Niels Saraiva Câmara, Carmino Antonio de Souza, Ana Cristina Gales, Laura Bolognesi, Monica Cricca e Luis Carlos Dias, em painel sobre saúde e meio ambiente (foto: Karina Toledo/Agência FAPESP)

Saúde
Pesquisadores do Brasil e da Itália buscam novas drogas para tratar Alzheimer em resíduos industriais
17 de outubro de 2024

Uma das matérias-primas exploradas pelo grupo é o líquido da casca da castanha-de-caju, um subproduto do processamento da oleaginosa; trabalho foi apresentado durante a FAPESP Week Itália

Saúde
Pesquisadores do Brasil e da Itália buscam novas drogas para tratar Alzheimer em resíduos industriais

Uma das matérias-primas exploradas pelo grupo é o líquido da casca da castanha-de-caju, um subproduto do processamento da oleaginosa; trabalho foi apresentado durante a FAPESP Week Itália

17 de outubro de 2024

Niels Saraiva Câmara, Carmino Antonio de Souza, Ana Cristina Gales, Laura Bolognesi, Monica Cricca e Luis Carlos Dias, em painel sobre saúde e meio ambiente (foto: Karina Toledo/Agência FAPESP)

 

Karina Toledo, de Bologna | Agência FAPESP – Autointitulada uma entusiasta da colaboração Brasil-Itália, a pesquisadora Laura Bolognesi criou no Departamento de Farmácia e Biotecnologia da Università di Bologna (Unibo) o B2AlzD2 Joint Lab, que é o primeiro laboratório conjunto Brasil-Bologna e se dedica ao desenvolvimento de novas drogas para o tratamento de Alzheimer. Entre os parceiros estão cientistas das universidades Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), de Brasília (UnB), de São Paulo (USP Ribeirão Preto) e de Minas Gerais (UFMG).

Um dos projetos em andamento no laboratório busca identificar compostos com potencial de serem explorados no desenvolvimento de drogas em resíduos industriais, particularmente no líquido da casca da castanha-de-caju (LCC), um óleo natural considerado um subproduto do processamento industrial da castanha-de-caju, com alto teor de compostos fenólicos.

A linha de pesquisa e os princípios que guiam os trabalhos do grupo foram apresentados por Bolognesi nesta terça-feira (15/10), em um painel sobre saúde e meio ambiente que fez parte da programação da FAPESP Week Itália.

“É preciso integrar na busca de moléculas bioativas o conceito de sustentabilidade. Esta deve ser a palavra-chave”, defendeu Bolognesi em sua apresentação. “Se adotamos o lixo como matéria-prima para o desenvolvimento de drogas, os produtos resultantes da pesquisa serão inerentemente sustentáveis.”

Os trabalhos do grupo também adotam uma abordagem de Saúde Única (One Health), contou Bolognesi. Idealizado no início do século, esse conceito se refere a uma abordagem integrada, que reconhece a conexão entre a saúde humana, animal, vegetal e ambiental. “Trata-se de uma visão holística, em que todos os envolvidos devem ser incluídos. Acreditamos que não basta apenas encontrar uma nova droga potente e biodisponível. Ela também precisa ser acessível para as pessoas que dela necessitam. No caso da doença de Chagas, por exemplo, mais de 90% dos pacientes afetados não têm acesso ao tratamento, embora vivam em três grandes economias [Brasil, Argentina e México]”, pontuou.

Outra preocupação do B2AlzD2 Joint Lab, contou Bolognesi, é integrar princípios de química verde em seu pipeline de desenvolvimento de fármacos.

Doenças negligenciadas

O professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Luiz Carlos Dias foi outro integrante da mesa. Ele apresentou o trabalho de um consórcio internacional criado para apoiar a busca por novos medicamentos contra a doença de Chagas e a malária. A iniciativa reúne, além da Unicamp, a USP e duas organizações sem fins lucrativos: Iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDi) e Medicines for Malaria Venture (MMV). O grupo recebe apoio da FAPESP por meio do Programa de Apoio à Pesquisa em Parceria para Inovação Tecnológica (PITE) (leia mais em: agencia.fapesp.br/32127).

“Nosso trabalho está relacionado com vários ODS [Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030] e tem como objetivo central encurtar o tempo de descoberta de fármacos”, contou.

À Agência FAPESP, Dias explicou que o consórcio recebe da DNDi e da MMV informações sobre a estrutura das moléculas a serem estudadas, todas livres de patente. “Nós sintetizamos as substâncias na Unicamp, purificamos e as enviamos para vários laboratórios brasileiros da rede para serem testadas contra o parasita. Para as que mostram ação antiparasitária, nós desenvolvemos moléculas análogas, com pequenas modificações para tentar aumentar a potência, a estabilidade e a segurança. Só após muitos testes in vitro passamos para os testes em animais. Nosso desafio agora é chegar a um composto viável para um ensaio clínico.”

No início do projeto, contou, toda essa etapa de testes pré-clínicos era feita fora do Brasil, pois não havia capacidade instalada no país para isso. “Hoje a gente já faz toda a cascata de ensaios, a parte de parasitologia primária e secundária. Adquirimos uma competência que não tínhamos, pois o país nunca investiu na descoberta e no desenvolvimento de fármacos. Construímos uma rede com vários parceiros, com experiência em diversas áreas”, comentou.

Dias pondera que os desafios do grupo são grandes e as metas ambiciosas: desenvolver medicamentos de baixo custo e seguros o suficiente para serem usados por crianças e gestantes – que estão entre os principais afetados por essas doenças negligenciadas.

No caso da malária há um desafio adicional: o tratamento deve ser de dose única, por via oral. “O Plasmodium adquire resistência muito rapidamente. Precisamos de um medicamento capaz de eliminá-lo em dez dias, com uma única dose, para contornar esse problema”, contou.

O painel ainda contou com a presença de Monica Cricca, pesquisadora do Departamento de Ciências Médias e Cirúrgicas da Unibo que desenvolve equipamentos voltados ao diagnóstico de infecções. Um dos objetivos de seu grupo é desenvolver um sistema de vigilância para a detecção de Candida auris, um superfungo resistente a várias classes de drogas e capaz de causar infecções graves.

Ela contou que o patógeno se espalhou pela Itália durante a pandemia de COVID-19, fenômeno que também foi observado no Brasil (leia mais em: agencia.fapesp.br/35923). “Estamos tentando implantar um sistema de vigilância para tentar limitar sua difusão”, contou.

O tema da resistência antimicrobiana também foi abordado por Ana Cristina Gales, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e vice-coordenadora do Instituto Paulista de Resistência aos Antimicrobianos (Projeto ARIES), que é apoiado pela FAPESP por meio do programa Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs).

A mesa contou ainda com a presença de Carmino Antonio de Souza, professor da Unicamp, vice-presidente da FAPESP e um dos fundadores da Associação Ítalo-Brasileira de Hematologia (AIBE), que visa promover a integração entre os serviços de hematologia dos dois países por meio do intercâmbio de profissionais da área de saúde e do desenvolvimento de protocolos clínicos e laboratoriais de interesse comum.

As discussões foram moderadas por Bolognesi e por Niels Olsen Saraiva Câmara, professor da USP e assessor do diretor científico da FAPESP.


 

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