Conclusão é baseada em experimentos feitos na Unifesp com nematoides da espécie C. elegans. Objetivo do estudo foi entender o papel da atividade mitocondrial em intervenções que aumentam a longevidade (imagem: Redoxoma)

Mitocôndrias de organismos longevos são mais eficientes em obter energia de lipídios
08 de julho de 2020

Conclusão é baseada em experimentos feitos na Unifesp com nematoides da espécie C. elegans. Objetivo do estudo foi entender o papel da atividade mitocondrial em intervenções que aumentam a longevidade

Mitocôndrias de organismos longevos são mais eficientes em obter energia de lipídios

Conclusão é baseada em experimentos feitos na Unifesp com nematoides da espécie C. elegans. Objetivo do estudo foi entender o papel da atividade mitocondrial em intervenções que aumentam a longevidade

08 de julho de 2020

Conclusão é baseada em experimentos feitos na Unifesp com nematoides da espécie C. elegans. Objetivo do estudo foi entender o papel da atividade mitocondrial em intervenções que aumentam a longevidade (imagem: Redoxoma)

 

Agência FAPESP * – Por serem as principais produtoras de energia para as células, as mitocôndrias são essenciais para a homeostase celular e disfunções nessas organelas são consideradas uma espécie de assinatura do envelhecimento. Para entender o papel da atividade mitocondrial em intervenções que aumentam a longevidade, pesquisadores brasileiros investigaram os efeitos da privação alimentar e da infertilidade induzida na atividade respiratória mitocondrial de nematoides da espécie Caenorhabditis elegans. Nos dois casos, eles observaram aumento da eficiência com a qual as mitocôndrias utilizam lipídios como substrato respiratório, indicando que a capacidade de oxidar lipídios pode ser determinante para maior longevidade.

O estudo teve apoio da FAPESP e foi liderado pela professora Fernanda Marques da Cunha, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Participaram cientistas do Centro de Pesquisa em Processos Redox em Biomedicina (Redoxoma), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) apoiado pela FAPESP na Universidade de São Paulo (USP). Os resultados foram publicados no FASEB Journal.

“O C. elegans é um modelo muito usado em estudos sobre envelhecimento, principalmente por geneticistas, que fazem modificações genéticas e verificam se elas interferem no tempo de vida. Resolvemos colocar um olhar bioquímico nesse modelo e analisar a função mitocondrial. Descobrimos que a atividade mitocondrial é modulada por essas duas intervenções conhecidas por aumentar a longevidade de C. elegans”, conta Cunha.

Os pesquisadores estudaram C. elegans do tipo selvagem (sem alterações genéticas) e mutantes não férteis (glp-1). Os vermes foram submetidos à privação total de alimento, situação extrema que aumenta o tempo de vida em até 50% em comparação com animais alimentados. Inicialmente, os experimentos foram feitos in vivo, com os animais inteiros. Os pesquisadores observaram uma diminuição no consumo de oxigênio, principalmente quando estavam em privação de bactérias (que servem de alimento para o nematoide), corroborando dados já observados em outras pesquisas.

Em seguida, estudaram mitocôndrias isoladas, nas quais é possível usar moduladores químicos da atividade mitocondrial. Para medir a atividade da organela, os pesquisadores monitoram o consumo de oxigênio e usam inibidores da cadeia de transporte de elétrons e da fosforilação oxidativa (processos bioquímicos necessários para a respiração celular ocorrer).

Condições extremas

Isolar as mitocôndrias em C. elegans não é tarefa trivial. O nematoide tem cerca de um milímetro de comprimento, não é patogênico e vive no solo, alimentando-se de micróbios como bactérias. Para isolar suas mitocôndrias, foi necessário cultivar 1 milhão de animais de cada grupo experimental, trabalhando com condições de cultivo extremas, como placas muito grandes e muitos animais por placa.

Com os dois experimentos, eles constataram que tanto os animais selvagens submetidos à privação de bactéria quanto os animais que não tinham a linhagem germinativa, mas que estavam comendo, tinham maior habilidade para oxidar lipídios. Respiravam mais na presença do substrato lipídico e também eram mais eficientes para produzir ATP (adenosina trifosfato, molécula que armazena energia para a célula) a partir da energia liberada pela oxidação de lipídios.

Em muitos organismos, incluindo o C. elegans, os lipídios formam os principais estoques de energia e são rapidamente mobilizados e oxidados durante a fome. “Era esperado que o bicho não alimentado melhorasse o metabolismo de lipídios para geração de ATP, mas aconteceu o mesmo com o mutante glp-1 mantido na presença de comida. Se fosse só um estímulo dependente da privação de alimento, a gente não veria isso no mutante alimentado. E a gente vê”, explica a pesquisadora.

Assim, o estudo demonstrou que a infertilidade induz uma alteração funcional no metabolismo mitocondrial para aumentar o uso eficiente de lipídios como combustível energético. E, embora tanto a restrição alimentar quanto a inibição reprodutiva individualmente aumentem a eficiência da respiração baseada em lipídios e do acoplamento mitocondrial (processo necessário para a produção de ATP), elas são ainda mais eficazes em combinação.

O estudo foi realizado em colaboração com os grupos de Alicia Kowaltowski, do Instituto de Química da USP e do CEPID Redoxoma, e Hugo Aguilaniu, do Institut de Génomique Fonctionnelle de Lyon, na França, e do Instituto Serrapilheira.

O próximo passo, segundo Cunha, será estudar mitocôndrias isoladas de C. elegans do tipo selvagem, alimentados e em privação alimentar, por meio de análises de proteômica (análise global das proteínas de uma amostra biológica) e de lipidômica (análise global dos lipídios em sistemas biológicos).

Perfil lipídico

O grupo liderado por Cunha já tem experiência com lipidômica. Em outro estudo, publicado recentemente no BBA - Molecular and Cell Biology of Lipids, os pesquisadores caracterizaram o perfil lipídico de C. elegans mutantes deficientes para a lipase LIPL-5 e compararam com o perfil de vermes do tipo selvagem. Eles encontraram grandes alterações nos lipídios mitocondriais dos mutantes, que foram acompanhadas por mudanças significativas na atividade mitocondrial. As lipases são enzimas que têm como função quebrar a gordura presente nos alimentos.

“Os mutantes LIPL-5, quando privados de alimentação, têm o tempo de vida aumentado em relação a animais do tipo selvagem nas mesmas condições. A LIPL-5, por homologia, foi classificada como uma lipase, mas até hoje não se sabe qual seu substrato nem quais são seus produtos”, diz Fernanda Cunha.

Isso levou os pesquisadores a investigar o que a falta dessa enzima provocava no repertório de lipídios e na atividade mitocondrial do C. elegans. Eles constataram que, em animais alimentados, as mitocôndrias dos mutantes eram mais eficientes do que as dos vermes selvagens, mas a restrição alimentar provocou mudanças na atividade mitocondrial apenas nos vermes do tipo selvagem.

A análise lipidômica dos animais mostrou 409 diferentes espécies lipídicas, das quais 38 foram moduladas diferentemente nos mutantes privados de alimentação. As principais alterações foram relacionadas ao pool de ceramidas (um tipo de lipídio), aos ácidos graxos livres, à coenzima Q-9 (proteína) e às cardiolipinas (lipídios), sendo as duas últimas específicas da membrana mitocondrial interna.

A coenzima Q-9 tem papel no transporte de elétrons na cadeia respiratória mitocondrial, enquanto as cardiolipinas são cruciais para as funções mitocondriais e estão envolvidas na estabilização de complexos e supercomplexos respiratórios, em mitofagia (eliminação de mitocôndrias disfuncionais por meio de autofagia) e em sinalização.

Os resultados lipidômicos indicaram que a falta da LIPL-5 provoca alterações importantes nos lipídios mitocondriais e que, portanto, essa enzima é determinante para alterações da atividade mitocondrial em resposta à privação de alimentos. Os estudos de lipidômica e as análises estatísticas foram feitos em colaboração com os grupos da professora Sayuri Miyamoto, do Instituto de Química da USP, e Isaias Glezer, da Unifesp, ambos do CEPID Redoxoma.

Segundo os pesquisadores, no genoma do C. elegans há 471 genes que codificam proteínas envolvidas no metabolismo lipídico e 70% deles têm um homólogo humano. Os lipídios possuem funções de sinalização e participam do controle do metabolismo na saúde e em doenças, além de terem papel no armazenamento de energia, por isso o metabolismo lipídico é uma área de pesquisa importante. “Apesar do número cada vez maior de trabalhos publicados sobre o tema, o repertório lipídico de diferentes organismos, suas funções biológicas e sua remodelação específica em resposta a diferentes estímulos estão longe de ser completamente caracterizados”, escreveram os autores do artigo.

O artigo Lifespan-extending interventions enhance lipid-supported mitochondrial respiration in Caenorhabditis elegans, de Felipe Macedo, Talita Romanatto, Carolina Gomes de Assis, Alexia Buis, Alicia J. Kowaltowski, Hugo Aguilaniu e Fernanda Marques da Cunha, está disponível em https://faseb.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1096/fj.201901880R.

O artigo Lipase-like 5 enzyme controls mitochondrial activity in response to starvation in Caenorhabditis elegans, de Felipe Macedo, Gabriel Loureiro Martins, Luis A. Luévano-Martínez, Gustavo Monteiro Viana, Karin A. Riske, Alex Inague, Marcos Y. Yoshinaga, Hugo Aguilaniu, Sayuri Miyamoto, Isaias Glezer e Fernanda Marques da Cunha, está acessível em www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S1388198119301908.

* Com informações da Assessoria de Comunicação do CEPID Redoxoma

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