O vôo de Gerión na representação de Gustave Dore

O vôo de Gerión
07 de abril de 2005

Divina Comédia, obra-prima de Dante Alighieri, fazia referências ao princípio da invariância, descrito por Galileu Galilei três séculos depois. Artigo que defende a tese é publicado na revista Nature

O vôo de Gerión

Divina Comédia, obra-prima de Dante Alighieri, fazia referências ao princípio da invariância, descrito por Galileu Galilei três séculos depois. Artigo que defende a tese é publicado na revista Nature

07 de abril de 2005

O vôo de Gerión na representação de Gustave Dore

 

Agência FAPESP - O escritor italiano Dante Alighieri (1265-1321), apesar de abusar da ficção em sua obra-prima Divina Comédia, escrita em 1310, tinha boas noções de física. Essa é a tese central de um artigo publicado na edição desta quinta-feira (7/4) da revista Nature, escrito por Leonardo Ricci, do Departamento de Física da Universidade de Trento, na Itália.

Para Ricci, o canto XVII do livro Inferno – a obra, que tem ainda os volumes Purgatório e Paraíso, é formada por cem cantos – é emblemático. Ao ilustrar o vôo do monstro Gerión, o veículo utilizado pelo autor para passar do círculo sete para o oito do Inferno – cada um dos lugares foi dividido em nove círculos –, Dante não poderia ter imaginado certas situações, segundo o pesquisador, sem ter refletido com base em determinados princípios físicos.

Para o pesquisador italiano, está claro que alguns trechos do poema estão calcados em conceitos como o da inércia e o da uniformidade do movimento. "A direção do vôo do monstro – e Dante está no dorso dele –, por exemplo, é indicada pela decomposição vetorial", escreve. Segundo as palavras do escritor, ele conseguia sentir o vento sobre a face (componente vertical) e também sob ele (direção horizontal).

"É difícil sustentar a idéia de que a descrição detalhada do que é visto e a da velocidade sempre lenta do deslocamento do vôo do monstro sejam totalmente acidentais", aponta Ricci. Para o cientista, o fato de Dante usar desse artifício do vôo em outros momentos da obra, e sempre com a mesma precisão, reforça a tese de que, mesmo inconsciente, os princípios físicos estavam ali presentes.

Foi em 1632 que Galileu Galilei descreveu com todas as letras o princípio da invariância. Em linhas gerais, o também italiano demonstrou que as massas inercial e gravitacional de um corpo são coincidentes. Galileu enfatizou que a invariância consiste no fato de todos os corpos terem aproximadamente a mesma aceleração quando começam a cair - a aceleração da gravidade determinada pela massa e tamanho do planeta onde vão cair.

Eram os primeiros passos da relatividade? Ou será que o autor do canto XVII – Vôo de Gerión – também já sabia disso e por isso conseguiu descrever todas as cenas do inferno com exatidão física? Eis um dos trechos citados por Ricci: "Ela girava lenta (a fera), descansada; que descia. Senti-o tão somente por dar-me ao rosto súbita lufada."

O artigo Dante’s insight into galilean invariance, de Leonardo Ricci, pode ser lido no site da Nature, em www.nature.com


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