Interação permite a regeneração da enzima após a oxidação, restaurando sua função antioxidante (imagem: Rogério Aleixo/BioRender)
Achados contribuem para a busca de novos alvos contra infecções hospitalares
Achados contribuem para a busca de novos alvos contra infecções hospitalares
Interação permite a regeneração da enzima após a oxidação, restaurando sua função antioxidante (imagem: Rogério Aleixo/BioRender)
Agência FAPESP * – Ao longo da evolução, microrganismos patógenos, como bactérias, vírus e fungos, desenvolveram estratégias de defesa sofisticadas para sobreviver e se multiplicar no ambiente hostil de seus hospedeiros. Esses mecanismos aumentam sua virulência e tornam o combate às infecções mais difícil. Uma das estratégias mais eficazes é a neutralização de oxidantes liberados pelas células de defesa para eliminar invasores.
O grupo do pesquisador Luis Eduardo Soares Netto, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP) e do Centro de Processos Redox em Biomedicina (Redoxoma), descreve como a proteína LsfA (uma peroxirredoxina do tipo 1-Cys) protege a bactéria Pseudomonas aeruginosa contra o peróxido de hidrogênio produzido durante a resposta imunológica. A LsfA catalisa a eliminação de hidroperóxidos utilizando o ascorbato (vitamina C) como redutor, o que reforça a defesa antioxidante da bactéria.
O Redoxoma é um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) financiado pela FAPESP e sediado no Instituto de Química (IQ) da USP.
“Uma grande contribuição do nosso trabalho é a determinação estrutural de uma proteína envolvida na virulência de uma bactéria de importância médica. Também demonstramos que o ascorbato pode atuar como redutor em um sistema celular, o que é algo novo. Em termos técnicos, somos os primeiros a usar a sonda HyPer7 em Pseudomonas”, afirmou Rogério Luis Aleixo Silva, pesquisador da University of Massachusetts Chan Medical School, dos Estados Unidos, e ex-bolsista da FAPESP, que participou da investigação como doutorando do IB-USP.
Os dados estruturais inéditos obtidos no estudo podem abrir novas oportunidades para o desenvolvimento de inibidores específicos da enzima bacteriana, impulsionando o avanço de novas estratégias terapêuticas.
“Esse é o primeiro trabalho com a caracterização bioquímica e estrutural de uma Prx6 de bactéria. Na literatura, entre os três grandes domínios da vida – Eubacteria, Archaea e Eukarya – já existem muitas estruturas resolvidas de Prx6, principalmente em arqueias e mamíferos, inclusive humanos. Mas esta é a primeira estrutura de uma Prx6 de bactéria. A E. coli, que é um modelo clássico de bactéria, não possui Prx6”, comenta Netto.
Os resultados da pesquisa foram descritos em artigo publicado na revista Redox Biology.
Sistema antioxidante
A Pseudomonas aeruginosa é uma bactéria oportunista que provoca infecções principalmente em pessoas com o sistema imunológico debilitado. Ela é responsável por vários tipos de infecções hospitalares, incluindo pneumonias em pacientes com fibrose cística, infecções urinárias, infecções em queimaduras e feridas cirúrgicas, além de endocardite e septicemia. Sua resistência a antibióticos a torna um dos patógenos bacterianos prioritários para o desenvolvimento de novos tratamentos na lista da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Quando infectado por um patógeno, o organismo reage mobilizando suas defesas imunológicas, como os fagócitos, células que combatem microrganismos liberando espécies reativas de oxigênio, nitrogênio e cloro. Diante desse estresse oxidativo, bactérias como a P. aeruginosa ativam mecanismos de proteção que envolvem diversas proteínas antioxidantes, entre elas as peroxirredoxinas (Prxs).
A LsfA é uma peroxirredoxina da subfamília Prx6 presente na P. aeruginosa e associada à virulência bacteriana. No novo trabalho, os pesquisadores aprofundaram a compreensão dos mecanismos moleculares envolvidos em sua função protetora, mostrando que, embora a P. aeruginosa disponha de um arsenal de enzimas antioxidantes, a LsfA se destaca por sua alta eficiência na decomposição do peróxido de hidrogênio.
Uma descoberta central do estudo é a interação entre a LsfA e o ascorbato. Em 2007, o grupo de Netto mostrou que essa vitamina pode reduzir o ácido sulfênico formado na oxidação das peroxirredoxinas 1-Cys, desafiando a visão predominante de que essas enzimas dependem exclusivamente da reciclagem por tióis. Um tiol é um composto orgânico que contém um átomo de enxofre ligado a um átomo de hidrogênio, análogo do enxofre dos álcoois. Tióis desempenham funções importantes como antioxidantes, ajudando a proteger as células.
Embora o papel da vitamina C como redutor de Prx ainda não seja totalmente compreendido em sistemas biológicos, as análises estruturais da pesquisa sugerem que o ascorbato interage diretamente com o sítio ativo da LsfA. Essa interação permite a regeneração da enzima após a oxidação, restaurando sua função antioxidante.
Inibidor
Como a LsfA bacteriana possui uma homóloga humana, qualquer inibidor potencial deve ter como alvo apenas a forma bacteriana, sem afetar a humana. Os pesquisadores mostraram que, embora estruturalmente semelhante a outras proteínas Prx6, a LsfA bacteriana apresenta propriedades eletrostáticas distintas, o que significa que os sítios ativos apresentam cargas diferentes. Essas diferenças influenciam a forma como um inibidor interage com cada versão da enzima.
“A vantagem do nosso estudo é que, além de resolver a estrutura, usamos o docking in silico para mostrar algumas das interações entre a LsfA e o ascorbato que talvez possam ser mimetizadas por um inibidor”, antecipa Aleixo-Silva.
Segundo Netto, os próximos passos incluem uma investigação mais aprofundada sobre o metabolismo do ascorbato em P. aeruginosa, além de estudos usando modelos de macrófagos para avaliar como a exclusão da LsfA afeta tanto a defesa bacteriana quanto as respostas inflamatórias do hospedeiro.
O artigo Interaction between 1-Cys peroxiredoxin and ascorbate in the response to H2O2 exposure in Pseudomonas aeruginosa pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2213231725001715.
* Com informações de Maria Celia Wider, do Redoxoma.
A Agência FAPESP licencia notícias via Creative Commons (CC-BY-NC-ND) para que possam ser republicadas gratuitamente e de forma simples por outros veículos digitais ou impressos. A Agência FAPESP deve ser creditada como a fonte do conteúdo que está sendo republicado e o nome do repórter (quando houver) deve ser atribuído. O uso do botão HMTL abaixo permite o atendimento a essas normas, detalhadas na Política de Republicação Digital FAPESP.