Publicação tem 358 páginas e pode ser comprada no site da editora Springer (imagem: reprodução)
Obra aborda as intricadas dimensões sociais, econômicas e políticas envolvidas no processo de descarbonização do setor, sempre com foco no desenvolvimento sustentável
Obra aborda as intricadas dimensões sociais, econômicas e políticas envolvidas no processo de descarbonização do setor, sempre com foco no desenvolvimento sustentável
Publicação tem 358 páginas e pode ser comprada no site da editora Springer (imagem: reprodução)
Maria Fernanda Ziegler | Agência FAPESP – O Uruguai tem sido apontado como um case de sucesso no que se refere à transição energética na América Latina. O consumo de energia do país dobrou em 50 anos, quando se iniciou um processo de transformação da infraestrutura que culminou em uma significativa descarbonização do setor. Como resultado, já em 2017, quase toda a energia elétrica gerada passou a ser proveniente de fontes renováveis, como hidrelétricas, biomassa, energia eólica e solar – e apenas 2% vinham de termelétrica.
A rápida transição na matriz energética uruguaia seria ainda mais comemorada, contudo, se o país não apresentasse uma das contas de luz mais caras da região. “O processo de transição energética na América Latina nos leva a questionamentos sobre até que ponto deveríamos copiar os modelos europeus. Será que é isso que queremos? Seguir um modelo imposto de dependência tecnológica e de capital estrangeiro? Mesmo que a transferência de tecnologia tenha sido destacada desde o Protocolo de Kyoto, no Acordo de Paris e na própria Agenda 2030 da ONU [na qual a Organização das Nações Unidas estabeleceu 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável], o máximo que temos visto nesse sentido é o treinamento de funcionários que usarão a tecnologia. Como se isso fosse o suficiente”, afirma Lira Luz Benites Lazaro, pesquisadora do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP) e editora do livro Energy Transitions in Latin America - The Tough Route to Sustainable Development (Transições Energéticas na América Latina – O difícil caminho para o desenvolvimento sustentável).
A obra, que aborda as complexidades, desafios e oportunidades da transição energética na região, é escrita por 34 pesquisadores de nove países latino-americanos (Argentina, Brasil, Colômbia, Costa Rica, Equador, México, Nicarágua, Peru e Uruguai). Foi organizada com apoio da FAPESP durante estágio de pesquisa na Universidade Durham (Inglaterra).
“No período que estive como pesquisadora visitante no Durham Energy Institute, notei que, embora houvesse ampla bibliografia disponível sobre a transição energética em países latino-americanos, faltava uma obra que reunisse a perspectiva de pesquisadores da região sobre esse tema crucial”, conta Lazaro.
Dividido em quatro seções, o livro destaca, na primeira parte, as mudanças na matriz energética da América Latina e as implicações geopolíticas da crescente dependência de fontes renováveis. Na segunda seção, os autores examinam os dilemas enfrentados pelos países que dependem das receitas do petróleo e do gás, além dos obstáculos que enfrentam na transição para uma economia de baixo carbono.
A terceira parte do livro analisa a produção, a tecnologia e os custos como limites e oportunidades para a transição energética e a adoção de energias renováveis. Por fim, na quarta seção, os autores exploram o acesso à energia e a democratização da infraestrutura de geração na América Latina, incluindo os esforços para abordar a pobreza energética, o crescimento da energia distribuída e de consumidores que produzem essa energia em suas casas por meio de painéis solares ou torres eólicas, por exemplo.
Recursos abundantes
O livro destaca que, se por um lado, falta o domínio das novas tecnologias, por outro, a América Latina tem grande potencial para a geração de energia renovável devido aos seus abundantes recursos naturais. Além de insumos para energia hidrelétrica, solar, eólica, há minerais essenciais para o desenvolvimento de tecnologias de energia limpa, como é o caso do lítio usado na fabricação de baterias.
“Enquanto o Norte Global testemunha uma febre por veículos elétricos, impulsionada pela busca por alternativas mais sustentáveis, os países da América do Sul, principalmente Chile, Bolívia e Argentina, assumem o papel como fornecedores significativos de lítio, um componente essencial nas baterias dos carros elétricos. Essa tendência levanta questões sobre o acesso e a adoção generalizada de carros elétricos na região, isto é, quando teremos carros elétricos acessíveis na América Latina? Quando vamos nos beneficiar desses recursos? Por enquanto, estamos ficando apenas com a contaminação resultante da mineração”, ressalta.
Segundo Lazaro, o livro tem o intuito de mostrar as complexidades sociais, econômicas e políticas envolvidas nos processos de transição energética, não tratando o tema apenas como uma mera mudança na matriz de energia. “Não se trata apenas da substituição de uma fonte para outra. Essa é uma definição muito vaga, mas que ainda persiste em algumas discussões. Portanto, analisamos no livro as intricadas dimensões sociais, econômicas e políticas envolvidas nesse processo, proporcionando uma visão mais abrangente e aprofundada para garantir um desenvolvimento sustentável e uma transição justa, com benefícios equitativos para todos, especialmente para as populações vulneráveis”, diz.
Sobre a chamada pobreza energética na América Latina, a pesquisadora cita como exemplo justamente a região exportadora de lítio. Recentemente, foram implantados extensos painéis solares, no norte do Chile e no sul do Peru, em razão da elevada incidência solar na área. “No entanto, embora parte dessa energia seja possivelmente destinada às empresas de mineração, dada a relevância desse setor na economia desses países, é crucial considerar o impacto dos projetos nas comunidades locais e nos vilarejos economicamente desfavorecidos. A situação é lamentável ao considerar as trágicas histórias de crianças que morrem de frio no sul do Peru, especialmente em um país que possui reservas significativas de gás natural. Esse cenário mostra a necessidade de políticas que busquem equidade, assegurando que as iniciativas energéticas beneficiem a todos. Esse é apenas um exemplo de falta de uma transição justa, mas existem inúmeros outros em cada país da região”, conta.
Nesse sentido, a pesquisadora salienta que o debate da transição energética na América Latina precisa levar em conta questões como pobreza energética e justiça social a partir dos ganhos ambientais que o investimento em fontes renováveis traz. “Porém, essa relação infelizmente não tem sido considerada ainda por nenhum dos governos na região”, explica.
O livro aborda ainda que a transição energética em alguns países da região tem sido lenta devido a diferentes fatores, como instabilidade política, desafios econômicos e barreiras regulatórias. “Além dessa dependência tecnológica e de modelos há também uma crescente dependência da China, tanto por investimento quanto pelas tecnologias das chamadas energias renováveis modernas. Por outro lado, em alguns países há falta de vontade política para apoiar plenamente as energias renováveis. Como demandar uma mudança imediata em países onde o petróleo e gás representam pilares essenciais da economia [como é o caso da Venezuela, México, Equador e, em certa medida, Brasil e Argentina]?”, questiona.
Dessa forma, Lazaro salienta que a transição energética deve ser pensada caso a caso, considerando as características e particularidades de cada país para superar as barreiras políticas e econômicas e promover uma mudança sustentável e inclusiva.
O livro Energy Transitions in Latin America tem 358 páginas e pode ser comprado no site da editora Springer: https://link.springer.com/book/10.1007/978-3-031-37476-0.
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