Cientistas brasileiros começam a discutir o impacto social da nanotecnologia
(ilust: NASA)

Nanotecnologia social
19 de novembro de 2004

Paulo Roberto Martins, do IPT, fala à Agência FAPESP sobre a aproximação da nanotecnologia com as ciências sociais e a recém-criada rede para estudar essa relação e evitar impasses como têm ocorrido com os transgênicos

Nanotecnologia social

Paulo Roberto Martins, do IPT, fala à Agência FAPESP sobre a aproximação da nanotecnologia com as ciências sociais e a recém-criada rede para estudar essa relação e evitar impasses como têm ocorrido com os transgênicos

19 de novembro de 2004

Cientistas brasileiros começam a discutir o impacto social da nanotecnologia
(ilust: NASA)

 

Por Eduardo Geraque

Agência FAPESP - Os cientistas sociais estão se organizando no Brasil para estudar a nanotecnologia a partir de um novo prisma. No primeiro seminário realizado no país sobre os aspectos sociais e ambientais da nanotecnologia, ocorrido em outubro na Universidade de São Paulo, diversos aspectos dessa nova relação foram debatidos. A maioria dos discursos foi feita no sentido de estimular esse novo tipo de reflexão.

Paulo Roberto Martins, do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT), é um dos idealizadores desse novo debate. O pesquisador faz parte da recém-criada Rede de Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente, que pretende iniciar uma contribuição das ciências humanas aos estudos de nanotecnologia. Segundo conta em entrevista à Agência FAPESP, apesar dessa abordagem ser incipiente no Brasil, ao contrário do que ocorre em outros países, é possível encontrar um bom tom de discussão.


Agência FAPESP – Qual é o risco da discussão sobre nanotecnologia descambar para o impasse que está sendo visto no Brasil em relação aos transgênicos?
Paulo Roberto Martins - O exemplo dos transgênicos está funcionando como um impulso para nós, pois isso também está ocorrendo lá fora. No caso da nanotecnologia, sem dúvida a discussão começou um pouco antes. Nos transgênicos, como não se discutiu anteriormente, a questão estourou com as reações que surgiram da população. A tecnologia era desconhecida e, de um momento para outro, uma empresa chegou e falou: agora é isso que vocês vão ter. No caso da nano, repito, não se pretende chegar a esses termos.

Agência FAPESP – Na opinião dos cientistas sociais, quais são os problemas que existem em relação à nanotecnologia?
Martins - No âmbito do Brasil, por causa dessa discussão ainda ser incipiente, estamos descobrindo os problemas. Outros países já identificaram impactos que podem ser negativos. Como aqui as pesquisas com nanotecnologia, tanto nas áreas das exatas como das biológicas, estão no mesmo nível dos estudos estrangeiros, podemos extrapolar algumas situações para a nossa realidade. Com base nesses problemas, precisamos começar a fazer pesquisa. Temos muito o que fazer: já foram identificadas situações científicas interessantes em diversos campos, como no meio ambiente e na saúde. Aspectos sociais, éticos e econômicos também estão envolvidos.

Agência FAPESP – Existe algo mais concreto?
Martins - Uma questão que foi levantada por diversas vezes no simpósio (realizado na USP) é o desenvolvimento da nanotecnologia na área de cosméticos. Nesse campo, há protetores solares compostos por nanopartículas de óxido de titânio, mas não se sabe qual é o comportamento de uma partícula dessas no corpo humano. O que irá ocorrer? A célula da pele será rompida? A partícula entrará na corrente sangüínea? O que acontece se esse composto entrar nas vias circulatórias? Esses produtos estão no mercado e precisam ainda ser melhor estudados.

Agência FAPESP – Mas o senhor concorda que é impossível negar os benefícios da nanotecnologia?
Martins - Os diversos expositores nacionais e internacionais que participaram do simpósio em outubro mostraram que existe uma gama de benefícios muito importante em diversas áreas, como no meio ambiente e na saúde. De um modo geral, não há questionamentos sobre os benefícios que a nanotecnologia pode trazer. Agora, como sabemos também, toda a tecnologia vem atrelada a benefícios de um lado e a malefícios de outro. É necessário que, antes de tudo, seja colocada a possibilidade de que os problemas que porventura possam aparecer sejam analisados antes de se tornarem insuperáveis. Dessa forma sobra tempo para que possam ocorrer eventuais correções de rota e mudanças de atitude.

Agência FAPESP – Por que a discussão da nanotecnologia a partir das ciências sociais ainda está bastante tímida no Brasil?
Martins - Estamos reunindo agora os primeiros pesquisadores em uma rede para realizar esse tipo de abordagem. Pessoalmente, participei da consulta pública feita pelo Ministério da Ciência e Tecnologia sobre o Programa Nacional de Nanotecnologia, que ocorreu no fim do ano passado. O resultado desse meu interesse foi a publicação de um edital para aquele que quisesse encaminhar algum projeto de pesquisa relacionando as ciências sociais com a nanotecnologia, com a sociedade e com o meio ambiente. Esse edital acabou de sair. Aprovaram apenas metade dos recursos previstos mas, mesmo assim, o dinheiro serviu para dar início a essa importante discussão.

Agência FAPESP – Para os cientistas sociais, por trás do desenvolvimento tecnológico, seja ele nano ou não, existe um tipo único de visão de mundo embutido nesse processo?
Martins - Atrelado a essa questão existe, por exemplo, uma discussão sobre o padrão de consumo, que não é nova. Esse debate pretende mostrar que vivemos em um planeta finito. Não dá para manter um padrão de consumo igual ao dos americanos para 6 bilhões de pessoas. No entanto, é esse o tipo de padrão que se tem para 25% da população, que acaba consumindo 75% dos recursos. Em alguns casos, a relação pode ser de 80% para 20%, mas sempre existe o disparate. Se há uma minoria que consome muito, há o contrário também. Padrão de consumo tem muito a ver com desenvolvimento tecnológico. É preciso pensar se a tecnologia, inclusive a nano, será desenvolvida para acelerar esse padrão ou para frear o consumo exagerado. As novas tecnologias serão aplicadas onde? Vamos criar isso ou não? Quem terá acesso a essas inovações? Um produto pode ter muita coisa boa para medicina, mas quem poderá pagar para fazer os exames que utilizam essa técnica? São todos esses impactos que nós, cientistas sociais, precisamos estudar. E é isso que a Rede de Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente pretende fazer.


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