Perigo constante
22 de maio de 2006

Estudo feito na Fiocruz avalia a exposição de policiais militares e civis à violência. Número de mortes por homicídio na PM é sete vezes maior do que na população em geral, com ocorrências mais freqüentes durante os "bicos"

Perigo constante

Estudo feito na Fiocruz avalia a exposição de policiais militares e civis à violência. Número de mortes por homicídio na PM é sete vezes maior do que na população em geral, com ocorrências mais freqüentes durante os "bicos"

22 de maio de 2006

 

Por Washington Castilhos, do Rio de Janeiro

Agência FAPESP - Um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) avaliou o quanto os policiais do Rio de Janeiro estão expostos à violência. A pesquisa, realizada entre 2000 e 2004, com 1.400 policiais militares e 1.700 civis, traçou um amplo diagnóstico da saúde, das condições de trabalho e da qualidade de vida desses policiais e também da Guarda Municipal e concluiu haver um aumento da exposição à violência, tendo em conta as agressões letais e não-letais sofridas pelos profissionais.

Segundo o estudo, em termos de risco, das três categorias a PM é a que está mais exposta à violência, sendo também a mais vitimizada. "A guarda municipal sofre confrontos menos violentos que a PM, em geral com camelôs, e normalmente são vítimas de pauladas e pedradas. Já o soldado militar está mais exposto, sendo vítima de armas de fogo", afirma a sanitarista e epidemiologista Edinilsa Ramos de Souza, do Centro Latino-Americano de Violência e Saúde (Claves) da Fiocruz, à Agência FAPESP.

O estudo avaliou a vitimização de ferimentos e de mortalidade. Em 2000, a taxa de mortalidade na população geral no Rio de Janeiro foi de 49,5 para cada 100 mil habitantes. A taxa de mortalidade especificamente de homens foi de 97,6, enquanto a mortalidade de policiais civis foi de 206,8 e na corporação da Polícia Militar chegou a 356,2, todos índices para cada 100 mil habitantes.

"É um número de homicídios quase quatro vezes maior para policiais militares na comparação com a população masculina – considerada a mais vulnerável a esse risco – e 7,2 vezes maior do que na população em geral da cidade", avalia Edinilsa, autora da pesquisa junto com Maria Cecília de Souza Minayo, também do Claves.

Ainda segundo o estudo, se comparada às outras duas categorias, a PM tem uma chance de morrer por homicídio 6,4 maior do que a da Guarda Municipal e 1,7 maior que a da Polícia Civil.

Em termos de agressões não-letais, o estudo mediu o número de internações hospitalares. A taxa, na população geral, foi de 0,10 por mil habitantes e de 0,34 por mil habitantes na população masculina. Na Guarda Municipal, ficou em 4,5 e na PM em 9,29 para cada mil habitantes.

O estudo constatou também que a taxa de morbidade – risco de doença – da PM na cidade do Rio de Janeiro foi 92,9 vezes maior do que a taxa da população em geral da cidade.

Segundo a Fiocruz, esse é o primeiro estudo no país a investigar essas categorias profissionais pelo ponto de vista da saúde do trabalhador. Os maiores problemas de saúde apresentados foram de audição, dores osteomusculares, estresse, insônia, falta de apetite e vontade de chorar. "Sintomas típicos de quem está passando por problemas de fundo emocional", observa Edinilsa.


Risco inerente

O que chamou a atenção das pesquisadoras da Fiocruz foi o fato de a grande maioria das agressões letais e não-letais contra policiais ocorrer em períodos de folga. "Quando estão em serviço, eles estão sempre acompanhados por colegas e mais armados. O problema é que boa parte deles faz os chamados bicos durante as folgas, quando não contam com os aparatos policiais e são então pegos de forma desprevenida", analisa Edinilsa.

Se são nos períodos de folga – quando fazem "bicos" – que morrem mais policiais, os baixos salários podem ser apontados, segundo a sanitarista, como uma das principais causas da exposição da categoria à violência. "Pelo fato de terem um salário que não dá conta de suas necessidades, os policiais têm que procurar outras fontes de renda, as quais os expõem mais aos riscos", observa.

Outra possível causa da vitimização de policiais é, segundo Edinilsa, a formação profissional. "A capacitação e o treinamento são precários. Eles são enviados para a rua, se expõem aos riscos e a formação não dá conta. Além disso, há queixas muito grandes dos equipamentos utilizados", diz.

As altas taxas de violência contra policiais levantadas pelo estudo têm, segundo a pesquisadora da Fiocruz, estreita relação com o aumento da criminalidade, hoje muito mais organizada e armada. Dados da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) mostram um aumento de 80,7% na taxa de ocorrências criminais no Brasil no período entre 2000 e 2003. No Rio, o aumento foi de 34,1%, e em São Paulo ficou em 20%.

Nas taxas de homicídio doloso houve uma leve redução de 4,3% no país. Em São Paulo, a queda foi de 18,9%, enquanto no Rio de Janeiro foi observado um crescimento de 2,5% nesse mesmo período.

Apesar disso, os policiais entrevistados na pesquisa consideram o risco inerente à profissão. "Eles se percebem como profissionais em constante perigo. Perguntamos se gostariam de mudar de profissão e a grande maioria afirmou estar satisfeita", aponta Edinilsa.

A pesquisa foi publicada na revista Ciência e Saúde Coletiva, da Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco).


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