As plantas do grupo Bocageeae representam um exemplo ilustrativo de disjunção vegetal (imagem: acervo dos pesquisadores)
Estudos filogenéticos e de caracterização dos frutos indicam que animais frugívoros tiveram papel de destaque na propagação do grupo Bocageeae da África para as Américas
Estudos filogenéticos e de caracterização dos frutos indicam que animais frugívoros tiveram papel de destaque na propagação do grupo Bocageeae da África para as Américas
As plantas do grupo Bocageeae representam um exemplo ilustrativo de disjunção vegetal (imagem: acervo dos pesquisadores)
Julia Moióli | Agência FAPESP – Em estudo publicado no periódico Annals of Botany, cientistas do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP) traçaram, pela primeira vez, a história evolutiva completa do ancestral grupo de plantas Bocageeae, desde sua origem na África até sua dispersão por biomas neotropicais, nas Américas. Os resultados mostram que mamíferos e aves frugívoras foram os principais responsáveis por levá-las a regiões geograficamente separadas.
As plantas do grupo Bocageeae representam um exemplo ilustrativo de disjunção vegetal, como é conhecida a ocorrência de espécies vegetais em áreas independentes e distintas. Presente atualmente em diversas regiões neotropicais, sua distribuição exibe uma separação geográfica descontínua entre a África e as Américas – marcada pelo oceano Atlântico.
Para descobrir como a separação ocorreu, pesquisadores do IB-USP reconstruíram a filogenia dessas plantas em nível de espécie (70% das espécies foram amostradas), utilizando um conjunto de dados composto por 116 marcadores moleculares do núcleo, analisaram sequências de DNA e recriaram seus frutos antigos.
As principais descobertas do estudo, financiado pela FAPESP por meio de três projetos (18/11272-5, 18/23899-2 e 22/08659-0), foram que as Bocageeae se originaram na África e na proto-Amazônia durante o Eoceno Inferior, com frutos grandes, de cores vivas (amarelo, vermelho, roxo, preto, laranja), poucas sementes grandes (uma a dez) e deiscentes (frutos que se abrem sozinhos para liberar as sementes). E que suas diferentes linhagens se espalharam por meio de interações com animais frugívoros (mamíferos, como os morcegos e elefantes, e aves) pelas regiões e biomas da América do Sul.
“A disjunção americana-africana ocorreu por dispersão por longa distância pela flora boreotropical [grupo de plantas que, acredita-se, formaram uma faixa de vegetação topical no hemisfério Norte durante o Eoceno], com duas separações de linhagem da Amazônia para a Mata Atlântica em diferentes tempos – a primeira há 21 milhões de anos e a segunda há 16 milhões de anos – e outra da Amazônia para o México e a América Central há 21 milhões de anos”, conta Jenifer Dantas, pesquisadora da Universidade Harvard (Estados Unidos) e do IB-USP, além de primeira autora do artigo.
A primeira divisão de linhagem deu origem a um clado exclusivamente Neotropical durante o Eoceno Médio, na proto-Amazônia. Inferiu-se que as transições em diferentes conjuntos de morfologias de frutos estão relacionadas a eventos de dispersão nas regiões/biomas da América do Sul.
Passado, presente e futuro
Pela importância do trabalho, Jenifer Dantas recebeu recentemente o prêmio “Jovens Talentos” da Comissão de Pesquisa e Inovação do IB-USP, para autores dos melhores artigos científicos publicados por estudantes de iniciação científica, mestrado e doutorado e pesquisadores de pós-doutorado, na categoria “Biodiversidade”.
“Estudos como este, de caráter integrativo, reunindo informações de áreas diversas, como ecologia, geologia, morfologia e biologia, entre outras, são fundamentais para entendermos o passado e nossas origens”, afirma Lúcia Lohmann, professora do Departamento de Botânica do IB-USP e orientadora do trabalho.
“E conhecer essa história, juntamente com as adaptações ocorridas em função de alterações ambientais e geológicas, nos ajuda também a ter mais embasamento para fazer melhores previsões para o futuro, algo extremamente importante no contexto de mudanças climáticas que vivemos atualmente.”
A investigação também contou com pesquisadores das universidades de Ghent (Bélgica), de Leiden (Países Baixos), de Montpellier (França), do Chile (Chile), Ohio Wesleyan (Estados Unidos) e do Instituto de Pesquisa para o Desenvolvimento (França). O grupo também foi apoiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e o Comitê de Pesquisa Europeu.
O artigo Dispersal from Africa to the Neotropics was followed by multiple transitions across Neotropical biomes facilitated by frugivores pode ser lido em: https://academic.oup.com/aob/article/133/5-6/659/7424320.
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