Grassmann: releitura ou ressignificação da temática de Bosch (1450 – 1516) e Bruegel (1525 – 1569) ( imagem: Divulgação)

Pesquisa reúne todas as gravuras em metal produzidas por Marcelo Grassmann
07 de agosto de 2015

Coleção, com 221 obras, será preservada na Biblioteca Central da Universidade Estadual de Campinas. Primeira mostra, com 15 gravuras, ficará exposta até o fim de agosto

Pesquisa reúne todas as gravuras em metal produzidas por Marcelo Grassmann

Coleção, com 221 obras, será preservada na Biblioteca Central da Universidade Estadual de Campinas. Primeira mostra, com 15 gravuras, ficará exposta até o fim de agosto

07 de agosto de 2015

Grassmann: releitura ou ressignificação da temática de Bosch (1450 – 1516) e Bruegel (1525 – 1569) ( imagem: Divulgação)

 

José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) acaba de receber uma coleção, com 221 obras, contendo a totalidade das gravuras em metal produzidas por Marcelo Grassmann (1925 – 2013). A gravura em metal foi o meio de expressão por excelência de Grassmann, um nome referencial da arte contemporânea no Brasil. O acervo dá suporte ao projeto de pesquisa “Coleção gráfica: Marcello Grassmann”, apoiado pela FAPESP.

“Esse conjunto de 221 gravuras é fundamental para que possamos acompanhar, passo a passo, as transformações técnicas que ocorreram, ao longo dos anos, na obra de Grassmann. E entender como essas transformações influenciaram sua poética, possibilitando que os conteúdos mais profundos viessem à tona, se expressassem e fossem registrados”, disse a pesquisadora Lygia Eluf, também artista plástica e professora titular do Instituto de Artes da Unicamp, à Agência FAPESP.

Eluf conta que destinou à aquisição das gravuras a maior parte da verba de pesquisa recebida da FAPESP. “Essa coleção corria o risco de se perder. Agora, será preservada em um gabinete de estampas na Biblioteca Central César Lattes (BCCL), da Unicamp. E, além das exposições, as imagens digitalizadas estarão ao alcance do público e de pesquisadores que queiram prosseguir com estudos sobre suas obras.”

Um conjunto de 15 gravuras está exposto, desde 2 de julho, na BCCL. A mostra deverá se prolongar até 31 de agosto.

“Quando Grassmann começou a fazer gravuras no Brasil, no início dos anos 1950, não havia, no país, recursos específicos para essa atividade: não havia papel, não havia tinta, não havia ferramentas. Então, os jovens artistas passaram a desenvolver, eles mesmos, os materiais de que precisavam”, disse Eluf.

“E, no caso de Grassmann, que era uma pessoa extremamente curiosa e habilidosa, isso acabou virando quase um vício. Ao longo de toda a sua vida artística, ele sempre adaptou as técnicas tradicionais, inventou meios, inventou instrumentos. Assim, não apenas estabeleceu um estilo muito pessoal, como também acabou definindo novos parâmetros para a técnica.”

Trajetória do artista

Grassmann começou sua trajetória como entalhador, no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo. E, leitor voraz, adquiriu uma vasta cultura, frequentando, inicialmente, a Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo.

“Ele foi, sob vários aspectos, um autodidata. Os artistas brasileiros que mais o influenciaram foram Oswaldo Goeldi (1895 – 1961) e Lívio Abramo (1903 – 1992). De Goeldi, ele assimilou o clima. Do Lívio, o rigor técnico. Grassmann nunca foi aluno de Goeldi, mas nutria por ele um grande respeito. Havia, entre ambos, uma relação velada de discípulo e mestre”, disse Eluf.

Foi por meio de Goeldi que Grassmann tomou conhecimento da obra inquietante do artista checo de cultura austríaca Alfred Kubin (1877 – 1959). Havia entre Grassmann e Kubin uma afinidade profunda. Ambos habitavam, por assim dizer, o mesmo mundo: um mundo fantástico, sombrio, ao mesmo tempo erótico e mórbido. “É sempre um embate entre a vida e a morte”, sublinha a pesquisadora. “Mas esse embate, que é trágico em Kubin, assume, em Grassmann, um acento irônico.”

Com o dinheiro de um prêmio ganho na 1ª Bienal de São Paulo, em 1951, Grassmann viajou para Viena, onde frequentou por dois ou três anos o Museu Albertina. Lá aprofundou seu conhecimento não apenas da produção contemporânea de Kubin, com quem passou a se corresponder, mas também da obra dos grandes mestres do passado. Bosch e Bruegel, é óbvio, pela afinidade temática. Mas também Dürer e Rembrandt, pelo virtuosismo técnico.

“Segui as pegadas dele”, disse Eluf. “Este projeto acabou me levando ao Albertina, para buscar as influências que ele recebeu e que balizaram seu amadurecimento. A partir das muitas conversas que tivemos, é claro que eu tinha uma ideia de quais foram os artistas que o influenciaram. Mas a viagem me permitiu um contato direto com as obras. Comecei com uma lista de 24 artistas e fui reduzindo até chegar aos cinco: Bosch, Bruegel, Dürer, Rembrandt e Kubin.”

A pesquisadora ressalta a releitura ou ressignificação da temática de Bosch (1450 – 1516) e Bruegel (1525 – 1569) feita por Grassmann. Na obra dos dois mestres, a fantástica profusão de imagens tem uma função pedagógica. Busca introduzir os espectadores em um mundo regido por símbolos e atravessado pelo mistério. “Grassmann apropria-se dessas referências com um toque de humor, de ironia, quase de brincadeira.”

Uma informação interessante é que Grassmann enveredou pela gravura em metal como uma espécie de desafio que impôs a si mesmo. “Ele começou fazendo xilogravura. Mas, sua xilogravura logo se tornou extremamente sofisticada. Ele mesmo me disse que, nessa época, passou a ‘bordar a xilogravura’. E Goeldi o alertou de que ele estava se deixando levar pelo virtuosismo. Que estava pondo de lado a construção da imagem para se preocupar quase que exclusivamente com a técnica. Foi Goeldi que o aconselhou a tentar a gravura em metal.”

O resultado dessa “tentativa” está agora preservado na coleção da Unicamp.

Universo gráfico de Marcello Grassmann
Segunda a sexta, das 7h30 às 22h45, até 31 de agosto.
Biblioteca Central Cesar Lattes - Rua Sérgio Buarque de Holanda 421, campus da Unicamp, Barão Geraldo
Entrada franca
 

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