Catadores de caranguejo em ação na Paraíba: observação da boca da toca é fundamental para identificação do sexo e do tamanho do animal
(foto: Rômulo Nóbrega)

Percepção popular
30 de novembro de 2005

Catadores de caranguejo da Paraíba apresentam grande conhecimento empírico da história natural das espécies coletadas, segundo estudo feito na UFPB. Trabalho reforça a tese de que as comunidades locais devem ser ouvidas na elaboração dos planos de manejo de animais

Percepção popular

Catadores de caranguejo da Paraíba apresentam grande conhecimento empírico da história natural das espécies coletadas, segundo estudo feito na UFPB. Trabalho reforça a tese de que as comunidades locais devem ser ouvidas na elaboração dos planos de manejo de animais

30 de novembro de 2005

Catadores de caranguejo em ação na Paraíba: observação da boca da toca é fundamental para identificação do sexo e do tamanho do animal
(foto: Rômulo Nóbrega)

 

Por Eduardo Geraque

Agência FAPESP - Uma simples olhada na boca da toca do caranguejo-uçá (Ucides cordatus), no manguezal localizado no estuário do rio Mamanguape, no litoral norte da Paraíba. Apenas com isso os catadores de caranguejo conseguem saber o tamanho e o sexo do animal entocado.

Ao transformar informações empíricas em dados científicos, pesquisadores da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) conseguiram dar a real dimensão da percepção popular dos catadores. O índice de acerto é bem representativo.

Depois de selecionar dez catadores, cada um com mais de 20 anos de experiência em mergulhar os braços na lama do manguezal, os cientistas acompanharam as coletas no local. Longas entrevistas foram feitas com os participantes com o objetivo de entender como raciocinavam no momento do trabalho. Os resultados da pesquisa estão publicados na edição de novembro do periódico inglês Journal of Ethnobiology and Ethnomedicine.

"Apenas com a observação da boca da toca eles mostraram ter um conhecimento popular bastante grande sobre a biologia dos caranguejos", afirma Alberto Nishida, professor do Departamento de Sistemática e Ecologia da Universidade Federal da Paraíba da UFPB, à Agência FAPESP. Em termos da identificação do sexo, o índice de acerto foi de 75,2%. No experimento foram coletados 210 exemplares.

Segundo o conhecimento popular, o fato de ser fêmea ou macho pode ser identificado pelas marcas ao redor da toca. Como os machos têm pêlos nas patas, eles costumam deixar mais rastros. Já o tamanho do animal estaria relacionado diretamente à largura da boca da toca. Os testes estatísticos feitos a partir dos crustáceos coletados confirmaram que, a cada 1 centímetro de aumento na carapaça do animal, a toca ganha praticamente isso, ou 0,98 centímetro em média.

"O trabalho mostra que ações voltadas para a conservação e o manejo do caranguejo-uçá devem considerar ainda o conhecimento dos catadores sobre a situação de estoques naturais, sua dinâmica populacional e a utilização do hábitat. Esse tipo de conhecimento também é importante para subsidiar novos estudos", explica Rômulo Nóbrega, principal autor do estudo e aluno de doutorado do professor Nishida.

Apesar do bom conhecimento de campo, os catadores na Paraíba estão em sérias dificuldades financeiras desde o final dos anos 1990, quando um fungo dizimou a população de crustáceos da região. Essa pressão socioeconômica grande, segundo os pesquisadores, fez com que as comunidades desrespeitassem as leis e coletassem animais muito pequenos e até mesmo fêmeas. Hoje, é proibido coletar animais com menos de 4,5 centímetros de comprimento de carapaça. Durante a pesquisa, vários caranguejos coletados estavam abaixo desse limite.

Para Nóbrega, muito das distorções poderiam ser corrigidas se a valorização cultural desses grupos sociais fosse maior. "As experiências dos mais velhos e suas percepções devem ser levadas em consideração quando se tomam decisões que envolvam essas populações. Isso é essencial para o correto manejo da espécie", aponta o cientista.

www. ethnobiomed.com


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