Mycobacterium avium (imagem) e Mycobacterium abscessus) são espécies de micobactérias que exigem tratamentos longos, demorados e que nem sempre funcionam (Wikipedia)
Cientistas sintetizaram molécula que interrompe o crescimento de micobactérias sem afetar proteínas humanas semelhantes
Cientistas sintetizaram molécula que interrompe o crescimento de micobactérias sem afetar proteínas humanas semelhantes
Mycobacterium avium (imagem) e Mycobacterium abscessus) são espécies de micobactérias que exigem tratamentos longos, demorados e que nem sempre funcionam (Wikipedia)
Daniel Rangel | Agência FAPESP* – Pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e parceiros internacionais desenvolveram uma molécula capaz de inibir uma enzima-chave no metabolismo de micobactérias causadoras de doenças pulmonares. Mycobacterium avium e Mycobacterium abscessus são espécies de micobactérias que exigem tratamentos longos, demorados e que nem sempre funcionam.
Na busca de uma solução para esse problema, pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento se uniram para desenvolver uma molécula capaz de inibir a atividade de uma enzima essencial para a micobactéria que, futuramente, poderá ser utilizada em testes para avaliar seu potencial terapêutico contra doenças pulmonares. O estudo foi publicado na revista científica Journal of Medicinal Chemistry.
As micobactérias não tuberculosas (MNT) são um grupo diverso de bactérias que podem infectar o pulmão, o sistema linfático, a pele e os ossos. Elas pertencem ao mesmo gênero da micobactéria causadora da tuberculose, o Mycobacterium tuberculosis, mas apresentam características e comportamentos distintos. Em muitos países desenvolvidos, são vistas como causadoras de doenças emergentes e são mais predominantes do que as causadoras da tuberculose.
Desafios e estratégias
O desenvolvimento de medicamentos direcionados a alvos específicos — aqueles que visam uma proteína com papel-chave em determinada doença — enfrenta um desafio crítico: a ação da molécula não se restringe, muitas vezes, à proteína de interesse. Ela pode interagir também com outras proteínas do organismo ou do próprio paciente, resultando em efeitos indesejados e complicando o tratamento. A enzima DHFR (di-hidrofolato redutase) é um destes casos. Micobactérias e seres humanos produzem a DHFR que está associada à produção de precursores do DNA e RNA, por isso é um alvo interessante para interromper o processo de infecção da micobactéria. Entretanto, não é desejável que a molécula interaja com a proteína humana, afetando a saúde do paciente.
Para superar esse desafio, os pesquisadores identificaram regiões da proteína que só as micobactérias possuem e desenvolveram moléculas capazes de se encaixar nessa porção específica da proteína.
O desenvolvimento da nova molécula teve como ponto de partida uma outra, usada no tratamento contra a malária, a p218, cuja estrutura química foi alterada para a realização dos testes. Entre os novos compostos sintetizados e testados, um deles mereceu destaque por sua eficiência contra o crescimento das micobactérias e baixa afinidade com proteínas humanas. Com a mudança na estrutura química da molécula, os pesquisadores aumentaram a capacidade de inibir a enzima de micobactéria ao mesmo tempo que diminuíram sua ação em proteínas semelhantes às de humanos.
“Essa nova molécula tem menor atividade inibitória nas enzimas humanas e maior inibição da enzima presente nas micobactérias, um efeito de extrema relevância para o desenvolvimento de um fármaco que seja capaz de matar as micobactérias patogênicas sem causar danos ao paciente infectado”, afirma Rafael Couñago, pesquisador do INCT Centro de Química Medicinal de Acesso Aberto e do Structural Genomics Consortium (SGC) que atuou na pesquisa.
Sintetizando novas moléculas
Ao todo foram sintetizados e avaliados 18 análogos da molécula p218. Para sintetizar moléculas capazes de interagir de modo específico com a região da proteína bacteriana, os autores Ronaldo Pilli, do Instituto de Química da Unicamp, e Matheus Meirelles, que desenvolveu o estudo com bolsa de doutorado da FAPESP, precisaram desenvolver uma nova forma de síntese, diferente do que já estava descrito na literatura científica.
“Foi preciso planejar e executar uma sequência de reações químicas para conseguir as mudanças estruturais necessárias para aumentar a interação da molécula com a enzima DHFR das micobactérias, de modo a diminuir sua interação com a DHFR humana. Essas modificações foram guiadas pelos estudos cristalográficos realizados com vários dos compostos sintetizados”, explica Pilli, um dos orientadores do trabalho. As moléculas foram sintetizadas em seu laboratório e testadas em proteínas produzidas no Centro de Química Medicinal (CQMED) da Unicamp e em culturas de micobactérias por pesquisadores de outros países.
Cientistas da Universidade de Dundee contribuíram com os testes em camundongos e pesquisadores da Universidade do Kansas, juntamente com especialistas de Seattle, trabalharam na parte de biologia estrutural. A equipe de Montreal, no Canadá, realizou os testes nas micobactérias, avaliando a capacidade da molécula de inibir o crescimento de culturas. “Cada grupo fez uma parte essencial do trabalho e juntos foi possível apresentar os resultados no artigo científico”, comenta Couñago.
Em testes iniciais com camundongos, os pesquisadores notaram que foi preciso uma grande quantidade de moléculas para alcançar os efeitos desejados: elas se ligaram a proteínas do plasma sanguíneo do animal, tornando-se indisponíveis para atuar em seu alvo. Os pesquisadores supõem que novas alterações na estrutura química do composto podem reverter esse problema.
O estudo Rational Exploration of 2,4-Diaminopyrimidines as DHFR Inhibitors Active against Mycobacterium abscessus and Mycobacterium avium, Two Emerging Human Pathogens pode ser lido em: https://pubs.acs.org/doi/10.1021/acs.jmedchem.4c01594.
* Daniel Rangel é bolsista de jornalismo científico da FAPESP vinculado ao INCT Centro de Química Medicinal de Acesso Aberto.
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