pereira, sorrindo, a rolha à reportagem da Agência FAPESP durante a entrevista por videochamada.
“Digo isso para demonstrar a importância da ciência básica. Você está querendo descobrir um fenômeno, porém, quando começa, não sabe direito aonde vai chegar”, completa.
Nos últimos anos, os cientistas do laboratório aplicaram não só genômica, mas diversas abordagens de bioinformática em estudos ligados à bioenergia, com foco principalmente em culturas fonte de biomassa, como a cana-de-açúcar, a macaúba e mais recentemente o agave (leia mais em: agencia.fapesp.br/53039).
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