Nova espécie de água-viva descrita para o Brasil, Aurelia cebimarensis foi nomeada em homenagem ao Centro de Biologia Marinha da USP (CEBIMar) e pode ser encontrada na praia onde ficam as instalações do centro, em São Sebastião (foto: Alvaro Migotto)

Nova descrição aumenta de sete para 28 o número de espécies conhecidas de gênero de águas-vivas
12 de novembro de 2021
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Por meio de análises genéticas de animais marinhos distribuídos no mundo todo, pesquisadores reclassificaram os integrantes do gênero Aurelia, que tem espécies muito parecidas entre si; trabalho é essencial para estratégias de conservação

Nova descrição aumenta de sete para 28 o número de espécies conhecidas de gênero de águas-vivas

Por meio de análises genéticas de animais marinhos distribuídos no mundo todo, pesquisadores reclassificaram os integrantes do gênero Aurelia, que tem espécies muito parecidas entre si; trabalho é essencial para estratégias de conservação

12 de novembro de 2021
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Nova espécie de água-viva descrita para o Brasil, Aurelia cebimarensis foi nomeada em homenagem ao Centro de Biologia Marinha da USP (CEBIMar) e pode ser encontrada na praia onde ficam as instalações do centro, em São Sebastião (foto: Alvaro Migotto)

 

André Julião | Agência FAPESP – Com diâmetro que pode variar entre dez e 46 centímetros – do tamanho de um prato de sobremesa, podendo chegar ao de um disco de vinil – as águas-vivas do gênero Aurelia são transparentes e têm aspecto gelatinoso. Podem ser encontradas em ambientes costeiros no mundo todo e, até recentemente, eram reconhecidas como pertencentes a sete espécies. Mas um estudo que reuniu pesquisadores de Brasil, Argentina e Estados Unidos elevou esse número para 28.

As descrições são essenciais para novas investigações sobre o gênero, um dos mais estudados entre as águas-vivas. A delimitação das espécies também contribui para estratégias de conservação em meio às alterações ambientais causadas pelas mudanças no clima. Os resultados foram divulgados na revista PeerJ.

“A proposta inicial era tentar entender o que estava acontecendo com esses animais no litoral brasileiro, mas acabou se expandindo quando tive a possibilidade de analisar animais do mundo inteiro. Ficou claro que a questão era mais complexa, pois demandava entender o contexto global antes de estabelecer as espécies que ocorriam no Brasil”, conta Jonathan Lawley, primeiro autor do estudo, realizado durante seu mestrado no Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP) com bolsa da FAPESP.

Parte do trabalho foi conduzida no Museu Nacional de História Natural da Smithsonian Institution, nos Estados Unidos, também com apoio da FAPESP. Em Washington, Lawley pôde analisar a grande coleção do museu, composta de animais coletados no mundo inteiro.

Além disso, na Smithsonian, ele recebeu exemplares depositados em outras instituições norte-americanas. Em outra viagem, analisou ainda espécimes do Museu de Zoologia da Universidade de Copenhagen, na Dinamarca. O pesquisador percebeu que a diferenciação era impossível comparando apenas características morfológicas dos animais, muitos sem nenhuma diferença entre si. Análises genéticas mostraram, contudo, que se tratavam de espécies diferentes.

“Estudar águas-vivas não é fácil. Primeiro, porque são animais que possuem apenas uma estrutura dura no corpo. Então, é muito difícil que o corpo dele se mantenha no longo prazo para podermos fazer medidas. Além disso, são animais gelatinosos, que podem encolher até 40% do volume com a preservação, já que contêm muita água. Outro fator importante é que algumas espécies são muito parecidas entre si”, explica André Morandini, professor do IB-USP e vice-diretor do Centro de Biologia Marinha (CEBIMar), também da USP.

O trabalho integra o projeto “Reconhecendo a diversidade de águas-vivas (Medusozoa, Rhopaliophora)”, apoiado pela FAPESP e coordenado por Morandini.

Genética

O estudo contribui para um debate que dura mais de 200 anos sobre quantas espécies compreendem o gênero de águas-vivas Aurelia. A primeira a ser reconhecida pela taxonomia moderna de Carl von Linné (1707-1778) foi Aurelia aurita, descrita pelo próprio Linné em 1758.

Outras descrições vieram, elevando de oito para 13 espécies, com algumas sendo descritas e outras invalidadas. Até o começo dos anos 2000, três eram aceitas como válidas além de A. aurita: A. labiata, que tem uma boca característica, que lembra um lábio humano; A. limbata, do Ártico, com bordas amarronzadas, e A. marginalis, que ocorre no Golfo do México e no leste dos Estados Unidos.

Com o uso de ferramentas de genética, foram reconhecidas mais três espécies em 2016, todas no Mediterrâneo: A. coerulea, A. relicta e A. solida. Outras foram delimitadas usando informações de marcadores moleculares, mas não foram descritas formalmente, pois não contavam com dados morfológicos suficientes para serem comparados aos genéticos.

No estudo atual, foram combinadas informações da morfologia e de quatro marcadores moleculares, tanto do DNA mitocondrial quanto do nuclear. Por vezes, a diferença foi de apenas 5% do genoma.

Respondendo à pergunta inicial de Lawley, são três as espécies na costa brasileira, antes identificadas como uma única: A. aurita. Uma ganhou o nome de A. insularia, e pode ser encontrada principalmente em ilhas do Sudeste e Sul do Brasil, como Ilha Grande (RJ), além de Key Largo, na Flórida.

A. mianzani homenageia o pesquisador argentino Hermes W. Mianzan (1957-2014), que coletou alguns dos espécimes que tiveram o DNA sequenciado e que contribuiu significativamente para os estudos de águas-vivas no Atlântico Sudoeste. Pode ser encontrada na Praia do Segredo, em São Sebastião (SP), e na Bahía Samborombón, em Buenos Aires, na Argentina.

A. cebimarensis, por sua vez, ganhou esse nome em homenagem ao Centro de Biologia Marinha da USP, ao qual estão ligados os pesquisadores brasileiros envolvidos no estudo. O exemplar que serve como referência para a descrição foi encontrado na Ponta do Baleeiro, na Praia do Cabelo Gordo, onde o centro está localizado, em São Sebastião. A espécie provavelmente habita a maior parte da costa brasileira.

Outras duas espécies descritas em homenagem a cientistas da área foram A. montyi (referência a William “Monty” Graham, do Instituto de Oceanografia da Flórida) e A. miyakei (um tributo a Hiroshi Miyake, da Universidade Kitasato, no Japão).

A. rara, A. ayla, A. smithsoniana, A. columbia e A. malayensis completam as dez novas espécies agora nomeadas. Três que haviam sido descritas no século 19 e uma no 18, e posteriormente invalidadas, foram revalidadas: A. clausa, A. dubia, A. persea e A. hyalina. Sete outras permanecem sem descrição formal, uma vez que só estão disponíveis dados genéticos e não há caracterização morfológica.

“Nosso estudo reconhece a diversidade do gênero e vai ajudar a mostrar, por exemplo, como cada uma delas responde a determinados processos, quais são de uma localidade e quais são espécies introduzidas, entre outras questões”, exemplifica Lawley, que atualmente realiza doutorado na Griffith University, na Austrália.

“Temos em laboratório exemplares que vivem a 30 ºC e outros a 10 ºC. Agora sabemos que não é a mesma espécie. Um dos desdobramentos desse estudo já em curso é estudar os padrões de reprodução para verificar como as diferentes espécies respondem a variações ambientais e como isso será influenciado por alterações associadas às mudanças climáticas”, afirma Morandini, coautor do World Atlas of Jellyfish, lançado em 2019.

O estudo tem apoio da FAPESP ainda por meio de outro projeto, coordenado por Sérgio Stampar, professor da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista (FCL-Unesp), em Assis, e de uma bolsa de pós-doutorado concedida a Maximiliano Maronna,  do IB-USP. Ambos são coautores do trabalho.

O artigo The importance of molecular characters when morphological variability hinders diagnosability: systematics of the moon jellyfish genus Aurelia (Cnidaria: Scyphozoa) pode ser lido em: https://peerj.com/articles/11954/.
 

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