First International Symposium on Inflammatory Diseases, realizado pelo CRID na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, reuniu pesquisadores (foto: Diego Freire/FAPESP)
Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias investiga novo alvo farmacológico para combater imunossupressão decorrente de infecção generalizada
Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias investiga novo alvo farmacológico para combater imunossupressão decorrente de infecção generalizada
First International Symposium on Inflammatory Diseases, realizado pelo CRID na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, reuniu pesquisadores (foto: Diego Freire/FAPESP)
Diego Freire | Agência FAPESP - Pesquisadores do Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias (CRID, na sigla em inglês), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs), financiados pela FAPESP, podem estar próximos de identificar o primeiro alvo farmacológico para tratamento de pacientes que desenvolvem imunossupressão após quadro de sepse.
As pesquisas em torno do novo alvo farmacológico foram apresentadas durante o First International Symposium on Inflammatory Diseases, realizado pelo CRID na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da Universidade de São Paulo (USP) de 9 a 11 de junho.
De acordo com Fernando Queiroz Cunha, professor da FMRP-USP e coordenador do CRID, o objetivo do simpósio foi ampliar a pesquisa translacional na área de doenças inflamatórias.
“Como um dos objetivos do CRID é a realização de pesquisa translacional, encontramos na realização do simpósio uma oportunidade de reunir cientistas que trabalham com doenças inflamatórias, tanto na pesquisa básica como na clínica, para travar discussões sobre achados experimentais com o objetivo de desenvolver novas estratégias para o tratamento de pacientes – ou, ainda, coletar questões originadas na vivência clínica e que possam ser respondidas na bancada, sempre com o objetivo de aprimorar os tratamentos atualmente em uso”, disse à Agência FAPESP.
Os pesquisadores tentam desenvolver novos medicamentos e propostas diagnósticas para doenças inflamatórias de origem infeciosa, autoimune ou metabólica. Para isso, realizam experimentos em laboratório, com auxílio de animais geneticamente modificados, e clínicos, por meio de sequenciamento de RNA extraído da amostra de pacientes.
Nesse contexto, um dos objetivos é a descoberta de alvos farmacológicos para o tratamento da sepse, síndrome caracterizada pelo desenvolvimento de uma resposta inflamatória sistêmica, principalmente em decorrência de uma infecção bacteriana. Em alguns casos, o intenso quadro inflamatório, iniciado na fase aguda da doença, pode ativar a produção de mediadores anti-inflamatórios e imunossupressores, levando ao desenvolvimento de um estado conhecido como imunossupressão induzida após a sepse.
O estado é caracterizado pelo aumento de um tipo celular chamado de linfócito T regulador (Treg), e os pesquisadores buscam entender os mecanismos moleculares associados a esse aumento durante o desenvolvimento do quadro de imunossupressão em pacientes que sobrevivem a sepse.
Para isso, utilizam o modelo experimental cecal ligation and puncture (CLP), em que camundongos são submetidos a uma infecção bacteriana e tratados com antibiótico, com o objetivo de simular o que ocorre com os pacientes.
Os pesquisadores trabalham então com a enzima indolamina 2,3-dioxigenase (IDO), originalmente identificada na placenta de mulheres grávidas. Considerando que o feto é um corpo estranho para o organismo da mãe, ele deveria ser rejeitado pelo sistema imune materno, porém, estudos demonstraram que a IDO é importante para que o sistema imune “tolere” o bebê durante o período gestacional.
Desde então diferentes grupos vêm demonstrando que a IDO possui funções tolerogênicas sobre o sistema imune. Com base nessas informações, os pesquisadores do CRID desenvolveram a hipótese de que a IDO estaria de alguma forma associada à expansão das Tregs durante o desenvolvimento da imunossupressão induzida pela sepse.
Raphael Gomes Ferreira, do programa de Farmacologia da FMRP, e colaboradores demonstraram um aumento na expressão proteica e na atividade enzimática da IDO no baço de camundongos após a sepse. Em outros experimentos, os pesquisadores identificaram que as células dendríticas são as principais cédulas do baço que passam a expressar a IDO nos camundongos sobreviventes à doença.
“Há dados na literatura que demonstram que a ativação enzimática da IDO está associada à metabolização do triptofano, um aminoácido essencial, levando à produção da quinurenina, uma molécula biologicamente ativa que possui várias funções reguladores sobre o sistema imune”, disse Ferreira.
Neste sentido, também foi demonstrado que tanto o consumo do triptofano como a produção de quinurenina estão associados à ativação de vias de sinalização celular ligadas ao aumento de linfócitos T reguladores.
“Uma vez demonstrado que existe um aumento da expressão proteica e da atividade enzimática da IDO em células dendríticas do baço de camundongos sobreviventes à sepse, o passo seguinte foi avaliar se a inibição da atividade enzimática da IDO estava associada ao aumento de Tregs observado em animais e pacientes que sobrevivem à doença”, explicou.
Para testar a hipótese, os pesquisadores trataram camundongos que sobreviveram à sepse com um inibidor específico da IDO. Os resultados demonstraram uma redução na frequência das Tregs no baço dos animais tratados com inibidor, comprovando o envolvimento da IDO na expansão das Tregs que ocorre após a sepse.
Por fim, para avaliar a participação da IDO no desenvolvimento da imunossupressão induzida pela sepse, camundongos sobreviventes à CLP e tratados com inibidor da IDO foram desafiados com células tumorais B16-F10, que expressam a enzima luciferase.
“Sabe-se que em um animal imunossuprimido a célula tumoral encontra menor resistência por parte do sistema imune, conseguindo crescer mais facilmente. Em nosso trabalho utilizamos camundongos submetido a sepse e tratado com inibidor da IDO, para avaliar se essa enzima poderia ou não interferir no desenvolvimento da imunossupressão induzida pela sepse.”
O crescimento tumoral foi avaliado por meio da quantificação da bioluminescência emitida pelas células tumorais. Para isso os animais foram tratados com luciferina, substrato da enzima luciferase expressa pelas células tumorais.
“Nós injetamos o substrato da enzima nos camundongos. Assim, ao entrar em contato com a enzima, a luciferina é quebrada, liberando luz, de maneira semelhante a o que ocorre no vagalume. Nós temos um equipamento capaz de quantificar a luz imitida pelas células tumorais. Dessa forma, quanto maior o número de células tumorais maior será a quantidade de luz ou bioluminescência emitida.”
O volume do crescimento tumoral também foi avaliado por meio da medida, com o auxílio de um paquímetro.
No animal submetido tratado com salina, foram observadas muitas células T reguladoras. Como as Tregs suprimem o sistema imune, as células tumorais conseguem se desenvolver mais facilmente. Já no animal tratado com o inibidor foi verificada redução das células, fazendo com que o sistema imune trabalhasse com mais eficiência no sentido de impedir o crescimento tumoral.
Para os pesquisadores, os resultados são um sinal claro de que, após a inibição da atividade enzimática da IDO, os camundongos ficaram menos imunossuprimidos. Segundo Ferreira, a identificação da IDO como participante do processo de imunossupressão a coloca como um importante alvo farmacológico para o tratamento de pacientes que por ventura, desenvolvam a doença.
“Talvez tratar um paciente imunossuprimido com o inibidor dessa enzima seja uma abordagem interessante. Agora, é preciso entender quais mediadores produzidos durante a sepse são responsáveis por promover o aumento da IDO, o que poderia permitir que o paciente com sepse seja tratado antes mesmo de desenvolver o quadro de imunossupressão.”
Ainda não existe tratamento farmacológico para pacientes que desenvolvem o quadro de imunossupressão após a sepse. Assim, muitos pacientes que sobreviveram à doença acabam morrendo em decorrência de infecções nosocomiais, aquelas contraídas no ambiente hospitalar, ou mesmo infecções bacterianas simples adquiridas em casa e facilmente tratadas em pacientes que não estejam imunossuprimidos.
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