Lacuna historiográfica no Sul
22 de março de 2004

Livro resgata importância da Colônia do Sacramento, um dos mais lucrativos entrepostos comerciais no sul da América portuguesa até meados do século 18, mas pouco lembrada nos livros de História

Lacuna historiográfica no Sul

Livro resgata importância da Colônia do Sacramento, um dos mais lucrativos entrepostos comerciais no sul da América portuguesa até meados do século 18, mas pouco lembrada nos livros de História

22 de março de 2004

 

Por Karin Fusaro

Agência FAPESP - Se dependesse da História, a rivalidade entre brasileiros e argentinos não ultrapassaria os campos de futebol. Durante boa parte do período colonial brasileiro (1500-1822), o relacionamento dos dois povos foi tão estreito que fez florescer o comércio de Colônia do Sacramento, uma cidade no atual Uruguai, fronteira entre os domínios de Portugal e Espanha.

Fundada em 1680, na margem norte do Rio da Prata, a portuguesa Colônia do Sacramento ficava exatamente em frente à atual Buenos Aires, então pertencente à coroa espanhola. A fronteira múltipla propiciou a convivência entre castelhanos, portugueses, jesuítas e indígenas de diversas origens. Além da intensa troca de cultura, era comum o comércio de mercadorias entre as cidades, apesar dos acordos comerciais e tratados que impediam a relação direta entre as colônias "rivais".

"O tipo de mercadoria negociada e a forma de pagamento vigente faziam da região peça estratégica para a coroa portuguesa", disse o historiador Fabricio Pereira Prado, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e autor do livro Colônia do Sacramento: o extremo sul da América Portuguesa, à Agência FAPESP.

O porto da cidade funcionava como "porta dos fundos" para o escoamento da prata vinda das minas de Potosí, no Alto Peru (pertencente à Espanha), única fonte de metais em toda a colônia portuguesa antes do aquecimento do ciclo do ouro, no século 18. Por lá também circulavam couros e as novidades trazidas por comerciantes luso-brasileiros e estrangeiros à região do Prata. Os produtos eram pagos à vista e até com a prata, o que tornava o comércio local muito rentável.

A Colônia do Sacramento viveu seu auge populacional e urbanístico entre 1716 e 1753, período estudado por Prado a partir de registros administrativos, mapas e correspondências entre comerciantes do Brasil, Argentina, Uruguai, Portugal e Espanha. Com entorno agrícola respeitável, a cidade atingiu extensão territorial equivalente ao atual Uruguai e chegou a ter cerca de três mil habitantes, um terço do que Buenos Aires tinha na mesma época.

Segundo Prado, o trânsito nas rotas entre Colônia do Sacramento e os portos de São Paulo e Rio de Janeiro estimulou a fixação populacional no Rio Grande do Sul, nas primeiras décadas do século 18. Em 1777, a cidade passou a ser domínio espanhol.

Apesar de ter sido um dos mais lucrativos entrepostos comerciais portugueses na América, muito pouco se estudou sobre a região, a composição dos seus habitantes e seu modo de vida. "A Colônia do Sacramento é uma espécie de lacuna historiográfica", disse o pesquisador.

O desinteresse seria conseqüência de a cidade ter sido o único território colonizado pelos portugueses fora das fronteiras brasileiras. "No início do século 20, houve a preocupação de organizar a História do Brasil dentro do nosso país, cercar os fatos. Assim, a Colônia do Sacramento aparecia como uma pedra no sapato dos historiadores", disse o pesquisador.

Conhecida hoje apenas como Sacramento, a cidade é tombada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), como patrimônio histórico da humanidade.

Título: Colônia do Sacramento: o extremo sul da América Portuguesa
Editora: Edição independente, publicada com auxílio do Fundo Municipal de Apoio à Produção Artística e Cultural de Porto Alegre
Páginas: 230
Informações: fabricioprado@uol.com.br


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