A pesquisa foi realizada em zonas de campos naturais de cinco estados brasileiros. Na foto, parte de campo natural do Parque Nacional das Emas, em Goiás (foto: Bruna Helena de Campos/BIOTA Campos)

Mídia Ciência
No Cerrado, a diversidade da flora está ligada a temperaturas mais altas e maior frequência de queimadas
06 de novembro de 2025

Pesquisadores do BIOTA Campos, Projeto Temático da FAPESP, investigaram as influências relativas do solo, do clima e do regime de fogo na composição, diversidade e estrutura da vegetação do bioma

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No Cerrado, a diversidade da flora está ligada a temperaturas mais altas e maior frequência de queimadas

Pesquisadores do BIOTA Campos, Projeto Temático da FAPESP, investigaram as influências relativas do solo, do clima e do regime de fogo na composição, diversidade e estrutura da vegetação do bioma

06 de novembro de 2025

A pesquisa foi realizada em zonas de campos naturais de cinco estados brasileiros. Na foto, parte de campo natural do Parque Nacional das Emas, em Goiás (foto: Bruna Helena de Campos/BIOTA Campos)

 

Beatriz Ortiz | Agência FAPESP * – A diversidade dos campos naturais do Cerrado se beneficia do aumento das temperaturas e da frequência de queimadas – fatores que influenciam mais na composição da flora do que a disponibilidade de nutrientes no solo. A conclusão é de investigação conduzida por cientistas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) em parceria com o Instituto de Pesquisas Ambientais (IPA) da Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística (Semil) do Estado de São Paulo. Os resultados foram publicados no Journal of Vegetation Science.

O grupo analisou 14 campos naturais de Cerrado situados em cinco Estados: São Paulo, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Paraná. Em cada campo foram amostradas 30 parcelas de um metro quadrado e, para cada parcela, foram verificadas a composição florística, a diversidade e a estrutura da vegetação. Os pesquisadores, vinculados ao BIOTA CamposProjeto Temático financiado pela FAPESP –, também coletaram informações sobre o histórico de incêndios nos últimos 35 anos, as condições climáticas e as propriedades do solo.

Os resultados mostraram que as parcelas em que as queimadas foram mais frequentes concentram maior diversidade de espécies e que o número total de espécies está associado a temperaturas máximas mais altas, porque as condições de maior temperatura e demanda hídrica podem reduzir a dominância de espécies competitivas, abrindo espaço para que plantas mais tolerantes à seca se estabeleçam e prosperem.

“Esse achado desafia a visão histórica centrada nos atributos relativos ao solo e reforça a importância do regime de fogo e das variáveis climáticas na manutenção desses ecossistemas”, explica a primeira autora do artigo, Bruna Helena de Campos, doutora em ecologia pelo Instituto de Biologia da Unicamp com bolsa da FAPESP. De acordo com a pesquisadora, os achados podem influenciar estratégias de conservação e manejo das fisionomias campestres.

A associação de queimadas à perda de biodiversidade e à destruição do meio ambiente de fato se aplica a biomas como a Mata Atlântica e a Amazônia, mas, segundo os pesquisadores, o mesmo não ocorre com o Cerrado, onde o fogo ajuda a manter a dinâmica ecológica dos campos naturais e é um fator de renovação e aumento da diversidade. “Ao consumir a vegetação acima do solo, incluindo partes de arbustos e árvores, o fogo diminui a competição por luz, água e nutrientes, criando espaço e oportunidades para espécies endêmicas do Cerrado, intolerantes à sombra”, explica Campos, que atualmente é pós-doutoranda, com bolsa da FAPESP, no IPA. “Esse processo mantém os ecossistemas mais abertos e impede o adensamento da vegetação, um dos principais fatores responsáveis pela redução das áreas de campo e da sua diversidade biológica.”

Isso não significa que as queimadas possam ocorrer indiscriminadamente. Ao contrário dos incêndios acidentais ou criminosos, que se espalham sem controle e podem queimar remanescentes inteiros, as queimadas controladas são realizadas em áreas predefinidas, sob condições climáticas restritas – como umidade do ar, temperatura, direção e velocidade do vento –, e acompanhadas por equipes especializadas, que fazem uso planejado e supervisionado do fogo para fins de manejo ambiental (leia mais em: agencia.fapesp.br/55538).

A ciência ainda desconhece se existe um “limite saudável” para a frequência das queimadas, a partir do qual o efeito passa a ser negativo. A recuperação dos ecossistemas depois das queimadas pode variar, dependendo de fatores como o regime de chuvas. “Mas o que sabemos é que não queimar continua sendo a pior opção”, afirma Campos.

Savanas diferentes

A ecóloga Giselda Durigan, pesquisadora do IPA e coautora do artigo, explica que as savanas do mundo são moldadas pela interação de múltiplos fatores, cuja importância relativa é variável. Na África, os grandes herbívoros mantêm os ecossistemas abertos ao consumir biomassa e derrubar árvores; na Austrália, o clima seco e os solos rasos tornam a temperatura o principal fator de controle.

“Já no Brasil, como não temos grandes herbívoros e a nossa savana é a menos seca do planeta, o fogo tem uma importância relativamente maior na manutenção dos ecossistemas abertos do que em outros continentes”, detalha Durigan.

Segundo a pesquisa, as estratégias de conservação e restauração do Cerrado devem adotar uma abordagem diferente da que tem sido usualmente seguida para florestas, priorizando extensas áreas contínuas. Dada a biodiversidade única de cada remanescente de campo natural, é mais recomendável criar grande número de áreas protegidas e amplamente distribuídas, incluindo tanto pequenos fragmentos quanto áreas de campo frequentemente queimadas.

Para Durigan, o maior desafio é propor o manejo com fogo em políticas públicas, considerando que essa prática ainda encontra resistência. “Essas mudanças são lentas. Finalmente temos uma Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo, construída com sabedoria e incorporando os avanços do conhecimento sobre os ecossistemas mantidos e beneficiados pelo fogo”, afirma. “Agora, a missão é fazer com que os órgãos estaduais que vão se responsabilizar pelo cumprimento da lei também sejam devidamente conscientizados.”

A cientista conclui que é necessária capacitação de gestores, brigadistas e da mídia para que as queimas controladas com fins conservacionistas sejam compreendidas. “É preciso que vejam imagens não só do fogo queimando, mas da flora e da fauna celebrando a rebrota e o florescimento dois ou três meses depois”, diz Durigan. “O fogo faz um peeling, ‘rejuvenescendo’ o Cerrado.”

O artigo Climate and fire outweigh the role of soil as drivers of plant community assembly in tropical grasslands pode ser lido em: onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1111/jvs.70075.

* Beatriz Ortiz é bolsista de Jornalismo Científico da FAPESP vinculada ao BIOTA Campos.
 

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