Na parte superior da foto, linha branca maior marca distrito agropecuário da Suframa. Quadrados vermelhos correspondem às áreas de pesquisa do Inpa. Na parte inferior, região rosada é a área urbana de Manaus (Foto: Inpa)

Pesquisa no Amazonas em perigo
26 de julho de 2007

Pesquisadores do Inpa e do Instituto Smithsonian alertam, em artigo na Nature, que o principal experimento do mundo dedicado ao estudo dos efeitos da fragmentação em florestas tropicais está seriamente ameaçado por assentamentos agrícolas, caçadores e madeireiros

Pesquisa no Amazonas em perigo

Pesquisadores do Inpa e do Instituto Smithsonian alertam, em artigo na Nature, que o principal experimento do mundo dedicado ao estudo dos efeitos da fragmentação em florestas tropicais está seriamente ameaçado por assentamentos agrícolas, caçadores e madeireiros

26 de julho de 2007

Na parte superior da foto, linha branca maior marca distrito agropecuário da Suframa. Quadrados vermelhos correspondem às áreas de pesquisa do Inpa. Na parte inferior, região rosada é a área urbana de Manaus (Foto: Inpa)

 

Por Fábio de Castro

Agência FAPESP – O maior e mais antigo experimento do mundo dedicado ao estudo dos efeitos da fragmentação em florestas tropicais está seriamente ameaçado por assentamentos agrícolas, caçadores e madeireiros.

O alerta foi feito na edição desta quinta-feira (26/7) da revista Nature, em artigo assinado pelos pesquisadores Regina Luizão, do departamento de Ecologia do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), e William Laurence, do Instituto de Pesquisas Tropicais Smithsonian, nos Estados Unidos.

O projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (PDBFF), parceria entre o Inpa e o Smithsonian, tem o objetivo de quantificar mudanças no ecossistema da floresta tropical na região de Manaus, que ocorrem à medida que a floresta é fragmentada. Criado há 28 anos, o projeto já gerou mais de 500 artigos, além de 115 teses e dissertações.

As pesquisas são realizadas em fragmentos florestais de 1 a 100 hectares, distribuídos pelo Distrito Agropecuário da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), ligada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. A área, com 1 mil quilômetros quadrados, situa-se a cerca de 40 quilômetros ao norte da capital amazonense.

Coordenadora científica do PDBFF, Regina Luizão define o artigo agora publicado como "um pedido de socorro para a sociedade e para a comunidade científica internacional". Segundo ela, há cerca de cinco anos houve um acirramento nas políticas de colonização da floresta próxima ao projeto, estabelecidas pela Suframa e pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

"A situação é muito grave. Os novos colonos não param de chegar. Conforme os assentamentos se proliferam, agricultores, caçadores e madeireiros sitiam as áreas de estudo", disse à Agência FAPESP.

De acordo com Regina, o PDFBFF tem um valor científico incalculável, devido à sua configuração experimental rigorosa. "Na área de estudos, há fragmentos isolados, mas comparáveis, de 1, 10 e 100 hectares, ilhados em áreas desmatadas desde a década de 1970, quando o projeto começou." Tal característica faz do projeto um verdadeiro laboratório na mata, permitindo o monitoramento antes mesmo de as áreas terem sido alteradas.

Regina afirma que a aceleração da colonização na região começou no fim da década de 1990, após a pavimentação da BR 174, estrada que liga Manaus à Venezuela. Mas, nos últimos anos, a Suframa passou a assentar famílias em áreas diretamente contíguas aos projetos de estudos.

"A Suframa não nos revela o número de assentamentos feitos nos últimos anos, mas é uma onda incessante. Sabemos que há pelo menos seis projetos de colonização a curto prazo, envolvendo 180 famílias. Eles alegam apenas que há uma pressão social para a ocupação e que estão regularizando áreas já invadidas", disse.

De acordo com Regina, as áreas de pesquisa são unidades de conservação legalmente constituídas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) como Áreas de Relevante Interesse Ecológico.

A presença maciça no local, segundo Regina, colocou em risco a própria segurança dos pesquisadores. "No ano passado, as equipes sofreram dois assaltos em acampamentos, com a perda de equipamentos muito caros. Ouvimos ruídos de motosserras durante dias inteiros. Os estudantes voltaram dos acampamentos trazendo cartuchos vazios e relatando terem ouvido tiros", contou Regina.

A queimada em um assentamento contíguo a uma área de estudos causou a perda de duas parcelas de florestas, arruinando trabalhos de pesquisa. "Um pós-doutorando havia coletado dados por um ano para um estudo de interação entre formigas e plantas. Faltavam dois meses para a conclusão quando ele chegou à área isolada e viu que tudo havia sido queimado", disse.

Em 2004, de acordo com a cientista, a Suframa fez uma chamada para a realização de um projeto de Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) no distrito. Produzido pelo Serviço Geológico do Brasil, ligado ao Ministério de Minas e Energia, o relatório concluiu que a região é um hotspot de biodiversidade, ou seja, uma das áreas prioritárias para a conservação global.

"O relatório indica expressamente que a área não é própria para ocupação urbana. A Suframa está ignorando seu próprio documento. Ele ficou pronto em maio de 2006 e até agora não foi tornado público", disse Regina.

De acordo com a cientista, os pesquisadores do PDBFF, com apoio da secretaria estadual de Desenvolvimento Florestal, do Ibama e do Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA), fizeram toda a pressão possível para dissuadir a Suframa de criar assentamentos no local, mas não obtiveram resultados.


Orientar atividades agroindustriais

Procurada pela Agência FAPESP, a Suframa informou que a entrega do estudo de ZEE é apenas o primeiro passo de um amplo processo para sua implementação.

Uma comissão interdepartamental da instituição está finalizando uma análise do conteúdo e recomendações do estudo. "Terminada essa etapa, o ZEE deve obrigatoriamente passar pela Comissão Estadual de Zoneamento Ecológico-Econômico do Amazonas", destaca a nota encaminhada pela assessoria de imprensa da Suframa.

Em seguida, o ZEE será remetido ao Ministério do Meio Ambiente para análise e aprovação e, depois disso, será encaminhado à Assembléia Legislativa do Estado do Amazonas, para ser transformado em lei.

De acordo com a Suframa, o estudo foi encomendado com o objetivo de orientar, de forma sustentável e ambientalmente correta, as atividades agroindustriais no Distrito Agropecuário.

A instituição diz ainda que os trabalhos de alienação de áreas para produtores rurais constituem o fim principal do Distrito Agropecuário e não poderiam ser paralisados. Mas, em 2003, houve uma tentativa de acordo com o Inpa para o estabelecimento de uma área de segurança nas cercanias das parcelas dedicadas a pesquisas estabelecidas em Áreas de Relevante Interesse Ecológico.

"No entanto, houve discordância acerca do raio de extensão, pois o Inpa defendia uma área maior do que a proposta pela Suframa, não havendo definição sobre esse assunto. Mesmo assim, desde esse período não houve assentamento de famílias no entorno da área destinada às pesquisas", informou a Suframa

A instituição afirma dar total apoio aos trabalhos das instituições de pesquisa desenvolvidos na área, sem prejuízo do objetivo-fim do Distrito Agropecuário, que é "o de possibilitar a atividade de produtores rurais mediante rígidos critérios, de forma sistemática e organizada, de modo a viabilizar a ocupação e exploração econômica, ecologicamente correta e socialmente desejável das áreas ocupadas com atividades agrícolas e agroindustriais".

O artigo Driving a wedge into the Amazon, de William Laurance e Regina Luizão, pode ser lido por assinantes da Nature em www.nature.com.


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