A investigação consistiu em perguntar para médicos emergencistas se eles se surpreenderiam caso o paciente recém-atendido na sala de emergência viesse a falecer em um ano (foto: Freepik*)
Conclusão é de estudo que envolveu mais de 700 pessoas atendidas no Hospital das Clínicas de São Paulo. Achado pode ajudar a detectar, já na sala de emergência, indivíduos com alto risco de mortalidade hospitalar
Conclusão é de estudo que envolveu mais de 700 pessoas atendidas no Hospital das Clínicas de São Paulo. Achado pode ajudar a detectar, já na sala de emergência, indivíduos com alto risco de mortalidade hospitalar
A investigação consistiu em perguntar para médicos emergencistas se eles se surpreenderiam caso o paciente recém-atendido na sala de emergência viesse a falecer em um ano (foto: Freepik*)
Maria Fernanda Ziegler | Agência FAPESP – A primeira impressão é a que fica. O ditado popular que expressa a capacidade humana de analisar e criar conclusões de forma rápida também vale para a sala de emergência de hospitais, sugere estudo feito com 725 adultos atendidos no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP).
Apoiado pela FAPESP e publicado no BMJ Supportive & Palliative Care, o trabalho mostrou que, na comparação entre a opinião do médico emergencista sobre a probabilidade de recuperação do paciente e um escore preditivo calculado por um modelo de inteligência artificial (IA), a impressão humana se aproximou mais da realidade, com acurácia de 79,2%.
“Em um mundo de modelos preditivos baseados em inteligência artificial, o estudo buscou analisar o valor do olhar médico e a importância da primeira impressão deste profissional sobre o doente. Eu sou um grande entusiasta de IA, mas os resultados trazem algo que vai na contramão do que estamos estudando atualmente: o olhar do médico importa e muito”, afirma Júlio César Garcia de Alencar, professor da Faculdade de Medicina de Bauru (FMBRU-USP) e coautor do artigo.
A investigação consistiu em perguntar para médicos emergencistas se eles se surpreenderiam caso o paciente recém-atendido na sala de emergência viesse a falecer em um ano. Após essa primeira análise, o grupo de pesquisadores acompanhou os 725 pacientes durante a internação para checar se o desfecho condizia com a opinião dos profissionais. Vale destacar que todos participantes do estudo foram classificados como casos graves.
“O interessante aqui é notar que o médico tinha poucas informações sobre as condições prévias de saúde do paciente, apenas o relato do enfermeiro que fez a triagem, com a queixa principal do indivíduo e a classificação de risco baseada no protocolo de Manchester, que orienta sobre a urgência de atendimento por meio do uso de pulseiras com diferentes cores [vermelho, risco de morte; laranja, casos urgentes; amarelo, risco não imediato; verde, casos menos graves; e azul, sem urgência]. Era só o olhar, o conhecimento dele e as experiências anteriores que, de fato, contaram para essa avaliação”, explica Alencar.
O trabalho comparou os resultados com um escore clínico preditivo potencialmente utilizado em IA. “Confrontamos a opinião dos médicos com o The Quick Sequential Organ Failure Assessment [qSOFA], um escore validado desde 2016 e que vem ganhando espaço na medicina justamente por ter poucas variáveis clínicas, como frequência respiratória, pressão arterial e nível de consciência”, conta.
Desdobramentos
Além de explorar a questão “humanos versus máquina”, o estudo apresenta desdobramentos interessantes, que podem ser implantados na sala de emergência dos hospitais. Isso porque o trabalho é o primeiro a utilizar a “pergunta surpresa” (você se surpreenderia se o paciente atendido viesse a falecer em um ano?) no departamento de emergência.
A pergunta surpresa é uma estratégia validada como ferramenta de triagem para pacientes que deveriam ser acompanhados por equipes de cuidados paliativos – abordagem médica que melhora a qualidade de vida de pacientes e familiares diante de doenças terminais, por meio do alívio do sofrimento e tratamento da dor.
Estudos anteriores já tinham demonstrado a acurácia da pergunta surpresa em grupos específicos, como pacientes que fazem hemodiálise ou com doença de Alzheimer.
No estudo realizado na sala de emergência do Hospital das Clínicas de São Paulo, os médicos afirmaram, em 20% dos casos, que não se surpreenderiam se os pacientes admitidos viessem a falecer em um ano. “Isso mostra que existe algum critério, pensando em terminalidade. Portanto, há a necessidade de, no futuro, adequar as condutas do Departamento de Emergência ao prognóstico do paciente, ou seja, trazer a possibilidade de cuidados paliativos já para a sala de emergência, para prestar assistência ao doente e à sua família”, diz Alencar à Agência FAPESP.
O pesquisador ressaltou, no entanto, que são necessários mais estudos antes de implementar alguma intervenção nesse sentido. “Essa é a fase 2 do nosso projeto. O próximo passo será investigar a possibilidade de um plano de intervenções com base nos cuidados paliativos para esse paciente”, adianta.
O artigo The Physician Surprise Question in the Emergency Department: prospective cohort study pode ser lido em: https://spcare.bmj.com/content/early/2024/02/05/spcare-2024-004797.
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