Luiza Braga aprecia o aroma de grãos de café Arara durante secagem após fermentação anaeróbica. Método incrementou a qualidade de grãos imaturos (foto: Grupo da Semente à Xícara/arquivo)

Biotecnologia
Método de fermentação transforma frutos imaturos em cafés especiais
08 de julho de 2025

Normalmente descartados por darem sabor adstringente, grãos esverdeados da cultivar Arara foram submetidos a fermentação sem ar e produziram bebidas de alto padrão em testes cegos. Pesquisadores mineiros veem potencial de valorização do produto para os mercados interno e externo

Biotecnologia
Método de fermentação transforma frutos imaturos em cafés especiais

Normalmente descartados por darem sabor adstringente, grãos esverdeados da cultivar Arara foram submetidos a fermentação sem ar e produziram bebidas de alto padrão em testes cegos. Pesquisadores mineiros veem potencial de valorização do produto para os mercados interno e externo

08 de julho de 2025

Luiza Braga aprecia o aroma de grãos de café Arara durante secagem após fermentação anaeróbica. Método incrementou a qualidade de grãos imaturos (foto: Grupo da Semente à Xícara/arquivo)

 

André Julião | Agência FAPESP – Na seleção de cafés especiais, aqueles que ganham acima de 80 pontos em testes cegos não têm defeitos físicos nem sensoriais. Os grãos de aparência esverdeada são conhecidos por darem um sabor adstringente (áspero, pungente e ressecante) à bebida e por isso são descartados com os quebrados, pretos, ardidos, brocados ou abaixo de um certo tamanho.

Mas, em estudo publicado na revista Food and Bioprocess Technology, pesquisadores da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), em Patos de Minas (MG), realizaram uma série de fermentações com frutos maduros e imaturos da cultivar Arara do café arábica (Coffea arabica). Como resultado, obtiveram bebidas comparáveis, e mesmo superiores, às preparadas somente com grãos resultantes de frutos maduros e seguindo todos os protocolos da Specialty Coffee Association (SCA), organização internacional que estabelece padrões para cafés especiais.

Nos testes de xícara, às cegas, em que se avalia o café quanto a seus atributos sensoriais, os degustadores profissionais (conhecidos como Q-graders) atribuíram a algumas bebidas que continham uma porcentagem de grãos de frutos imaturos notas acima de 80 – que definem um café especial.

Para chegar a esses resultados, os pesquisadores utilizaram a chamada fermentação anaeróbica autoinduzida (SIAF, na sigla em inglês), em que os frutos são colocados após a colheita em biorreatores, barris de poliestireno de 200 litros hermeticamente fechados por até 96 horas. Nesses biorreatores não há entrada de oxigênio e o gás carbônico sai por uma válvula. Os microrganismos naturalmente presentes nos frutos de café realizam, então, uma série de processos bioquímicos que resultam em sabor diferenciado do café. Nesse tipo de fermentação, em alguns experimentos, foram adicionados inóculos, microrganismos específicos previamente isolados para esse fim.

“Com o trabalho, vimos que utilizar a SIAF em diferentes tempos de fermentação, com controle de temperatura e pH e adição ou não de inóculo, pode não apenas minimizar os efeitos deletérios dos grãos imaturos na bebida como torná-la superior, agregando valor ao produto ainda na fazenda”, afirma Luiza Braga, primeira autora do estudo, realizado como parte do seu mestrado no Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Alimentos da Faculdade de Engenharia Química (FEQ-UFU), em Patos de Minas.

O trabalho integra projeto apoiado pela FAPESP no âmbito de acordo com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), numa parceria entre a UFU e a Universidade Federal de Lavras. O estudo teve ainda financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).

“A fermentação anaeróbica, realizada logo após a colheita e antes da secagem, não é um processo tradicional. No entanto, cafeicultores e especialistas têm buscado conhecimento sobre o processo por conta do ganho de sabor e aroma provocado na bebida, que assim pode atingir preços superiores aos praticados no mercado usualmente”, diz Líbia Diniz Santos, professora da FEQ-UFU e coordenadora do estudo.

Os autores do trabalho integram o grupo de pesquisa Da Semente à Xícara, criado em 2019 para reunir em torno da cafeicultura pesquisadores, alunos, pós-graduandos e técnicos tanto da FEQ como do Instituto de Genética e Bioquímica e das faculdades de Engenharia Elétrica e de Computação, todas no campus de Patos de Minas da UFU. O grupo tem, inclusive, uma marca de café especial, o Porandu, que em tupi significa “pesquisar”, “investigar”.

Análises

A cultivar Arara foi lançada em 2012 pela Fundação Procafé após 15 anos de estudos na busca de um café resistente a doenças e adaptado a diversas condições climáticas do Cerrado. A bebida é valorizada pelas notas cítricas e corpo robusto, o que a torna atrativa tanto para o mercado doméstico quanto para exportação.

Usando uma ferramenta de inteligência artificial desenvolvida pelo grupo de pesquisadores, os autores do estudo notaram que 70% dos frutos utilizados nos experimentos, colhidos na Fazenda Chuá, em Patos de Minas, eram imaturos.

Os autores ressaltam que, apesar de terem usado grãos verdes nas bebidas provadas pelos degustadores, os outros critérios da SCA continuaram sendo seguidos à risca. Dessa forma, grãos quebrados e pequenos foram descartados na preparação. Com isso, os grãos verdes na bebida representaram 13% a 30% do total. “Acreditamos que se fossem 70% de grãos verdes na bebida, mesmo fermentados, isso seria perceptível no produto final”, ressalva Santos.

No total, 32 tratamentos foram testados: diferentes tempos de fermentação, que variaram de 24 a 96 horas, com e sem controle de temperatura. As combinações contaram ainda com presença ou ausência de inóculo e fermentação submersa (com 30% do biorreator com água) ou em estado sólido, sem água.


Fermentação anaeróbica autoinduzida (SIAF) é realizada em biorreatores onde microrganismos induzem alterações nos grãos de café (foto: Grupo da Semente à Xícara/arquivo)

O pH e a temperatura foram monitorados por meio de um dispositivo eletrônico desenvolvido pelo grupo que transmite o dado para um monitor externo a partir de sensores no interior do biorreator. Com isso, não há necessidade de abrir o barril e interferir no experimento para coletar a informação.

“Quando fizemos o controle da temperatura externa a 27 °C, observamos que as pontuações foram maiores, inclusive com notas superiores às de preparos em que só havia grãos maduros. Com isso, podemos demonstrar que a fermentação anaeróbica, principalmente em estado sólido, acrescenta atributos sensoriais que elevam o café para a categoria especial”, explica Braga.

Agora o grupo pretende entender qual ou quais compostos gerados no grão verde fermentado fornecem os atributos sensoriais que o tornam um café com atributos especiais. Os próximos trabalhos devem, ainda, explorar o efeito da fermentação anaeróbica em outras variedades de café.

O artigo Transforming challenges into quality: the power of controlled fermentation in immature Arara coffee beans pode ser lido em: link.springer.com/article/10.1007/s11947-025-03880-z.

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