Obra escrita por pesquisadores de três países aborda a evangelização na Idade Média enfocando o peso da vontade individual na conversão religiosa; autores buscam romper com a ideia clássica de que o contato entre leigos e clérigos se dava sobretudo por mecanismos de coação (imagem: reprodução)

Livro descreve o processo de expansão do cristianismo na Europa entre os séculos 12 e 15
06 de setembro de 2022
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Obra escrita por pesquisadores de três países aborda a evangelização na Idade Média enfocando o peso da vontade individual na conversão religiosa; autores buscam romper com a ideia clássica de que o contato entre leigos e clérigos se dava sobretudo por mecanismos de coação

Livro descreve o processo de expansão do cristianismo na Europa entre os séculos 12 e 15

Obra escrita por pesquisadores de três países aborda a evangelização na Idade Média enfocando o peso da vontade individual na conversão religiosa; autores buscam romper com a ideia clássica de que o contato entre leigos e clérigos se dava sobretudo por mecanismos de coação

06 de setembro de 2022
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Obra escrita por pesquisadores de três países aborda a evangelização na Idade Média enfocando o peso da vontade individual na conversão religiosa; autores buscam romper com a ideia clássica de que o contato entre leigos e clérigos se dava sobretudo por mecanismos de coação (imagem: reprodução)

 

Maria Fernanda Ziegler | Agência FAPESP – A conversão religiosa costuma ser uma via de mão dupla. E era assim também entre os séculos 12 e 15, na Europa medieval. Se de um lado havia clérigos buscando maneiras de angariar mais fiéis e expandir a Igreja Católica, do outro tinha nobres e camponeses, homens e mulheres, letrados e iletrados que precisavam ter seus corações e mentes tocados para então seguirem os preceitos da fé.

O livro Cativar as almas - Diretrizes para a instrução espiritual (séc. XII-XV) (Unisinos, 2022) tem o objetivo de olhar para o lado mais esquecido dos estudos dedicados ao processo de conversão e evangelização, enfocando o peso da vontade individual nessa decisão.

Apoiado pela FAPESP, o livro reúne três pesquisadores de diferentes países que iniciaram a investigação para o livro em 2019, durante encontro realizado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Jean-Claude Schmitt, professor emérito da École des Hautes Études en Sciences Sociales, de Paris, é considerado um dos maiores medievalistas; Pablo Martín Prieto é professor titular de História Medieval na Universidade Complutense de Madrid; e Leandro Alves Teodoro, professor do Departamento de História da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Assis.

Por meio de um Auxílio à Pesquisa – Jovens Pesquisadores, Teodoro desenvolveu um banco de dados com textos históricos criados para difundir a moral cristã no fim da Idade Média. Ele também realiza pesquisa em colaboração com a Swiss National Science Foundation (SNSF) para mapear pequenas histórias na exemplificação de virtudes e pecados na Península Ibérica durante a Idade Média (leia mais em: agencia.fapesp.br/37930/ e agencia.fapesp.br/37178/).

“No livro buscamos romper com essa ideia mais clássica de que o contato entre leigos e clérigos se dava sobretudo por mecanismos de coação. Nosso objetivo é dar mais protagonismo para os leigos nesse final de Idade Média, quando a moral cristã se consolidava e se tornava a raiz da identidade do Ocidente”, explica Teodoro.

Vale destacar que, entre os séculos 12 e 15, a Europa passava por profundas mudanças. Estava em curso a Guerra da Reconquista, por exemplo, que expulsou o povo árabe dos territórios do sul da Europa em 1492. Por lá, viviam também muitos judeus e a grande maioria das pessoas não sabia ler – o que dificultava a difusão do conhecimento sobre a moral cristã, os mandamentos da Igreja e, até mesmo, orações como Pai Nosso e Ave Maria.

Não por acaso, foi também nessa época que a Igreja adotou como estratégia a divulgação de textos escritos, no caso da Península Ibérica, em português e castelhano, para que um maior número de clérigos tivesse acesso a conteúdos sobre a moral cristã e, assim, pudesse transmitir esses ensinamentos, cativando mais fiéis.

E é sob esse contexto de revigoramento da pastoral cristã em que o fiel era persuadido a redefinir suas ações cotidianas que os autores analisam a atuação dos convertidos.

Dessa forma, o livro busca sair de um lugar-comum de centrar o processo de conversão no papel de padres, frades e monges. “Quando se fala da pregação da fé, costuma-se observar a partir dos oradores, pois são eles que manejavam instrumentos como sermões e homilias, por exemplo. Porém, no livro, buscamos escapar do tradicional que vê o processo de formação moral de cima para baixo. A nossa ideia é mostrar que não bastava que a palavra fosse levada sem que as pessoas fossem cativadas”, diz.

Um exemplo do peso das vontades individuais pode ser observado nos sermões do Santo Antônio de Pádua (1195-1231). Em um sermão sobre as virtudes de um coração contrito, Santo Antônio afirma que, com um coração manchado pelas “trevas do pecado mortal”, o pecador torna-se “vítima da falta de conhecimento divino e da ignorância da própria fragilidade, e já não sabe distinguir entre o bem e o mal”.

Teodoro explica que esses sermões faziam parte do movimento evangelizador que emergiu com força no século 13, a partir da criação das chamadas ordens mendicantes – como é o caso dos franciscanos e os dominicanos.

“Era um período de expansão da Igreja, de buscar fiéis, de ir em aldeias, fazer pregação. E, em seus sermões, Santo Antônio defendia que a palavra pregada deveria servir como um apelo para cativar e seduzir o pecador, e assim aperfeiçoar a sua formação espiritual”, diz.

O pesquisador explica que a formação espiritual por meio da palavra pregada se dava de várias maneiras. “Uma questão muito forte para cativar fiéis era a ideia do que era pecado. As pessoas naquela época tinham muito medo do inferno, por exemplo. Então, de uma certa forma se identificavam com o que era transmitido pela Igreja. Os sacramentos como a confissão e o próprio casamento realizado por padres eram outra forma de seduzir fiéis ”, afirma.

“O livro não busca investigar aparelhos institucionais da Inquisição, mas o que levava uma pessoa a se converter. É o que chamamos de jogos moralizantes. Tem uma ideia muito cara ao cristianismo: todas as peças que estavam no tabuleiro, desde o papa até leigos, tinham um papel, metas e responsabilidades para cumprir nesse jogo”, explica.

No caso dos clérigos, por exemplo, Teodoro conta que, para eles se moverem de maneira adequada e não serem condenados ao inferno, teriam de seguir certas determinações, entre elas orientar os leigos sabendo que a conversão deveria ser espontânea. “Pois eles sabiam que se não fosse espontânea de nada valeria. E o que vemos é que o sucesso do cristianismo está justamente enraizado no poder de cativar as pessoas. Se fosse apenas por coação não teria dado o sucesso que deu”, afirma.

Mais informações sobre o livro Cativar as almas - Diretrizes para a instrução espiritual (séc. XII-XV), de Jean-Claude Schmitt, Leandro Alves Teodoro e Pablo Martín Prieto, podem ser encontradas em: www.edunisinos.com.br/produto/322/cativar-as-almas-diretrizes-para-a-instr--espiritual-sec-xiixv.
 

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