“Não aceitaria receber o prêmio sozinho”, disse Clarke ao ser informado que dividiria, em partes iguais, o Nobel ao lado dos dois colegas (ilustração: Niklas Elmehed/Nobel Prize Outreach)
O britânico John Clarke, o francês Michel Devoret e o norte-americano John Martinis dividem a honraria por experimentos feitos em Berkeley; artigo teórico do brasileiro Amir Caldeira serviu de base para trabalho dos laureados
O britânico John Clarke, o francês Michel Devoret e o norte-americano John Martinis dividem a honraria por experimentos feitos em Berkeley; artigo teórico do brasileiro Amir Caldeira serviu de base para trabalho dos laureados
“Não aceitaria receber o prêmio sozinho”, disse Clarke ao ser informado que dividiria, em partes iguais, o Nobel ao lado dos dois colegas (ilustração: Niklas Elmehed/Nobel Prize Outreach)
Marcos Pivetta | Pesquisa FAPESP – No ano do centenário da formulação das bases da mecânica quântica, que estuda o comportamento da matéria e da energia na escala atômica e subatômica, o Nobel decidiu premiar os trabalhos de três pesquisadores que, 40 anos atrás, expandiram os domínios desse ramo da física. A Real Academia de Ciências da Suécia concedeu nesta terça-feira (07/10) a láurea ao britânico John Clarke, da Universidade da Califórnia em Berkeley, de 83 anos; ao francês Michel Devoret, da Universidade de Califórnia em Santa Bárbara e da Universidade Yale, de 72 anos; e ao norte-americano John Martinis, da Universidade da Califórnia em Santa Bárbara, de 67 anos.
Trabalhando juntos em Berkeley, os três fizeram experimentos em 1984 e em 1985 nos quais mostraram que estranhas propriedades quânticas, que pareciam ser restritas ao mundo dos átomos e das partículas subatômicas, também podiam ser criadas e medidas em sistemas macroscópicos, muito maiores. “Não aceitaria receber o prêmio sozinho”, disse Clarke ao ser informado que dividiria, em partes iguais, o Nobel ao lado dos dois colegas. Ele chefiava o grupo em Berkeley que realizou experimentos com circuitos eletrônicos e tinha Devoret como pós-doutorando e Martinis como aluno de doutorado. Além da honraria, o trio de físicos vai partilhar um prêmio em dinheiro de 11 milhões de coroas suecas, aproximadamente R$ 6,23 milhões.
Os pesquisadores foram os primeiros a medir o tunelamento quântico em um circuito eletrônico supercondutor, no qual a corrente elétrica flui sem encontrar nenhuma resistência, ou seja, sem perda de energia, quando o sistema é resfriado a temperaturas próximas do zero absoluto. O tunelamento é o fenômeno que está por trás do decaimento radioativo de átomos e pode estar associado à superposição de estados quânticos (quando uma partícula pode se encontrar em dois estados simultaneamente). A descoberta do tunelamento em sistemas macroscópicos abriu caminho para pesquisas que tentam desenvolver computadores quânticos a partir da manipulação do funcionamento de bits quânticos (qubits) criados e mantidos em circuitos supercondutores.
Nos trabalhos em Berkeley, os físicos também viram que o sistema eletrônico macroscópico era capaz de absorver e emitir energia em quantidades específicas, denominada quanta, de acordo com previsões da mecânica quântica.
O circuito supercondutor montado pelos ganhadores do Nobel foi a materialização de uma proposta teórica de um artigo publicado em 1981 no periódico Physical Review Letters pelo físico brasileiro Amir Caldeira, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e seu orientador de doutorado na Universidade de Sussex, no Reino Unido, o físico britânico Anthony Leggett (que viria a ganhar o Nobel de Física de 2003 por outro trabalho na área de supercondutividade). “Nosso trabalho serviu de base para os experimentos dos três físicos que ganharam agora o Nobel”, comenta Caldeira. “Tanto que Leggett e eu somos citados nominalmente no material distribuído pela academia sueca para explicar a importância do prêmio deste ano.”
Caldeira e Leggett estudavam como a influência do ambiente externo poderia dissipar, fazer desaparecer, as propriedades quânticas, em especial o tunelamento, em um sistema macroscópico. Eles propuseram um circuito dividido em dois componentes supercondutores que são separados por uma fina camada de material isolante. Essa camada é denominada tecnicamente junção Josephson e funciona como uma barreira energética entre as duas partes.
O tunelamento é um fenômeno que faz com que uma partícula consiga ultrapassar uma barreira de energia que normalmente se mostraria um obstáculo intransponível, um empecilho para sua movimentação, de acordo com a física clássica. Clark, Devoret e Martinis registraram o tunelamento de pares de Cooper em um circuito supercondutor que media cerca de 1 centímetro. Eles aplicaram uma pequena corrente na junção Josephson e constataram que, com o tempo, o sistema passava a apresentar tunelamento: havia uma diferença de fase entre os dois lados da barreira, típica de uma função de onda de um sistema quântico.
Os pares de Cooper são conjuntos de dois elétrons que se aproximam mais do que o previsto inicialmente e passam a se deslocar de forma sincronizada. Sua presença é a assinatura de que há supercondutividade em um sistema. Em um material supercondutor, há bilhões de pares de Cooper.
“Quanto mais partículas tem um sistema, mais difícil é manter suas propriedades quânticas”, comenta o físico Luiz Davidovich, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “O efeito do ambiente sobre o sistema faz essas propriedades desaparecem. É por isso que não vemos comportamento quântico no mundo macroscópico em que vivemos.” O controle do tunelamento permite criar uma espécie de chave em um sistema, que modula a mudança de estado da partícula e a leva a estar situada antes ou depois da barreira energética.
“Nesses materiais supercondutores, os pares de Cooper se comportam como se fossem um átomo grande, reproduzindo o tunelamento quântico que vemos na escala microscópica”, diz o físico Rodrigo Benevides, bolsista do Programa Jovem Pesquisador da FAPESP no Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP). Benevides, que fez um estágio de pós-doutorado entre 2021 e 2024 no Instituto Federal de Tecnologia de Zurique, na Suíça, voltou neste ano à USP para coordenar os trabalhos em um novo laboratório no IF que vai desenvolver tecnologias quânticas. A área ainda tem muita pesquisa a ser feita antes de os computadores quânticos se tornarem uma realidade do cotidiano.
A Agência FAPESP licencia notícias via Creative Commons (CC-BY-NC-ND) para que possam ser republicadas gratuitamente e de forma simples por outros veículos digitais ou impressos. A Agência FAPESP deve ser creditada como a fonte do conteúdo que está sendo republicado e o nome do repórter (quando houver) deve ser atribuído. O uso do botão HMTL abaixo permite o atendimento a essas normas, detalhadas na Política de Republicação Digital FAPESP.