Heide Ahrens, secretária-geral da DFG, Moacyr Ayres Novaes Filho, professor da FFLCH-USP e coordenador da mesa, e Murilo Gaspardo, da Unesp (foto: Elton Alisson/Agência FAPESP)
Governos iliberais e autoritários, poder econômico e mídias digitais representam alguns dos problemas com os quais os cientistas têm se deparado, avalia o professor da Unesp Murilo Gaspardo em palestra durante a FAPESP Week Alemanha
Governos iliberais e autoritários, poder econômico e mídias digitais representam alguns dos problemas com os quais os cientistas têm se deparado, avalia o professor da Unesp Murilo Gaspardo em palestra durante a FAPESP Week Alemanha
Heide Ahrens, secretária-geral da DFG, Moacyr Ayres Novaes Filho, professor da FFLCH-USP e coordenador da mesa, e Murilo Gaspardo, da Unesp (foto: Elton Alisson/Agência FAPESP)
Elton Alisson, de Berlim | Agência FAPESP – O mundo está passando por um momento crítico de policrises, caracterizadas pelas mudanças climáticas, desigualdades econômicas e sociais crescentes, instabilidade geopolítica e avanço de democracias iliberais. Em contrapartida, as instâncias responsáveis por encontrar soluções para essas e outras crises não têm conseguido agir, favorecendo a ascensão de líderes nacionalistas e populistas, que, quando chegam ao poder, reforçam ainda mais os impasses na governança global.
Para responder a esses desafios, a diplomacia científica será ainda mais necessária. Porém, em um momento em que tem sido especialmente exigida, a liberdade científica também enfrenta ameaças e desafios, avaliou Murilo Gaspardo, professor da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Franca, em palestra apresentada durante a FAPESP Week Alemanha.
“No momento em que o mundo mais precisa de cooperação internacional, ela se tornou mais difícil, porque os problemas têm escala planetária e a governança global enfrenta um impasse. Algo semelhante também está acontecendo com a diplomacia científica, que, para responder aos desafios globais, é mais necessária do que nunca, mas há uma série de ameaças à liberdade científica no mundo hoje”, disse Gaspardo à Agência FAPESP.
Na avaliação do pesquisador, que coordena um projeto financiado pela FAPESP sobre a crise da democracia e arranjos jurídicos institucionais, uma das ameaças enfrentadas pela liberdade científica diz respeito a governos iliberais e autoritários.
No Brasil, por exemplo, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (2019-2022), a liberdade científica foi desafiada pelo desrespeito à autonomia das universidades federais, pela restrição do financiamento à pesquisa e pelos ataques simbólicos à ciência e aos cientistas, avaliou Gaspardo.
“Felizmente, as instituições brasileiras demonstraram resiliência. O judiciário defendeu a proteção da liberdade de expressão e da autonomia universitária e a sociedade civil e a imprensa também desempenharam um papel importante na defesa da ciência”, sublinhou.
Na avaliação do pesquisador, no Estado de São Paulo, a FAPESP desempenhou e continua a desempenhar um papel crucial na defesa e garantia das condições para a liberdade científica. “Isso se deve ao comprometimento de sua liderança, seu amplo reconhecimento público e sua institucionalização legal, incluindo a garantia constitucional de financiamento”, avaliou.
Já os Estados Unidos enfrentam um desafio ainda mais complexo no início do segundo mandato do presidente Donald Trump, apontou o pesquisador. “O que podemos esperar da resiliência das instituições americanas na defesa da liberdade científica? Como esse processo impactará a liberdade científica ao redor do mundo?”, indagou.
Poder econômico e mídias sociais
O poder econômico também representa uma ameaça à liberdade científica, apontou Gaspardo. Parcerias com empresas e fundações privadas são benéficas e necessárias para o avanço científico e tecnológico. No entanto, a agenda da ciência não deve ser movida por interesses privados, ponderou.
“Assim como a liberdade científica requer a proteção da autonomia dos cientistas e das instituições de pesquisa de governos não liberais, ela também deve permanecer independente do poder econômico. Isso ressalta o papel essencial do investimento público”, afirmou.
Outro novo desafio à liberdade científica são as tecnologias de informação digital e mídias sociais, avaliou Gaspardo.
Se por um lado elas são ferramentas valiosas para a pesquisa científica e a disseminação de descobertas, por outro têm sido usadas para ameaçar e intimidar cientistas, espalhar desinformação e minar a autoridade do conhecimento científico, apontou. “O pensamento crítico e o progresso científico não podem florescer sob medo e intimidação.”
O pesquisador ponderou que, diante do atual cenário mundial, a diplomacia científica tem um papel decisivo a desempenhar ao promover a cooperação entre cientistas no desenvolvimento de análises e respostas aos desafios globais, bem como para defender a liberdade científica e a segurança dos pesquisadores. Mas não conseguirá resolver, por si só, todos os problemas atuais.
“Como há impasses na diplomacia governamental, a diplomacia científica se tornou ainda mais importante e indispensável. Talvez ela seja o único canal de comunicação mais racional entre os países hoje. O canal de conversa mais importante entre o Brasil e a Alemanha hoje, por exemplo, será entre os acadêmicos, os cientistas”, avaliou.
Espaços seguros
A diplomacia científica também pode oferecer “espaços seguros” para os cientistas, apontou Heide Ahrens, secretária-geral da Sociedade Alemã de Amparo à Pesquisa (DFG).
“Um bom exemplo disso é a linha de financiamento para refugiados acadêmicos estabelecida pela DFG alguns anos atrás”, exemplificou.
As interações científicas transfronteiriças que abordam desafios globais têm grande potencial para a diplomacia, apontou a dirigente.
“Elas podem dar uma contribuição valiosa precisamente porque a ciência é, frequentemente, a última questão a ser discutida quando há desacordo ou conflito político e a primeira quando as relações começam a descongelar. Isso a torna excepcionalmente útil mesmo nas situações diplomáticas mais difíceis”, apontou.
Na opinião da dirigente, em todo o mundo, conflitos e crises sempre tiveram efeitos prejudiciais na pesquisa livre. Hoje, no entanto, a ciência também enfrenta uma série de interferências políticas tangíveis e ataques direcionados à liberdade científica.
“Isso inclui simplificações populistas, notícias falsas e ideologias anticientíficas, bem como cortes orçamentários profundos e repentinos, espionagem científica e ataques a infraestruturas de pesquisa e dados. Não há dúvida de que a liberdade da pesquisa científica na maioria das partes do mundo raramente foi tão ameaçada quanto hoje.”
A dirigente sublinhou que é precisamente na liberdade sem restrições políticas, ideológicas ou religiosas que os pesquisadores podem perseguir sua curiosidade intrínseca e sede epistemológica por conhecimento sem impedimentos.
“Isso torna a liberdade de pesquisa e a independência das organizações científicas pré-requisitos indispensáveis para a descoberta de novos conhecimentos e a realização de ideias inovadoras antes inimagináveis em todo o espectro de possibilidades. Em suma, a liberdade científica é indispensável para o progresso e bem-estar das economias e sociedades. A liberdade científica não é, portanto, nem um fim em si mesma nem uma questão de rotina – infelizmente, nem mesmo quando está consagrada na Constituição, como aqui na Alemanha”, avaliou.
A Agência FAPESP licencia notícias via Creative Commons (CC-BY-NC-ND) para que possam ser republicadas gratuitamente e de forma simples por outros veículos digitais ou impressos. A Agência FAPESP deve ser creditada como a fonte do conteúdo que está sendo republicado e o nome do repórter (quando houver) deve ser atribuído. O uso do botão HMTL abaixo permite o atendimento a essas normas, detalhadas na Política de Republicação Digital FAPESP.