Aumento do contato com brasileiros e atual projeção do Brasil no cenário mundial podem aumentar interesse pelo ensino e aprendizagem do idioma no país, avalia professor da Universidade de Osaka

Língua portuguesa pode voltar a despertar interesse no Japão
24 de setembro de 2012

Aumento do contato com brasileiros e atual projeção do Brasil no cenário mundial podem aumentar interesse pelo ensino e aprendizagem do idioma no país, avalia professor da Universidade de Osaka

Língua portuguesa pode voltar a despertar interesse no Japão

Aumento do contato com brasileiros e atual projeção do Brasil no cenário mundial podem aumentar interesse pelo ensino e aprendizagem do idioma no país, avalia professor da Universidade de Osaka

24 de setembro de 2012

Aumento do contato com brasileiros e atual projeção do Brasil no cenário mundial podem aumentar interesse pelo ensino e aprendizagem do idioma no país, avalia professor da Universidade de Osaka

 

Por Elton Alisson

Agência FAPESP – O aumento do contato direto de japoneses com brasileiros nos últimos anos, em função de fatores como a globalização e o destaque que o Brasil vem ganhando no cenário mundial, podem voltar a despertar o interesse pelo ensino e aprendizagem da língua portuguesa no Japão.

A avaliação foi feita por Akira Kono, professor de língua portuguesa e linguística na Escola de Letras e Cultura da Universidade de Osaka, no Japão, durante uma conferência que proferiu no dia 20 de setembro no auditório da FAPESP sobre o ensino de português no Japão.

O pesquisador participou no dia anterior de um encontro com dirigentes da FAPESP com o objetivo de discutir sobre possibilidades de se intensificar a cooperação científica de pesquisadores do Estado de São Paulo com os do Japão.

De acordo com o pesquisador, o contato dos japoneses com a língua portuguesa ocorreu em três diferentes etapas, que se traduziram em influências tanto no idioma estrangeiro quanto no nativo.

O primeiro contato ocorreu em 1543, com a chegada de missionários jesuítas portugueses na ilha de Tanegashima, no sul de Kiushiu, que foram ao país com o intuito de disseminar o catolicismo.

Durante esse período, os jesuítas portugueses realizaram estudos sobre a língua japonesa e publicaram livros, como a A arte da Lingoa de Iapam e a Arte breve da Lingoa Iapoa, escritos pelo padre João Rodrigues Girão e publicados, respectivamente, em 1608 e 1620. Porém, essa etapa durou até o começo do século 17, quando o cristianismo foi proibido no Japão e os jesuítas foram expulsos do país.

“Já nesta primeira etapa do contato entre os japoneses e portugueses houve uma certa influência entre as duas línguas”, disse Kono à Agência FAPESP.

“Nas cartas que os jesuítas mandaram do Japão é possível perceber alguns léxicos do japonês, como daimiô, que significa senhor feudal em japonês. E do lado japonês houve alguns casos isolados de japoneses que aprenderam português, mas não foram muitos”, contou.

A segunda etapa do contato dos japoneses com a língua portuguesa, segundo Kono, aconteceu no Brasil, em 1908, com a primeira fase da imigração japonesa no país, encerrada em 1941, quando o Japão ingressou na 2ª Guerra Mundial.

Uma das maiores potências mundiais na época – com grandes conglomerados empresariais como Mitsubishi, Mitsui e Sumitomo –, o Japão vivia ao mesmo tempo graves problemas econômicos, com desemprego elevado e condições de pobreza no campo.

Em função disso, o país enfrentava críticas de segmentos da sociedade que não concordavam com a forma com que vinha se desenvolvendo, conquistando países à força, como fez no período conhecido como imperialista, em que invadiu a Coreia, a Manchúria e parte da China.

Uma das alternativas identificadas para continuar a crescer pacificamente era por meio da imigração, vista como uma forma em que ambos os lados ganhavam – tanto o país que enviava como o que recebia os imigrantes – e diferente da conquista militar, em que só o país invasor se beneficia.

Por essas e outras razões, o governo japonês decidiu encampar políticas de imigração de seus cidadãos para países como o Brasil, que precisava de mão de obra para as lavouras de café em São Paulo.

“Os primeiros imigrantes japoneses que chegaram ao Brasil não vieram bem preparados e não sabiam português. Mas, pouco a pouco, começaram a assimilar palavras portuguesas na língua japonesa que falavam na colônia e eram mais relacionadas ao trabalho agrícola que faziam, como enxada e camarada”, disse Kono.

Mas, de acordo com o pesquisador, só quase oito anos depois do início da imigração japonesa para o Brasil foi criado, em 1916, o primeiro curso de graduação em língua portuguesa pela Universidade de Estudos Estrangeiros de Tóquio.

“Eu acho que, naquela época, as autoridades japonesas ainda não tinham reconhecido a importância da língua portuguesa para suas relações exteriores”, avaliou Kono.

“Já existiam cursos de espanhol no Japão, que se achava que era suficiente para se relacionar com a América do Sul. Mas, ao começar a se relacionar com o Brasil, se reconheceu a importância de aprender a língua portuguesa e se decidiu criar um curso de graduação voltado para o idioma”, disse o pesquisador.

Para iniciar o curso a universidade pública japonesa recrutou o historiador português João Abranches Pinto, que residia no Japão na época e era casado com uma japonesa.

Com isso, embora a língua portuguesa fosse muito importante para o país oriental, o primeiro curso do idioma criado no Japão foi mais voltado para o português de Portugal. Por outro lado, de acordo com Kono, a iniciativa teve o importante papel de fazer com que, pelo menos, o ensino de português fosse mantido oficialmente no sistema educacional japonês.

Só em 1964 a Universidade Sophia de Tóquio, uma instituição particular, criou um departamento de português, fundado por padres brasileiros, onde Kono ingressou em 1967 e iniciou seus estudos do idioma falado no Brasil.

No mesmo ano, a Universidade de Estudos Estrangeiros de Kyoto também estabeleceu um Departamento de Estudos Lusos-Brasileiros para ensinar português.

Já em 1979 também foi fundado um curso de português falado no Brasil na Universidade de Estudos Estrangeiros de Osaka, que em outubro de 2007 passou a ser uma faculdade da Universidade de Osaka, para a qual Kono foi o primeiro professor contratado.

Na década de 1990 – que marca a terceira etapa do contato dos japoneses com a língua portuguesa, quando o Japão mudou sua política de imigração e muitos brasileiros foram trabalhar no país – a Universidade de Tenri também criou um curso de português. Porém, o curso foi abolido em 2010.

“As universidades japonesas, especialmente as particulares, estão cortando cursos, que não só os de português, em função da diminuição da população do país nos últimos anos”, explicou Kono.

Segundo o pesquisador, o corpo docente que ensina português no Japão é composto, em sua maioria, por professores japoneses, graduados em português por uma das quatro universidades que possuem cursos voltados ao idioma no país. Mas nem todos são especialistas no ensino de português como língua estrangeira.

“Nossa abordagem do idioma é mais tradicional, voltada a ensinar o aluno a não só ler em português, mas também se comunicar com os brasileiros e ter alguma fluência no idioma, que representa um grande desafio. É muito difícil para os alunos dominarem a língua portuguesa”, afirmou Kono.

Obstáculos para a aprendizagem da língua

De acordo com o pesquisador, alguns dos maiores obstáculos para os japoneses aprenderem português são inerentes à própria dificuldade que têm em aprender línguas estrangeiras, de forma geral, devido à falta de semelhanças do idioma japonês com outras línguas.

Ao contrário das línguas românicas, como português, espanhol, italiano, francês e o romeno, que possuem afinidades que facilitam o ensino e a aprendizagem, ainda não se sabe exatamente qual a raiz e a origem do idioma japonês.

Uma das hipóteses levantadas por Kono é que o idioma – que é extremamente peculiar e não tem distinção fonética entre as letras L e R, por exemplo – seja resultado do cruzamento de várias línguas, como o pidgin e o crioulo.

“Gramaticalmente, a língua coreana é a mais próxima do japonês, mas a fonologia e o léxico são diferentes. Então, nesse sentido somos ‘órfãos’ em relação à filiação a famílias linguísticas e para dominarmos qualquer língua, especialmente as ocidentais, é preciso ter garra, perseverança e nos esforçarmos muito”, avaliou Kono.

Outra barreira para ensinar e aprender a língua portuguesa, segundo o pesquisador, é o fato de se dividir entre o português europeu e o português brasileiro, que tem em alguns aspectos suas próprias normas gramaticais.

No português falado em Portugal, por exemplo, de acordo com Kono, ainda se ensinam as seis formas verbais (eu, tu, ele, nós, vós e eles), ao passo que no Brasil elas estão sendo reduzidas para quatro, com o desaparecimento do pronome tu e a substituição de nós por “gente” ou “a gente”.

“Eu estou muito sensibilizado e pretendo escrever um artigo sobre essa mudança radical e a simplificação do paradigma de pronomes na língua portuguesa no Brasil, com a expansão cada vez maior do uso de ‘a gente’ ou ‘gente’ em vez de nós, substituindo o verbo na terceira pessoa, que está fazendo com que o uso do sujeito seja mais frequente”, disse Kono.

“Eu já tinha reparado antes nessas mudanças por meio de trabalhos publicados por linguistas brasileiros, mas estou percebendo por meio da leitura de jornais e de outras publicações do Brasil disponíveis na internet que esses fenômenos, que até então eram mais observados na linguagem falada, estão penetrando cada vez mais na linguagem escrita”, afirmou Kono.

Contudo, na avaliação do pesquisador, essas mudanças são positivas, fazem parte do processo natural de evolução de qualquer língua, que é um mecanismo dinâmico e está em constante mutação, e já ocorreram fenômenos semelhantes com outros idiomas, como o inglês e o francês.

Já a recente reforma ortográfica da língua portuguesa, que aboliu, por exemplo, o uso do trema em algumas palavras, segundo ele prejudicou o ensino e a aprendizagem do idioma por estudantes estrangeiros.

“A retirada do trema de palavras como frequente e cinquenta fez com que nossos alunos acabassem pronunciando expressões de forma errada. Essa reforma ortográfica não teve muito cabimento”, avaliou.

Outro problema para ensinar o português do Brasil no Japão, de acordo com ele, é o desconhecimento sobre aspectos culturais, políticos, geográficos e históricos do país, que são em parte compensados pelo envio de estudantes japoneses para o Brasil para conhecer a realidade brasileira, pela leitura de livros e audição de músicas de compositores brasileiros.

“Eu me apaixonei pela língua portuguesa e aprendi várias expressões ouvindo música popular brasileira de compositores como Noel Rosa, Chico Buarque e Caetano Veloso. Esse é um ótimo método que eu adoto em sala de aula”, disse o pesquisador, que se interessou em aprender português ao ouvir no rádio ainda criança a versão em inglês de Garota de Ipanema, de Vinícius de Moraes e Tom Jobim, cantada por Frank Sinatra.

Atualmente, de acordo com o pesquisador, a Universidade de Osaka oferece 30 vagas por ano para o curso de graduação em língua portuguesa, que tem duração de quatro anos.

Além de língua portuguesa, o departamento de línguas da universidade japonesa também é voltado ao estudo e ensino de mais 24 idiomas, incluindo o japonês e o inglês, que é considerado a primeira língua estrangeira do país.

Colaboração científica com o Brasil

Representante no Brasil entre 1995 a 1997 da Japan Society for the Promotion Science (JSPS) – a maior entidade de apoio à pesquisa no Japão –, por intermédio de um escritório que a instituição mantinha em São Paulo com apoio do Centro de Estudos Nipo-Brasileiros, de acordo com Kono, o Brasil é um forte candidato para o Japão aumentar a cooperação científica, por ser hoje uma das maiores potências econômicas do mundo.

“O trabalho de ensinar e disseminar a língua portuguesa e a cultura brasileira no Japão deve facilitar o intercâmbio entre o Brasil e o Japão em ciências, que precisa ser muito mais intensivo”, indicou.

Na avaliação dele, um dos principais obstáculos para aumentar a cooperação científica do Japão com o Brasil é o desconhecimento japonês sobre o sistema federativo brasileiro, que, apesar de centralizado, permite que os estados tenham autonomia na elaboração e execução de suas políticas, como a científica e tecnológica.

Como o Japão é pequeno geograficamente, suas políticas são bastante centralizadas e cada província não tem muito poder, é difícil para os dirigentes japoneses entenderem, por exemplo, a autonomia de estados brasileiros, como São Paulo, que é responsável por mais de 50% da ciência produzida no Brasil.

“Nós devemos reconhecer a importância do Estado de São Paulo e, consequentemente, o papel que a FAPESP vem desempenhando para o avanço da ciência no Brasil”, disse Kono.

De modo a facilitar a aproximação entre pesquisadores do Estado de São Paulo com os do Japão, para intensificar a cooperação científica entre os dois países, em março de 2013 a FAPESP realizará no país um encontro com representantes da JSPS.

O evento tem o objetivo de reunir pesquisadores do Brasil com os do país para apresentar os últimos avanços na produção científica e os resultados científicos mais expressivos que obtiveram nos últimos anos, em diferentes áreas, com vistas a incrementar a cooperação científica.

“Nós temos uma grande preocupação aqui na FAPESP com o processo de internacionalização da ciência e consideramos que é muito importante estimularmos uma relação científica mais intensa com países como o Japão. Por isso que promoveremos este encontro no país”, disse Celso Lafer, presidente da FAPESP.

Além disso, na avaliação de Lafer, o Estado de São Paulo tem uma relação própria com o Japão, em função de ter recebido a primeira leva de imigrantes japoneses no Brasil, no período de 1908 a 1941. “Em nenhum outro estado brasileiro há tanta percepção do significado da importância dos laços que temos com o Japão do que em São Paulo”, disse Lafer.
 

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