Equipamento de um dos detectores do Colisor de Íons Pesados Relativísticos, do Brookhaven National Laboratory (BNL). Os colisores de hádrons do LHC, na fronteira franco-suíça, e do BNL, nos Estados Unidos, são atualmente os únicos capazes de alcançar energia suficiente para a produção do plasma de quarks e glúons ( foto: BNL)
Criado nos maiores colisores de partículas da atualidade, materiais teriam sido um constituinte predominante do universo primordial. Modelo proposto utiliza versão relativística da Equação de Boltzmann
Criado nos maiores colisores de partículas da atualidade, materiais teriam sido um constituinte predominante do universo primordial. Modelo proposto utiliza versão relativística da Equação de Boltzmann
Equipamento de um dos detectores do Colisor de Íons Pesados Relativísticos, do Brookhaven National Laboratory (BNL). Os colisores de hádrons do LHC, na fronteira franco-suíça, e do BNL, nos Estados Unidos, são atualmente os únicos capazes de alcançar energia suficiente para a produção do plasma de quarks e glúons ( foto: BNL)
José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – O plasma de quarks e glúons parece ser um sistema exótico, mas, segundo o modelo do Big Bang, sua presença foi predominante no universo uma fração de segundo após o instante inicial. Tornou-se exótico devido à interação nuclear forte, que confinou quarks e glúons no interior de estruturas como próton, nêutron e mésons.
Os patamares de energia alcançados nos dois maiores colisores da atualidade – o Large Hadron Collider (LHC), na fronteira franco-suíça, e o Brookhaven National Laboratory (BNL), nos Estados Unidos – possibilitaram que, ao menos por um intervalo de tempo diminuto, o plasma de quarks e glúons voltasse a aparecer.
Um projeto de um ano, integrando os grupos liderados pelo professor Jorge Noronha, na Universidade de São Paulo (USP), e pelo professor Ulrich Heinz, na Ohio State University (OSU), procurou apresentar o estado da arte na descrição desse sistema: “A state-of-the-art description of the strongly coupled quark-gluon plasma using viscous relativistic hydrodynamics and the Gauge/gravity duality”. O projeto teve apoio da FAPESP.
A ideia original era utilizar a hidrodinâmica relativística e a dualidade entre teorias de cordas e teorias de campo para entender um pouco mais a física do plasma de quarks e glúons.
“Mas, uma vez que começamos a trabalhar, ocorreu algo que não havíamos previsto. Encontramos, pela primeira vez, um modelo da expansão no espaço e no tempo desse sistema e sua descrição como um fluido ultrarrelativístico [que se expande com velocidade próxima à da luz], disse Noronha, professor do Instituto de Física da USP, à Agência FAPESP.
A descoberta foi comunicada em dois trabalhos, um publicado na Physical Review Letters, “New exact solution of the relativistic Boltzmann equation and its hydrodynamic limit”, e outro na Physical Review D, “Studying the validity of relativistic hydrodynamics with a new exact solution of the Boltzmann equation”.
“Devido à grande repercussão internacional desses artigos, decidimos continuar a pesquisa, agora com um projeto mais longo, de dois anos”, comentou Noronha.
A hidrodinâmica relativística proporcionou uma descrição efetiva da complicada dinâmica microscópica do plasma de quarks e glúons. O recurso matemático utilizado foi a Equação de Boltzmann, adaptada ao contexto relativístico.
Em sua forma clássica, essa equação foi proposta originalmente pelo físico austríaco Ludwig Boltzmann em 1872, para modelar a dinâmica de gases. À frente de sua época, Boltzmann concebeu os fluídos como conjuntos de moléculas, átomos ou íons, cuja dinâmica podia ser descrita recorrendo-se apenas aos processos de colisão entre as partículas constituintes.
“Aplicamos essa equação a um fluido ultrarrelativístico, que se propaga em velocidade próxima à da luz, tanto na direção longitudinal como na direção transversal, e conseguimos resolvê-la de forma exata, usando um mecanismo bastante engenhoso: a chamada Transformação de Weyl”, disse.
"Basicamente, esse mecanismo possibilitou transformar o problema original, no qual o plasma se movimenta em um espaço plano [sem curvatura], em um outro problema, rigorosamente equivalente, no qual o plasma permanece parado enquanto o próprio espaço-tempo se expande [encurvando-se]”, disse Noronha.
Foi uma grande novidade, que permitiu transformar um problema dificílimo de teoria cinética relativística em um problema muito mais simples de relatividade geral.
“Na descrição no espaço-tempo curvo, o problema pode ser resolvido de maneira exata. Uma vez feito isso, pudemos voltar e calcular precisamente como o plasma se expandia no espaço plano original”, explicou o pesquisador.
Matéria conhecida
Segundo Noronha, a ideia de transformar um problema em outro lhe ocorreu devido ao seu repertório teórico. “Como eu trabalho com aplicações da teoria de cordas [na forma da dualidade holográfica AdS/CFT], os conceitos da relatividade geral estão sempre presentes na minha mente”, disse.
No contexto experimental, o plasma de quarks e glúons é formado por meio da colisão de núcleos pesados, como os de ouro ou de chumbo, acelerados a até 99,9% da velocidade da luz. Quando colidem, esses núcleos formam um plasma tão energético que os prótons e os nêutrons que os constituem não podem subsistir enquanto tal e se decompõem em quarks e glúons.
No instante de sua formação, esse sistema é muito pequeno e muito quente. Sua temperatura é da ordem de 1012 K. Para efeito de comparação, a temperatura máxima encontrada no Sol é da ordem de 107 K. Isso significa que o plasma é 100 mil vezes mais quente do que a região mais quente do Sol. Trata-se da maior temperatura já obtida em laboratório.
“Ele se expande muito rapidamente no espaço-tempo. E, nessa expansão, comporta-se como se fosse uma espécie de líquido cuja viscosidade é a menor possível, menor até do que a de um superfluido”, relatou Noronha.
Com a expansão, a temperatura cai muito rapidamente, e os quarks e glúons voltam a se agrupar, formando hádrons (prótons, nêutrons, mésons etc.), que são medidos pelos detectores. O fluido de quarks e glúons perdura por um intervalo de tempo extremamente curto: não muito mais do que 10 vezes o tempo que a luz leva para atravessar um único próton.
Segundo Noronha, um dos motivos para estudar quarks e glúons é que eles respondem por 97% da massa da matéria conhecida.
“Virou chavão dizer que o bóson de Higgs é responsável pela massa. Mas não é bem assim. O Universo é constituído por mais de 70% de energia escura, mais de 20% de matéria escura e cerca de 4% de matéria conhecida. Desses 4%, aproximadamente 97% vêm dos quarks e glúons. O bóson de Higgs, nesse caso, é responsável pelos demais 3%”, disse.
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