O difícil fim da pólio
29 de março de 2004

Em meio a uma batalha para livrar o mundo da poliomielite, a OMS enfrenta dificuldades maiores do que se imaginava. Novos surtos, problemas para administrar a vacina e a grande resistência do vírus são alguns dos obstáculos a vencer

O difícil fim da pólio

Em meio a uma batalha para livrar o mundo da poliomielite, a OMS enfrenta dificuldades maiores do que se imaginava. Novos surtos, problemas para administrar a vacina e a grande resistência do vírus são alguns dos obstáculos a vencer

29 de março de 2004

 

Agência FAPESP - "Em 2004, o mundo tem a maior – e provavelmente a última – chance de acabar para sempre com a poliomielite. Trata-se de uma oportunidade histórica e única de terminar com a transmissão do vírus da doença."

As palavras esperançosas estão em comunicado emitido em janeiro pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que declarou guerra contra a poliomielite, lançando uma nova campanha de vacinação em massa com a qual pretende imunizar 175 milhões de crianças em regiões onde a doença ainda persiste. A estimativa é que os gastos com a iniciativa cheguem a US$ 450 milhões apenas este ano.

Apesar de todos os esforços da OMS, que tem na erradicação da doença uma de suas prioridades, o sucesso da campanha não está garantido. Depois de anos em que o número de casos despencou em todo o mundo – de 350 mil em 125 países, em 1988, para 700 em sete países, em 2003 – as últimas notícias não são animadoras.

Na Nigéria, o número de casos tem disparado desde o ano passado, chegando a 355 no início do mês, o que equivale à metade dos casos em todo o mundo em 2003. O crescimento acionou um alarme, obrigando as autoridades sanitárias a reforçar as vacinações nos países vizinhos.

O surto na Nigéria não é um fato isolado. Segundo a revista Science, que publicou um especial sobre a poliomielite na edição de 26/3, a ocorrência dá seqüência aos surtos que atingiram o Caribe, em 2000 e 2001, e a Índia, em 2002. Os países onde o vírus da poliomielite ainda está presente são a Índia, Paquistão, Afeganistão, Nigéria, Egito, Níger e Somália.

Além de o vírus ter se mostrado mais resistente do que os especialistas em saúde poderiam imaginar, o surto que atingiu o Caribe trouxe à luz outro problema, o de que o vírus empregado na produção da vacina pode, em raras circunstâncias, não apenas se reverter em uma forma virulenta, mas disparar uma epidemia. Ou seja, a única forma de erradicar a doença pode também perpetuá-la.

Outra dificuldade que a OMS irá enfrentar é que, até hoje, apenas uma outra doença foi erradicada, a varíola, cujo último caso ocorreu em 1977. Pelas características da poliomielite e dificuldades da vacinação – que deve ser feita duas vezes por ano ou mais em locais em que as crianças sofrem de problemas como diarréia –, a campanha de erradicação da doença é considerada muito mais complexa.

Segundo a OMS, a erradicação da pólio, além de eliminar a doença, fará com que os países economizem dinheiro, uma vez que, a partir de um certo momento, a vacinação não será mais necessária. Alguns especialistas discordam. "Eles estão comparando com a varíola, mas isso não deve ser feito. Para poder suspender a vacinação, temos que estar certos de que a poliomielite não irá retornar. Mas como podemos saber isso? Conhecemos indicadores contrários, como o de que o vírus da vacina pode se tornar virulento e permanecer na natureza por longo tempo. Há também suspeitas de que pessoas com anormalidades congênitas podem excretar o vírus da vacina por anos", disse o norte-americano Donald Henderson, da Universidade de Pitsburgh, para a revista New Scientist.

Henderson é uma das maiores autoridades no assunto, tendo chefiado a campanha pela erradicação da varíola da OMS desde o início, em 1966, até que o mundo se viu livre da doença. Para ele, o esforço da organização em relação à poliomielite é despropositado. "É um dos principais problemas dos países em desenvolvimento? Não. A malária, por exemplo, é muito pior", disse.

Para o cientista, a solução seria continuar a vacinação. Para sempre. "A vacina contra a poliomielite é uma das mais simples e baratas de todas as existentes. Então, por que simplesmente não continuamos a oferecê-la?"


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