Encontro científico internacional nos pampas argentinos marca o aniversário do Observatório Pierre Auger, fruto de uma colaboração de 17 países, entre eles o Brasil. Infraestrutura de pesquisa envolve detectores distribuídos por uma área duas vezes maior que a da cidade de São Paulo (foto: Steven Saffi)

Maior observatório de raios cósmicos do mundo completa 20 anos
18 de novembro de 2019

Encontro científico internacional nos pampas argentinos marca o aniversário do Observatório Pierre Auger, fruto de uma colaboração de 17 países, entre eles o Brasil. Infraestrutura de pesquisa envolve detectores distribuídos por uma área duas vezes maior que a da cidade de São Paulo

Maior observatório de raios cósmicos do mundo completa 20 anos

Encontro científico internacional nos pampas argentinos marca o aniversário do Observatório Pierre Auger, fruto de uma colaboração de 17 países, entre eles o Brasil. Infraestrutura de pesquisa envolve detectores distribuídos por uma área duas vezes maior que a da cidade de São Paulo

18 de novembro de 2019

Encontro científico internacional nos pampas argentinos marca o aniversário do Observatório Pierre Auger, fruto de uma colaboração de 17 países, entre eles o Brasil. Infraestrutura de pesquisa envolve detectores distribuídos por uma área duas vezes maior que a da cidade de São Paulo (foto: Steven Saffi)

 

José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – Um grande evento internacional nos pampas argentinos comemora, de 14 a 16 de novembro de 2019, o 20º aniversário do Observatório Pierre Auger. Situado em Malargüe, a cerca de 100 quilômetros (km) da Cordilheira dos Andes e aproximadamente 370 km ao sul da cidade de Mendoza, o Auger, como por vezes se diz, é o maior observatório de raios cósmicos do mundo, operado por uma colaboração internacional de mais de 400 cientistas de 17 países, envolvendo físicos, engenheiros, técnicos e estudantes de pós-graduação.

Dezenas de pesquisadores brasileiros têm participado ativamente das pesquisas ali realizadas, desde a concepção do observatório na década de 1990, passando pela construção, o desenvolvimento de detectores, a operação e a análises dos dados. No total, a FAPESP já forneceu 63 auxílios e bolsas a projetos desenvolvidos no Auger. E proveu recursos para a fabricação de parte dos 1.660 tanques de água puríssima usados no sistema de detecção, para a compra de baterias para os detectores de superfície e para a confecção de lentes corretoras dos telescópios.

Várias partes dos detectores e de outros equipamentos foram fabricados por indústrias brasileiras, como Alpina Termoplásticos, Rotoplastyc Indústria de Rotomoldados, Equatorial Sistemas, Schwantz Ferramentas Diamantadas e Acumuladores Moura.

Uma participante de primeira hora da equipe do observatório é a física Carola Dobrigkeit Chinellato, nascida na Alemanha e radicada no Brasil, onde atua há mais de quatro décadas como professora do Instituto de Física da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Pesquisadora responsável pelo Projeto Temático “Estudo de raios cósmicos de energias ultra-altas com o AugerPrime”, iniciado em 2010 com apoio da FAPESP, Dobrigkeit também preside, desde 2013, o Comitê de Publicações do Observatório Pierre Auger.

“O Pierre Auger foi um dos primeiros projetos em que a FAPESP se associou a agências estrangeiras para apoiar experimentos de grande magnitude e impacto. Os apoios iniciais da FAPESP para o projeto datam de 1996, quando o professor Carlos Escobar, do Instituto de Física da Unicamp, criou a oportunidade. A participação, sob a liderança da professora Carola, tem sido ótima para o desenvolvimento científico e tecnológico do Estado de São Paulo e para abrir oportunidades para conexões internacionais e, principalmente, para a criação de boa ciência”, disse Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP.

“Raios cósmicos são partículas de altas energias que estão continuamente chegando à Terra, vindas do espaço exterior. Eles são constituídos majoritariamente por prótons e outros núcleos atômicos, mas também por elétrons, neutrinos etc. O Observatório Pierre Auger está especialmente interessado em estudar as partículas com maior energia, que são as mais interessantes e também as mais raras. Por isso, construímos um observatório com área tão grande, da ordem de duas vezes a da cidade de São Paulo. Nessa área, de 3 mil km2, estão espalhados nossos detectores”, disse Dobrigkeit à Agência FAPESP.

A energia dos raios cósmicos se distribui em uma faixa bastante ampla, que vai de 109 a 1021 elétrons-volts. Os de menor energia originam-se no Sol, enquanto os de altíssima energia são provenientes de fontes extragalácticas. Estes constituem, de fato, as partículas mais energéticas já observadas pela humanidade, alcançando patamares de energia milhões de vezes superiores aos obtidos em um feixe no LHC (Large Hadron Collider), o maior acelerador de partículas existente no planeta, localizado na fronteira franco-suíça.

“Os raios cósmicos colidem com núcleos presentes na atmosfera. Das interações resultam novas partículas, que vão se multiplicando em uma cascata, até os detectores localizados no solo. Quando chegam ao chão, as partículas já estão com energias muito menores e atravessam nossos corpos sem nos darmos conta disso”, contou a pesquisadora.

Origem extragaláctica

O estudo de raios cósmicos, principalmente nessa faixa de altíssimas energias, visa saber de onde essas partículas vêm, por que objetos astrofísicos elas são produzidas e quais os processos físicos envolvidos em sua produção. As de maior energia vêm certamente de fora da Via Láctea e levam milhões de anos ou mais para chegar à Terra.

“Seria de esperar que as mais energéticas viessem do centro de nossa galáxia, porque é lá que existe um buraco negro supermassivo e uma maior densidade de objetos. Mas não. Elas vêm, majoritariamente, de uma direção que está a cerca de 120 graus do centro da Via Láctea. E esse é um forte indicativo de sua origem extragaláctica. Temos alguns indícios de que esses raios cósmicos de altíssima energia possam ter se originado em galáxias com núcleos ativos ou em galáxias-berçários, aquelas que geram bastante estrelas. Mas esses indícios ainda não são conclusivos. Estamos justamente aprimorando nossos sistemas de detecção para confirmar ou não tal hipótese”, disse Dobrigkeit.

Vale lembrar que, por serem partículas eletricamente carregadas, os raios cósmicos são desviados por campos magnéticos durante sua propagação. Então, saber exatamente de onde eles vêm não é algo fácil. Exige uma verdadeira ginástica de cálculos e interpretações. “Um dos motivos de darmos preferência aos raios cósmicos de alta energia é exatamente o fato de eles serem menos desviados por campos magnéticos existentes ao longo do percurso”, explicou a pesquisadora.

Os raios cósmicos são como mensageiros do espaço profundo e do passado remoto. Estudá-los é uma forma de olhar para longe e para trás na história do Universo. Para tanto, o Observatório Pierre Auger usa basicamente dois sistemas de detecção. Um é composto por telescópios de fluorescência, que captam, na faixa do ultravioleta, a radiação emitida pelo nitrogênio do ar ao ser excitado pela cascata de partículas produzidas pelo raio cósmico. Quanto mais luz os telescópios captam, maior a quantidade de partículas na cascata, e, quanto mais partículas na cascata, maior a energia do raio cósmico progenitor. Assim, medindo a luz, é possível estimar a energia da partícula original.

O outro sistema de detecção é constituído por tanques hermeticamente fechados, cada qual contendo 12 mil litros de água puríssima. Quando as partículas da cascata atravessam a água, elas geram uma luminosidade que é captada por fotomultiplicadoras existentes no interior dos tanques. O raciocínio é exatamente o mesmo: medindo a quantidade de luz, chega-se à energia da partícula progenitora.

“Essas foram as duas técnicas originais do observatório, desde sua fundação há 20 anos. Ao longo do tempo, o sistema de detecção foi sendo aprimorado, com a inclusão de antenas, para captar o chuveiro de partículas na faixa do rádio; de detectores subterrâneos, para captar múons, que são um dos tipos de partícula gerados na cascata; e, agora, de cintiladores, que estão sendo instalados em cima dos tanques de água. Tudo isso para melhorar as medidas”, disse Dobrigkeit.

A pesquisadora foi aluna, orientanda e assistente do grande pioneiro no estudo de raios cósmicos, o físico César Lattes (1924-2005), que, em 1947, descobriu o píon, ou méson pi como era chamado na época. Formado por um quark e um antiquark, o píon ajuda a explicar as interações que mantêm o núcleo atômico unido. Lattes descobriu o píon colhendo traços de raios cósmicos em placas preenchidas por bórax a mais de 5 mil metros (m) de altitude, no Monte Chacaltaya, nos Andes bolivianos.

“A detecção que fazemos agora no Observatório Pierre Auger ocorre em altitude bem menor, a cerca de 1,4 mil m acima do nível do mar. O objetivo do Lattes era estudar a interação de raios cósmicos. Então, para ele, a altitude era uma vantagem, porque a interação produzia menos partículas, o que facilitava a detecção. Nosso objetivo é pegar o chuveiro de partículas inteiro. Por isso, buscamos detectar próximo ao máximo do desenvolvimento da cascata de propagação”, explicou Dobrigkeit.

O evento de comemoração dos 20 anos do Observatório Pierre Auger engloba um encontro científico, uma feira de ciências e uma cerimônia oficial, e inclui um tour guiado pelo sítio do observatório, com visita aos detectores. Atividades paralelas ocorrerão na cidadezinha de Malargüe com a qual o pessoal do observatório mantém estreita colaboração.

Faz parte da agenda um simpósio abordando os seguintes temas: raios cósmicos de altíssimas energias; fontes de raios cósmicos e sua propagação; neutrinos; raios gama de altas energias; interações de raios cósmicos; astronomia multimensageiro; e uma revisão sobre o estado atual e as perspectivas da física de astropartículas. Em paralelo, ocorre a Feira de Ciências, envolvendo estudantes das escolas locais.

A programação completa do evento pode ser conferida em www.auger.org/index.php/observatory/20th-anniversary.
 

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